Monday, June 28, 2010

Cem anos de República no Minho (9)


Maria da Fonte é nome de mulher, mas, terá realmente existido uma mulher com esse nome, ou será apenas fruto de uma lenda?
Esta era a pergunta com que terminávamos na crónica da última quinzena, mas Camilo apresenta ainda outra hipótese da sua recolha: "uma criança abandonada à beira da Fonte do Vide, no lugar do Barreiro, da freguesia de Fonte Arcada, que foi criada por Josefa Antunes, e que, por morte desta, passou a viver no lugar de Valbom, onde, finda a revolta, regressou, tendo posteriormente casado e partido, sem que mais se soubesse notícias dela”.

Como nas invasões francesas, o Clero desempenha um papel determinante na arregimentação popular para a guerrilha e, entre outros, Camilo cita os Padres João do Cano, José das Caldas, José da Lage, Manuel da Agra, e, o mais popular de todos, o Padre Casimiro. Padre Casimiro José Vieira, «Defensor das Cinco Chagas e General Comandante das Forças Populares do Minho e Trás-os-Montes», nasceu no ano de 1817, em Vieira do Minho.

Quando o barão de Casal foi espostejar os miguelistas a Braga, escreve Camilo em A brasileira de Prazins, os dois tenentes apresentados pediram vénia ao general para servirem na coluna do visconde de Vinhais; — que tinham repugnância de pelejar cara a cara com os seus parentes bandeados nas guerrilhas do padre Casimiro José Vieira e do padre José da Laje. A vergonha impunhalhes o dever de doirar a mentira. Não lhes pareceu decente irem acutilar nas mas de Braga o Cristóvão Bezerra, de Bouro, e o abade de Calvos e o padre Manuel das Agras. Não poderiam ver sem mágoa a soldadesca a dar saque aos dinheiros das senhoras Botelhas”.

Nas vésperas da Revolução da Maria da Fonte, «em Março de 1846 estudava retórica em Braga, habilitando-se para pregador. Era boa figura, tinha um lindo bigode preto, era muito pândego» — escreve Camilo, segundo o qual «a força e a popularidade do Padre Casimiro residem, acima de tudo, na eficácia com que utilizou os parcos meios ao seu alcance. O principal desses meios foi, sem dúvida, o conhecimento do terreno. As subtilezas da psicologia não lhe são, também, desconhecidas. Totalmente consciente de que a sua guerra mais não poderia ser do que uma guerrilha de camponeses, mantém-lhe sempre o ritmo sincronizado pelo ritmo dos trabalhos agrícolas».

CONVICTO MIGUELISTA

Padre Casimiro, tal como tantos outros Padres do Minho, é um convicto miguelista, e prepara as suas gentes e os seus guerrilheiros para a luta pela Restauração de D. Miguel I. Por todo o País se encontravam adeptos do Rei Legítimo, mas era, fundamentalmente, no Minho, berço da nacionalidade, que a saudade daqueles tempos se agudizava ao ponto de surgirem falsos D. Miguéis.

Leia-se este pedacinho de “Memórias do Cárcere” de Camilo Castelo Branco, sobre a expansão do Miguelismo no Minho e na Póvoa de Lanhoso: “E lavrou o acór-dão muito recheado de grifo: — Que agravado era o agravante pelo juiz da comarca de Lanhoso, por-quanto na pronúncia de primeira instância haviam sido desprezadas as formalidades mais curiais, pois que nenhuma testemunha depusera que o agravante se inculcasse D. Miguel para perturbar a ordem constituída, chamando o povo à revolta; e das respostas do agravante no interrogatório a que procedeu a autoridade administrativa, constava que o preso quase que fora obrigado por um clérigo estúpido e esturrado miguelista a deixar-se chamar D. Miguel I; mas não constava nem se provava que o agravante se aproveitasse de tal fraude e impostura para extorquir valores aos seus estúpidos cortesãos; o que decerto praticada um gamenho decidido a fingir-se D. Miguel para os espoliar. Que a pronúncia fora iníqua, atabafada apaixonadamente, e sem base, visto que nada se colhia dos depoimentos das testemunhas, e apenas se fez obra por hipóteses e indícios, fundada num rol de indivíduos alarves, a quem o suposto monarca fazia mercês de comendas, de títulos, de patentes e até de mitras, sem que daí resultasse alvoroto nem leve perturbação na ordem pública, nem mesmamente dano para os mencionados burros que pediam as mercês, e que deviam ser pronunciados em primeira instância, se a corte de São Gens de Calvos não fosse uma farsa de Entrudo.

E, dilatando-se filosoficamente e chistoso, o juiz-relator adicionava, aconselhando, que seda bom e proveitoso que nas tenras selváticas do Minho se espalhassem muitos Miguéis daquela casta e feitio até que os novos Sebastianistas se convencessem de que somente assim poderiam arranjar um Miguel que lhes desse comendas, títulos, postos militares e prelazias.

É na liderança destes grupos que surgem clérigos como o padre Casimiro José Vieira, o padre João Cano, o padre Manuel de Agra, entre outros, que dão ao movimento carácter político: a restauração do absolutismo.

Chegou a controlar a área entre os rios Cávado e Ave, e a recrutar apoiantes em Trás-os-Montes, dada a facilidade com que enunciava os seus princípios, ou aos povos que ia conquistando para a Causa miguelista de que a Póvoa de Lanhoso e Vieira eram dois berços de ouro. Lá iremos.

Monday, June 14, 2010

Cem anos de República no Minho (8)


A revolta da Maria da Fonte alastra-se rapidamente da Póvoa de Lanhoso a Arcos de Valdevez, Ponte da Barca, Ponte de Lima, Viana do Castelo, Barcelos, Braga, Taipas, Guimarães, Cabeceiras de Basto, Chaves e Vinhais.

As escaramuças chegam a cidades como Vila real, Viseu, Aveiro, Coimbra, Leiria, Figueira da Foz e Santarém, mas não é um erro histórico grosseiro afirmar que a revolta da Maria da Fonte foi uma revolução regional que marcou todo o ano de 1846, a partir de Maio.

Assim se chamou a revolução que rebentou no Minho em Abril de 1846 contra o governo de Costa Cabral, mais tarde conde e marquês de Tomar. Mas, a par da oposição às «Leis de Saúde» estava a luta contra o aumento dos impostos decretado pelo Governo, traduzido na destruição das «bilhetas», que eram os boletins das contribuições.

Também, a oportunidade da Restauração de D. Miguel. E, com o alastrar da revolta a outros pontos do País, a união de Cartistas, Miguelistas e Setembristas leva a que os Cabrais se vejam obrigados a abandonar Portugal. A Revolução da Maria da Fonte teve, portanto, consequências políticas muito para além do que os seus promotores alguma vez pensaram.

Pinceladas camilianas

«Começara o ano de 1846 docemente reclinado nos fagueiros braços da mais bonançosa paz. A agricultura prosperava, o comércio desenvolvia-se, as artes floresciam, o crédito público aumentava, a viação co-meçava os seus primeiros ensaios e as contribuições não escaldavam» — escrevia Castelo Branco no seu livro "Maria da Fonte".

Contra as autoridades vão fazê-lo, em Março na freguesia de Garfe, antes na freguesia de Travassós, nos primeiros dias de Abril na fre- guesia de Fonte Arcada, e, quase no fim desse mês, no lugar de Simões ou Simães.

Estes acontecimentos eram protagonizados por mulheres, armadas «umas de chuços, outras de ferrelhas e pás de enfonar, muitas com choupas e sacholas, algumas com forcados e espetos» , é a descrição de Camilo sobre estas mulheres, que comandavam o funeral, não permitindo a presença de homens.

As autoridades participavam estes atropelos à lei, mas não obtinham resposta. Somente a seguir ao caso em Simões é que foi emitida voz de prisão para Maria da Fonte e suas sequazes, que foram presas, à excepção da cabecilha que conseguiu fugir. «Na sexta-feira próxima em que havia confessores para a desobriga» , o juiz de direito, o delegado, o oficial de diligências e os adjuntos dirigiram-se ao lugar, e o povo começou a tocar os sinos a rebate, tendo as autoridades que fugir.

«Foi então que apareceu a Maria da Fonte de clavina empunhada e duas pistolas ao cinturão, gritando: Vamos à cadeia tirar as presas! Viva o Senhor Dom Miguel!» — relata Camilo Castelo Branco. Chegados à Póvoa, são as mulheres presas libertadas, regressando a suas casas como heroínas. Entretanto, as autoridades enviam um destacamento de cin-quenta praças do Regimento “8” de Braga para a Póvoa de Lanhoso, que nada faz. Pouco tempo depois ocorre outro enterro, na freguesia de Galegos, onde Maria da Fonte e as suas companhei-ras voltam a aparecer. Agora, a toda a gente é permitido assistir, participando o Clero plenamente na cerimónia. Desta ocorrência, são presos um homem e uma mulher, mas, «ao passarem na serra do Carvalho, lá vão tirá-los à escolta os moradores das próximas freguesias de Ferreiros e Geraz» — prossegue o relato camiliano com ecos nas suas "Memórias do Cárcere".

Entre 15 e 16 de Abril a revolta assume proporções inesperadas, com o ataque a Guimarães conduzido pelo Padre José das Caldas, e o ataque a Braga pelas gentes do Prado que já descrevemos aqui, a propósito da celebração da Páscoa na rua da Cónega. Ao mesmo tempo são queimados todos os papeis dos arquivos da administração. Maria da Fonte — como se crê — participa em todos estes actos e senão participou é sempre importante que uma qualquer altercação da ordem estabelecida tenha um nome, ou esteja personalizada numa pessoa que, por vezes, se torne de difícil identificação.

Mito popular?

O imaginário popular precisa destas personagens, com as quais se identifica, transformando-as em mitos, que passam de geração em geração, passando a fazer parte da história alternativa.

Maria da Fonte é nome de mulher, mas, terá realmente existido uma mulher com esse nome, ou será apenas fruto de uma lenda? Efectivamente, os seus contemporâneos distribuíram os atributos da personagem por diferentes mulheres, de diferentes lugares. Uma é apresentada como irmã de um sapateiro de Simões, da freguesia de Fonte Arcada, de nome Maria Angelina, a quem chamavam Maria da Fonte, e fora processada e pronunciada nos tumultos da Póvoa de Lanhoso — lembra Camilo Castelo Branco.

Outra, era uma doceira de Valbom, nas vizinhanças de Lanhoso, que andava pelas feiras e romarias inculcando-se a Maria da Fonte — tenta explicar o escritor de Seide que andou foragido à justiça entre as Caldas das Taipas e a Póvoa de Lanhoso.

Camilo Castelo Branco cita o jornal «Comércio de Portugal», de Lisboa, de 15 de Março de 1883, identificava Ana Maria Esteves, que teria, então, cinquenta e seis anos, nascida em São Tiago de Oliveira, Póvoa de Lanhoso, e casada com António Joaquim Lopes da Silva, como a Maria da Fonte.
Mas a ela voltaremos.