Saturday, July 2, 2011

Os rostos da República de A a Z: Afonso Costa (09)


Em 1920, repetiam-se os pedidos para que Afonso Costa voltasse e ele recusou-os todos. Marcado pela forma como o sidonismo o tratou , não estava disposto a deixar-se “queimar” só para tapar algum buraco. O seu nome era uma espécie de último recurso mas ele não estava para aí virado.

Em Março do ano seguinte, Bernardino Machado chama-o para negociar um empréstimo no estrangeiro, de 50 milhões de dólares, mas descobre-se que Portugal caíra numa burla e a polémica volta a instalar-se entre acusações a Costa de se envolver numa negociata.

Vivia-se uma nostalgia do afonsismo e no Verão, com a vitória dos liberais, Afonso Costa chega a planear o seu regresso a Portugal mas impressionado com os acontecimentos da noite sangrenta de 19 de Outubro, com a execução bárbara de Granjo e de Machado dos Santos, decide não regressar.

Em 1922, o presidente volta a insistir com ele mas Afonso Costa mantém-se irredutível até intervir às claras no ano seguinte quando as forças conservadoras se recompuseram em torno do Partido Nacionalista.

Afonso Costa empenha-se na bem sucedida eleição do diplomata e escritor Manuel Teixeira Gomes para o Palácio de Belém, contra Bernardino Machado.

Teixeira Gomes convida-o a formar Governo a 2 de Novembro e, apesar de uma eufórica recepção, em Lisboa, Afonso Costa desiste, argumentando com a recusa do Partido Nacionalista.

Em Junho de 1924, Teixeira Gomes volta a repetir o convite do ano anterior. Sem resultado porque “os insignificantes políticos que nos tem governado não querem que ele venha” — dizia o presidente Teixeira Gomes (cf. A. H. Oliveira Marques, in Afonso Costa, Lisboa, Arcádia, pp. 208-236).

Em Portugal, as suas hipóteses estavam comprometidas em contraponto ao prestígio conseguido no estrangeiro, sendo eleito vice-presidente do Tribunal Permanente de Justiça Internacional e, em Março de 1926, presidente da sessão extraordinária da Sociedade das Nações.

Poucas semanas depois, a 28 de Maio, instaura-se em Portugal uma ditadura militar em que o único elo que unia os revoltosos ra o fim da República dos democráticos.

A 8 de Julho, Afonso Costa era demitido do cargo de presidente da Delegação portuguesa à Sociedade das Nações.
Afonso Costa não é apanhado desprevenido. Esperava para ver desta conspiração de um vasto leque de forças unidas contra o Partido Democrático num programa mínimo, com um apoio máximo” (cf. ROSAS, Fernando in História de Portugal, dir. José Mattoso, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994.)

Para se avaliar do capital político que Afonso Costa possuía, em 1927, o seu nome aparece como possível ministro das Finanças na famosa Liga de Paris, movimento que preparava a resistência. Ele estava ao lado de nomes como Jaime Cortesão, Álvaro de Castro, Domingues dos Santos e António Sérgio. Germinava a II República... fazendo com que Afonso Costa se aproximasse de antigos adversários e admitindo que “a República deve encaminhar-se para a esquerda, apoiando-se nas classes operárias” (cf. A. H. Oliveira Marques, op. cit., p. 241).

Lá fora, Afonso Costa participa numa campanha contra um empréstimo pedido pela ditadura, ampliando os laços republicanos com os espanhóis.

Em 1930 multiplicam-se os contactos para unir a oposição, reunindo núcleos de exilados em Espanha mas avolumavam-se outras contrariedades porque, cá, muitos são seduzidos pelo projecto da União Nacional, lançado por Oliveira Salazar.

A revolta da Madeira que se alargou a outras colónias animou os republicanos exilados em Paris constitui um comité enquanto Jaime Cortesão é enviado a Espanha para obter o apoio espanhol à insurreição portuguesa. Na Galiza, em Agosto de 1931, há um contacto com o ex-ministro da Guerra, António Ribeiro de carvalho, mas este recusa participar na revolução com os exilados.

Em Portugal, a Aliança Republicana Socialista esvaziava os apoios dos emigrados e a Liga de Paris extingue-se em 1932. A consolidação do Estado Novo marchava sobre rodas mas costa não desiste até à morte, súbita, em Paris, em Maio de 1937, sem ver dada nova oportunidade à sua tão amada República.

Os rostos da República de A a Z: Afonso Costa (08)


Sindicalistas, católicos, monárquicos, republicanos moderados uniam-se contra Afonso Costa em volta do caminhense Sidónio Pais, que avança com um golpe no dia 5 de Dezembro de 1917.

Dois dias depois, a conspiração parecia fracassar e Afonso Costa, retido num hotel no Porto, manda servir café para toda a gente enquanto interpela o presidente: “ V. Ex. cia aceita a demissão do Governo, sem me ouvir?” (cf. Oliveira Marques, in Afonso Costa, Lisboa, Arcádia, 1975, p. 188).

Afonso Costa recusa-se a fugir e no dia seguinte o hotel era cercado por militares e preso, sendo conduzido pela escuridão das ruas do Porto e daí para o forte da Trafaria e deste para Elvas, onde ficou recluso três meses.

Os “afonsistas” eclipsaram-se em Lisboa e a multidão assaltava a casa de Afonso Costa, lançando livros, roupas, santos crucifixos (para espanto de todos!) pelas janelas.

Costa era visto como ditador, o que explica a vandalização da sua casa. Fernando Pessoa não poupava as palavras quando se referia a Afonso Costa: “Franco seria um tirano de merda; este (Costa) é um tirano de caca”, é “um dos maiores bandidos que tem aparecido à superfície da política lusitana”.

Dupla sai de cena

Com Sidónio Pais termina um ciclo de promessas não cumpridas pelos dirigentes republicanos e Afonso Costa é associado a todas as insuficiências do regime. Bernardino Machado leva por tabela e é enviado para o exílio e ninguém se levanta em defesa deles. Afinal, Costa ser-viu os objectivos de Bernardino, tornando-o presidente e este satisfez amplamente os interesses do partido de Afonso Costa. Formaram uma dupla de sucesso e pagaram com igual fúria do povo.

Em Março de 1918, António José de Almeida insurge-se contra a manutenção de Afonso Costa no forte de Elvas, denunciando a campanha de calúnias de que é alvo e, no fim do mês, o antigo ministro das Finanças saía da prisão. Terminavam três meses de tormento para Afonso Costa que seguia para Paris onde instalou o seu escritório de advogado, bem sucedido.

Enterrada a aventura mo-nárquica e sidonista, em 1919, Afonso Costa escla-rece que não quer voltar à política: “eu e os meus fomos pessoalmente acometidos e tivemos de sofrer do-res, calúnias e vexames, que nem aos maiores inimigos da Pátria seria legítimo infligir” (cf. Oliveira Marques, Op. Cit. pp. 433-434). Afonso Costa tinha 48 anos e muito para dar ao país.

Depois de deixar de viver em Portugal, após o golpe do caminhense Sidónio Pais, Costa continua a percorrer a Europa como um “bom burguês”, sem deixar de praticar o seu desporto favorito, a esgrima.

Imagem externa favorável

A guerra destruíra completamente a imagem de Afonso Costa e do seu Partido Democrático, mas o seu prestígio entre as grandes potencias mantinha-se alto, sendo nomeado para substituir Egas Moniz (médico, diplomata e futuro Nobel da Me-dicina) na Conferência de Paz em Paris, após a I Guerra Mundial.

Afonso Costa aplicou toda a sua sabedoria e engenho para defender os interesses de Portugal na Sociedade das Nações, como descreve de forma clara José Medeiros Ferreira na sua obra Portugal na Conferência de Paris, Lisboa, Quetzal, pp. 28-83.

Afonso Costa representou Portugal na assinatura dos Tratados de Paz que se seguiram ao Tratado de Versa-lhes e continuou a desempenhar actividades diplomáticas ao serviço do pais, tentando mesmo candidatar-se ao Conselho Executivo da Sociedade das Nações, em representação das “pequenas potências”.

Portugal volta
a chamá-lo

Em Portugal, a vida partidária voltava ao rotativismo entre Liberais (evolucionistas e unionistas) e o Partido Democrático, igual ao que marcara os últimos anos da Monarquia.

O regime entrava em convulsão interna, agravada pela inflação galopante, agitação social e instabilidade governativa. Em 1920, Portugal teve seis governos e no ano seguinte, sete. Repetiam-se os pedidos para que Costa Voltasse e ele recusou-os todos.

Marcara-o a forma como o sidonismo o tratou mas também é verdade que Afonso Costa não conseguiu reunir as condições que impunha e não estava disposto a deixar-se “queimar” só para tapar algum buraco.

Os rostos da República de A a Z: Afonso Costa (07)


A guerra deu a Afonso Costa o pretexto para o apelo à unidade de todos os republicanos, em troca de uma patriótica reconciliação, em seu redor.

Dirige-se a Londres onde afirma que a “Inglaterra nos convida a dar-lhe o nosso concurso nos campos de batalha da Europa, compromete-se a fornecer-nos os fundos necessários para que ele se torne efectivo, sob forma de material, abastecimento, etc., finalmente freta-nos em condições mais vantajosas um grande número os navios que apreendemos aos alemães” — lê-se no Diário II de João Chagas (ed. Rolim, Lisboa, 1987, pp. 266-277).

Contra a maioria, a proposta minoritária da intervenção na guerra ganhava forma e vencia. É a Afonso Costa e ao Partido Democrático que Portugal deve a entrada no palco de guerra europeu e não é fácil destrinçar, ainda hoje, onde começam e acabam as motivações de ordem interna e externa que sustentam esta decisão que traduz o “interesse de Afonso Costa na afirmação externa do Estado Republicano”.

As relações com Inglaterra estavam longe de ser as melhores porque os ingleses apenas reconheceram a República um ano depois e a imagem de Portugal — devido à contratação de mão-de-obra indígena nas colónias portuguesas — era pouco melhor que má.

Mal estalou a guerra, Costa apela à unidade dos republicanos embora a maioria preferisse expedições a África contra a ambição imperialista alemã, como a própria Inglaterra sugeriu.

Os oficiais do Exército também se opunham à politica de guerra e fazem a entrega simbólica das espadas ao Presidente Arriaga — o “golpe das espadas” — e de nada valia a Afonso Costa percorrer os quartéis tentando levar o exército à obediência.

COM a limpeza dos oficiais democráticos, o PD de Costa estremeceu e convoca novo congresso em Março de 1915, mas a GNR impede a entrada no Palácio de S. Bento. Rebentava a revolução dos republicanos radicais, durante três dias, a 14 de Maio, com 200 mortos e mais de mil feridos. Afonso Costa concorda em formar novo governo para pôr ordem na casa, com reintegrações, amnistias, prisões e desterros.

Costa controlava o Estado mas o pais estava à beira de rotura financeira e crescia o mal-estar social e insiste num Governo de unidade nacional para repartir os descontentamentos.

A 30 de Dezembro, Afonso Costa recebe pedido inglês para requisitar navios mercantes alemães atracados em portos portugueses. Era o momento de obrigar a Inglaterra a cumprir o seu dever: invocar a aliança luso-britância.

Com a apreensão dos navios alemães a 23 de Fevereiro de 1916, a Alemanha declara guerra a Portugal, no dia 9 de Março.
O Partido de Costa estava isolado social e politicamente e a guerra dava-lhe a causa patriótica, de unidade no capo republicano e até dos portugueses de que Afonso Costa precisava.

De Inglaterra não chegavam os apoios financeiros, condicionados à entrada directa na guerra na Flandres. A declaração de guerra da Alemanha força Afonso Costa a formar um governo de “União Sagrada”, reunindo evolucionistas e democráticos, com Afonso Costa nas Finanças. A estrela começava a apagar-se, com a organização do Corpo Expedicionário Português (CEP), entregue ao Ministro da Guerra José Maria Norton de Matos.

Em Dezembro de 1916 conheciam-se as “más condições lá vividas pelos soldados portugueses, mal alimentados, vestidos, calçados e posicionados. O CEP passava a chamar-se Carneiros de Exportação portuguesa porque o filho mais de velho de Afonso Costa “foi para um quartel general onde o papá o vai beijar. Exibindo-se e exibindo-o” (cf. Rocha Martins ‘Príncipe Sebastião’, citado por BARROS, Júlia Leitão, in Afonso Costa, p. 114.


O pais esvaía-se na fome e na miséria, com “um estendal de bichas, levantamentos, motins, assaltos provocados por insuficiência de abastecimento público e pelo agravamento do mercado negro e açambarcamento” em que as cidades são as primeiras a ressentir-se “com carência de pão.”. Nas aldeias há motins “rurais contra a saída de géneros, assaltos a lojas, manifestações e greves”.


Crescia a discórdia dentro do Governo de “União Sagrada” e a causa intervencionista virava-se contra Afonso Costa. “Era um tiro na culatra, multiplicando-se os fogos de oposição” e Afonso Costa começa a ser contestado dentro do PD até que em Julho de 1917, uma greve da construção civil termina em verdadeira batalha campal que o obriga a declarar o Estado de Sítio.


Em Setembro são presos 40 sindicalistas e Afonso Costa apercebe-se do cerco levando o seu amigos João Pinheiro Chagas a dizer: “creio que o medo tem algum império nos actos do homem enérgico que é Afonso Costa” (cf. op.cit. p.281).

A boa estrela de Afonso Costa apagava-se enquanto crescia a popularidade do herói da rotunda, Machado dos Santos.
Sindicalistas, católicos, monárquicos, republicanos moderados uniam-se contra Afonso Costa em volta de Sidónio Pais.