“Deve o Estado
ser tão forte que não precise de ser violento” – este é o princípio fundamental
da revolução política liderada por António de Oliveira Salazar que se viveu em
Portugal entre 1926 e 1974.
Quem diria que este lema
– desvirtuado umas tantas quantas vezes – marcou a vida e acção política de uma
personalidade que, na aurora do século XXI, constitui ainda uma sombra difusa
sobre o pensamento popular de Portugal.
É verdade que as suas
ideias antidemocráticas não têm seguidores pelo que se desvaneceu qualquer
nostalgia da sua época mas há uma vontade latente de regressar ao seu estilo de
fazer política, mas o país já não está isolado nem é provinciano que possa
aceitar este paternalismo corporativista e messiânico que servia de base aos
seus conceitos de Governo.
No entanto, para
desgraça dos que construíram a democracia e deram a vida pela liberdade, a
memória de António Oliveira Salazar não se evaporou da consciência colectiva,
apesar de todos os discursos durante os últimos 38 anos.
Recentemente, um
inquérito realizado pela RTP, colocava António Oliveira Salazar no pódium dos
três portugueses mais influentes do século XX, independentemente do juízo que
se faz do político e do estadista. Para o bem e para o mal, Salazar é uma
referência portuguesa, difícil de apagar da galeria dos filhos ilustres desta
nação octocentenária.
Porquê? Em primeiro
lugar, porque ele governou durante 40 anos, chegando a estar no Livro dos
Recordes Guiness. Queiramos ou não, foi quase meio século da história recente
de Portugal, envolveu duas gerações, com um poder intenso que abarcava quase
todos os aspectos da vida dos cidadãos.
Mas existem outras
razões, uma vez que ele não abandonou o poder por qualquer movimento popular e
muito menos por um golpe de força, mas por incapacidade física.
Uma das razões reside no
facto de António Oliveira Salazar se confundir com o meio onde nasceu – rural,
conservador, católico, tradicionalista, pobre mas remediado – e que representa
a maioria da população portuguesa, da qual surge como representante.
Assim, ele olha para os
políticos da República, os seus partidos e os deputados com sobranceria,
desconfiança, uma vez que são cosmopolitas, ambiciosos, egoístas, oportunistas,
palavrosos, demagógicos, sedentos de poder, desonestos intelectualmente,
alheios ao interesse nacional e delapidadores do bem comum.
Ele representava “uma
política de verdade e de sinceridade, contraposta a uma política de mentira e
de segredo”.
Por isso, mostra-se
relutante quando o chamam para o poder e quando aceita rompe com o passado e
impõe um padrão de austero e abnegado serviço público. Esta atitude, de
desarmante simplicidade, aponta para o modelo de “qualquer boa dona de casa –
política comezinha e modesta que consiste em se gastar bem o que se possui e
não se despender mais do que os próprios recursos” (como escreve Joaquim
Vieira, in António Oliveira Salazar, Ed. Círculo de Leitores, Lisboa, 2001, pp.
8 a14).
1 comment:
De Salazar a Soares. Portugueses ficaram mais ricos durante o Estado Novo
Afinal, Salazar não era um lacaio da Igreja. Afinal, a integração europeia não começou com Soares. Estas e outras conclusões estão no terceiro capítulo do livro de Henrique Raposo, "História Politicamente Incorrecta de Portugal Contemporâneo", que o Dinheiro Vivo publica em exclusivo.
"A taxa de crescimento de Portugal durante os anos 2000 foi de 0,6%; nos anos 90 e 80, o país cresceu a 3,1% e 3,6% respetivamente; nos anos 70, cresceu a 4,9% e nos anos 60 a taxa atingiu 5,8%. Os anos 60 são, portanto, o período dourado da nossa economia e, apesar do caos pós-1974, os anos 70 também merecem destaque. Como é que isso foi possível? Em 1970, 1971 e 1972, Portugal conheceu taxas de crescimento chinesas: 8,47%, 10,49% e 10,38%. E estes picos de crescimento asiáticos também surgiram obviamente nos anos 60: 8,8% (1960), 10,53% (1962), 6,05% (1964), 9,41% (1965). Estas taxas de crescimento representaram um quarto de século de convergência em relação aos clubes dos mais ricos. Entre 1961 e 1973, a média de crescimento dos países da OCDE foi de 5%; no mesmo período, Portugal cresceu a 6,9% [...] A percentagem da população beneficiada pelos diferentes regimes da segurança social passou de 13,3% (1960) para 27,5% (1970) e 37,4% (1974). Olhe-se, por exemplo, para os pensionistas: em 1960, existiam 119 586 (56 296 no regime geral e 63 290 na CGA); em 1970, os sistemas abrangiam 260 807 reformados e o número já estava nos 607 084 em 1973; no final deste processo, em 1974, existiam 780 399 pensionistas em Portugal (701 561 no regime geral e 78 838 na Caixa Geral de Aposentações). Terá havido até hoje uma expansão do Estado social tão rápida como esta? [...]
E aqui entra em jogo um facto curioso: entre 1975 e 1980, o ritmo de subida do número de consultas médicas baixou. Pior: o número de consultas entrou em queda na primeira metade da década de 80. Resultado? Em meados da década de 80, o número de consultas era quase idêntico ao número de consultas de meados da década de 70 [...] Se a linha do analfabetismo continuou a descer nos primeiros anos da democracia, o mesmo não se verificou na linha ascendente das conclusões do ensino secundário. Na segunda metade dos anos 70 e na primeira metade dos anos 80, a percentagem de população com liceu concluído desceu para os níveis do início dos anos 70 [...] Estes números dizem uma coisa muito simples: o Estado social depende da riqueza produzida pela sociedade e não de leis que procuram garantir juridicamente aquilo que não tem garantia jurídica possível. Seja qual for o regime político, uma sociedade só pode criar e manter um Estado social se gerar a riqueza necessária para o pagar. As liberdades políticas, civis e religiosas, sim, podem ser defendidas juridicamente, porque não dependem de qualquer condição material. Mas os direitos sociais só podem ser defendidos através da criação de riqueza e da revitalização demográfica. Entre 1950 e 1973, o PIB per capita português convergiu em relação à Europa ocidental a uma média anual de 1,85%, mas, entre 1973 e 1986, a riqueza dos portugueses entrou em divergência (-0,49%). A divergência foi o sintoma da crise que assolou o país; uma crise provocada por causas externas que afetariam o país mesmo num cenário sem 25 de Abril (crise do petróleo) e por causas internas (o PREC e os seus efeitos) [...]
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