A
questão da viagem papal à Índia constitui um marco revelador do
afastamento do Vaticano face à política colonial de Salazar e do
distanciamento progressivo em relação ao regime por parte de muitos
católicos que engrossavam a “frente nacional”.
Em
Outubro de 1965, mais de cem católicos redigem um manifesto dirigido
à Conferência Episcopal contra a política no Ultramar e a
invocação do nome de Cristo para servir de capa a um “nacionalismo
exacerbado e a atitudes totalitárias que repugnam à consciência
cristã”.
De
facto, a atitude de Cerejeira perante a guerra colonial ficou
definida no início do conflito em 1961, ao manter o silêncio sobre
a detenção em Março do Vigário geral da diocese de Luanda, Mendes
das Neves, acusado de ser o “chefe da organização responsável
pelos actos de terrorismo”, assim como a deportação sob prisão
de nove padres angolanos, entre os quais Joaquim Pinto de Andrade.
Ele,
“nunca fez ouvir a sua voz para condenar a guerra colonial” (cf.
Arquivo PIDE/DGS) limitando-se aqui e além a criticar a falta de
financiamento do ensino católico nas colónias.
A
este manifesto associa-se o episcopado de Angola com uma pastoral em
meados do ano seguinte, num mês de Maio em que a repressão se
abateu sobre estudantes universitários de Lisboa e sobre a Sociedade
Portuguesa de Escritores que acaba por ser encerrada quando é
atribuído o seu premio literário ao angolano Luandino Vieira, preso
pela Pide.
Os
silêncios do Cardeal Cerejeira perante o exílio imposto ao bispo do
Porto e a sua inércia diante das perseguições movidas à população
discente das escolas católicas mereceram violenta crítica em cartas
de Cunha Leal ao Patriarca (cf. Diário de Lisboa, 13.12.1965).
Com
o termo do Concílio Vaticano II surge em Portugal, em 1966, um breve
Movimento de Resistência Cristã que congrega vultos como António
Alçada Baptista, Bénard da Costa, numa altura que o Governo
continuava a mostrar quem mandava ao vetar o nome de António para
novo Bispo da Beira proposto pelo Papa. Também Manuel Falcão, Bispo
de Beja, foi impedido de ser cardeal ou “sequer bispo de uma
qualquer diocese” enquanto Salazar fosse presidente do Conselho,
como escreveu Franco Nogueira na sua obra já aqui citada.
Foram
também razões políticas invocadas para fechar a cooperativa
católica Pragma, tendo os seus dirigentes sido presos porque
alegadamente difundiam “ideias dissolventes e possuíam na sede
panfletos do PCP e discos antipatrióticos”.
O
ano seguinte, 1967, antevia-se importante para o regime por causa da
visita do Papa a Fátima, a convite do episcopado português, mas
Paulo VI – o Papa que Salazar assegurara que “nunca entraria em
Portugal enquanto fosse vivo” – não aceita aterrar em Lisboa nem
pernoitar em Portugal.
Salazar
aceitou as condições papais mas ficou agastado, sempre aproveitou
todos os momentos para tirar proveito político da visita oque deixa
muitos católicos desiludidos, especialmente pela condecoração ao
director da PIDE, Silva Pais.
Com
38 anos de patriarcado, o cardeal Manuel Cerejeira entende que é
chegada a hora de um balanço, reconhecendo que o caso do Bispo do
Porto abriu uma “larga ferida na consciência católica”.
O
opúsculo mereceu palavras pouco elogiosas e até “desdenhosas”
de Salazar que qualificou o “livrinho” de “defensivo e sem
coragem para contra-atacar", da parte de um “fraco que nunca teve a
coragem de castigar alguém”.
Raúl
Rego respondeu ao balanço de Cerejeira mas este foi apreendido nas
livrarias e o autor foi preso, tendo sido libertado a pedido de
Cerejeira, por intermédio de Moreira das Neves. Também o bispo do
Porto lhe lembrou o Te Deum na Catedral do Porto para assinalar um
facto histórico discutível, “numa Sé ocupada num país ocupado”.
Cerejeira
não acusou a recepção desta Carta de D. António Ferreira Gomes
que atribuía a crise da Igreja lusa “às cuidadosas ausências do
presidente do Episcopado e sobretudo às suas presenças onde não
eram devidas” (cf. FERREIRA, António Gomes, in Carta ao cardeal
Cerejeira, Lisboa Ed. Dom Quixote, 1996).
A
contestação a Gonçalves Cerejeira alastra como uma “mancha de
óleo” na década de 60, primeiro por inspiração em Ferreira
Gomes, depois pela abertura do Vaticano II, cuja presença do Bispo
do Porto foi difícil de gerir pela diplomacia portuguesa.
Nuno
Teotónio Pereira, António José Martins e Alçada Baptista são
nomes que abalam a “cumplicidade Salazar-Cerejeira” e aceleram o
crepúsculo do Cardeal.
O
último ano de Salazar no Poder foi também um annus
horribilis para
Cerejeira, a completar 80 anos. Teve de enfrentar as duras críticas
de Raul Rego e D. António ferreira Gomes e de cada vez mais
sacerdotes rebeldes e lidar com a crescente hostilidade dos católicos
perante a guerra colonial.
Anunciava-se, em 1968, o crepúsculo da
dupla de «amigos» que marca a vida portuguesa durante quatro
décadas.
No comments:
Post a Comment