Saturday, October 25, 2008

S. Geraldo: 900 anos após a sua morte (4)

Terminávamos a última crónica a falar da heresia do origenismo que terá chegado à Galécia pelas mãos de um peregrino de Braga, Avito, após uma viagem à Terra Santa, como escreve o historiador bracarense Paulo Orósio na sua obra dedicada a Santo Agostinho, Commonitorum, onde fala não só os priscilianistas e dos origenistas, bem como do pelagianismo.

Aliás, estas tendências religiosas da gnose e misticismo vão atravessar os séculos de presença dos árabes na Península Ibérica, como foi o caso do século VIII em que surge uma corrente religiosa anti-trindade, como foi a inspirada por Migécio para quem a Trindade era constituída assim: o Pai, David; o filho, era Jesus Cristo; e o Espírito Santo, era S. Paulo.

Depois surge o adopcionismo, segundo o qual Jesus Cristo era apenas Filho adoptivo de Deus, e filho de Maria.
É neste contexto de fragilidade que chegam os muçulmanos e começa a ficar completo o retrato da região que S. Geraldo vai encontrar quando chega a Braga.

A invasão e conquista muçulmanas da Península Ibérica foram fulminantes. A rapidez das operações (menos de cinco anos) deixou atónitos os hispano-romanos e os visigodos desorientados e quase paralisados. Apenas escaparam ao controlo dos berberes-árabes umas franjas dos Picos da Europa, nas Astúrias (onde se refugiaram os bispos de Braga), e a envolvente dos Pirinéus.

Esta conquista deve-se ao dinamismo religioso da Jihad mas só um apoio muito comprometido de forças no seio da comunidade ibérica romana e visigoda pode ajudar a compreender um colapso tão estrondoso como rápido.

Entre essas causas, os historiadores destacam o “exagerado compromisso entre a Igreja e o poder político que tornou cada um solidário das fraquezas do outro” levando a que eclesiásticos e nobres se colocassem ao lado dos invasosres.

A débil implantação do cristianismo facilitou a adesão dos nativos à nova religião também ela monoteísta e do Livro, acrescendo ainda o descontentamento generalizado do povo vergado pelo peso de impostos. Quem o castigasse menos era bem vindo. Depois, havia uma terceira força acorrentada ao longo de séculos por medidas adversas que ansiava pela libertação. Estamos a falar dos judeus a que se aliaram os escravos e servos, após os nobres debandarem em fuga deixando as cidades sem estruturas organizativas capazes de oferecer resistência aos invasosres.

Pelos anos 741 em diante, os estratos mais baixos da população, explorados pela dominação romana e visigótica, adaptaram-se depressa à nova situação.

Assim se compreende que trinta mil invasores — ou 200 mil, na hipótese mmais exagerada — tivessem tomado de assalto um imenso território com população muito superior.

Os conquistadores não impunham o islamismo aos povos que consideravam detentores da revelação divina (gentes do livro ou Ahl al-Kitáb). Assim, os judeus e cristãos podiam continuar a sua prática e crença religiosas, mediante alguns condições.
A população hispânica divide-se então em três grandes grupos.

De um lado, temos os que aceitam converter-se ao islamismo, proposto antes do ataque, permitindo-lhes ter acesso a altos cargos do poder. O segundo grupo era constituído pelos cristãos que não aceitam o convite da conversão a Maomé. Foram submetidos pela força mas puderam continuar a cuidar das terras como arrendatários, na contingência de serem expulsos.

O terceiro grupo é constituído pelos que negociaram a liberdade, sujeitando-se à dominação islâmica, com certa autonomia religiosa e jurídica. Foi o que aconteceu a Norte, em grande parte.

São os chamados moçárabes, tantas vezes vítimas de humilhação por causa dos pactos celebrados. Os cristãos não podiam andar a cavalo, por exemplo, só podiam andar de burro ou mula, com os dois pés pendentes para o mesmo lado do animal. Não podiam usar espada nem fabricar ou usar armas, para além de terem de acolher nas suas igrejas os viajantes muçulmanos.

Saturday, October 18, 2008

Braga: fazer obras é prioridade gasta




Desde o ano lectivo 2006 até agora, já encerraram no concelho de Braga oito escolas do 1.º ciclo do ensino básico. O jornal Correio do Minho, através da jornalista Paula Maia, está a mostrar-nos como estão a ser aproveitadas as estruturas destes estabelecimentos de ensino, alguns sujeitos a obras de intervenção pouco antes de encerrarem portas.

No que se refere à escola de Macada, em Vimieiro, já está decidido que acolhe o Grupo Folclórico. Foi uma das primeiras escolas do concelho de Braga a encerrar por falta de alunos, após ter sofrido obras de requalificação.

A Escola da Bela Vista, em S. Pedro d’Este, encerrada no passado ano lectivo, será destinada para fins sociais.
Composta por duas salas de aula, refeitório e uma sala que outrora serviu de mediateca, também sofreu avultadas obras em 2005 que a dotara de “muito boas condições”.

Também a Escola dos Pardieiros, em Penso S. Estêvão, foi uma das primeiras escolas a encerrar em Braga, após requalificação que custou 125 mil euros. Agora vai gastar-se mais dinheiro para adaptar a antiga escola a Centro de Dia.
Estamos perante consequências de dois factos negativos: o primeiro consiste na falta de alunos tem ditado o encerramento de escolas no 1.º ciclo do ensino básico em todo o país.

O segundo facto negativo é a comprovada falta de planeamento dos investimentos: gastaram-se várias centenas de milhares de euros em obras que permitiram a construção de refeitórios, cozinhas, espaços desportivos para fechar um ou dois anos depois, quando a tendência de alunos evidenciava a sua vertiginosa queda.

Depois de tantos colóquios, de tantos alertas antes de começarem os mandatos nos programas eleitorais, os nossos autarcas continuam a dar prioridade a obras, quando lhes pediram para dar prioridade às pessoas.

As necessidades de recreio, de cultura, de desporto, de lazer, de apoio solidário dependem de obras mas satisfazem-se sobretudo quando os autarcas perceberem a necessidade de congregar vontades, dinamizar associações e mobilizar os cidadãos.

É um trabalho mais difícil que dar trabalho aos empreiteiros? É, mas é mais rentável para a qualidade de vida das pessoas.
Investir em obras nas escolas condenadas a fechar pode ter sido o primeiro passo da sua condenação política se não ressuscitarem novos modelos de intervenção pública que dêem vida aos recintos culturais, desportivos e equipamentos de lazer, quanto deles fechados, inactivos e abandonados.

Tantas vezes alertamos para este mofo que invade centros culturais, para ervas e arbustos em campos de futebol e piscinas e polivalentes sem actividade.

É urgente instituir outras "comissões" que dinamizem actividades para a comunidade. Só se fará se abandonarmos a prioridade às comissões de obras. Ainda estão a tempo de recuperar estes anos de espera de modo a evitar mais uma oportunidade perdida.

Manuel Valença: bracarense, missionário e notável compositor



Hoje, 19 de Outubro, a Igreja Católica celebra o Dia Mundial das Missões, uma data ímpar da igreja portuguesa e bracarense que possui entre os seus crentes alguns dos mais notáveis missionários. Um deles é o padre Manuel Valença, nascido em S. Vítor há 92 anos.

Filho de comerciante e uma artesã de bordados, na Senhora-a-Branca, em Braga, Manuel Valença é um compositor com centenas de peças musicais para coro, orquestra aclamadas um pouco por todo o mundo (especialmente África e América do Norte) e simples cânticos que o nosso povo entoa nas suas festas sem saber quem é o autor.

Nascido em1917, foi baptizado na igreja de S. Vítor, fez a escola primária poucos anos porque o pai “me ensinou quase tudo antes de ir para a escola primária, No primeiro dia estive a ser interrogado pela professora e no dia seguinte fui para a terceira classe porque estava preparado para isso. Em seguida, o meu padrinho, que era franciscano e era o síndico desta Casa de Montariol, sugeriu que eu viesse para aqui.. Era para ir para Espanha, onde tínhamos um colégio, em Tuy, mas nesse ano mudamos para aqui. As aulas começaram mais tarde, porque este edifício não existia. Nós vivíamos na Igreja que tinha sido uma cavalariça das tropas que se estabeleceram aqui. Iamos comer lá abaixo a outra casa onde está um a tipografia. Fazíamos isto duas vezes por dia. Estudávamos no coro e tínhamos ali as aulas. Os professores eram muito competentes e amigos. Quando entramos éramos 50 mas doze anos , após a Filosofia e a Teologia, depois ficamos doze. Os outros abandonaram, cada um com as suas razões".


Depois, o nosso anfitrião, que nos recebe na esplendorosa biblioteca de Montariol, vai para Espanha, onde estuda durante três anos em que o país vizinho vivia em Guerra Civil. Eram tempos de enorme dificuldade: “alguém vinha a Portugal buscar alimentos para nós sobrevivermos no outro lado e sustentar o colégio de S. António de Tuy” — recorda o padre Manuel Valença.
Quanto à música, o padre Manuel Valença teve um bom professor de piano até aos dez nos, “depois estudei por mim, todos os dias, enquanto os meus colegas brincavam, os exercícios do Czerny, etc”.

Depois de concluída a licenciatura de Teologia em Varatojo, esteve no Porto, durante um ano, e “fui chamado pra ensinar em Montariol. Comecei ensinar literatura e quando o professor de inglês saiu comecei a dar lições de inglês durante sete anos. Isso preparou-me para o resto da vida. Quando fui para as missões, 16 anos depois, veio a independência de Moçambique e resolvi sair para a África do Sul onde estive três anos. Em Pretória havia musicologias na Universidade e recebi grau de doutor. O inglês ajudou-me muito".

A MÚSICA
COMO INSTRUMENTO
DE EVANGELIZAÇÃO

Sobre a sua ida para Moçambique, onde esteve 16 anos em missão, perto de Maputo, Polana, Manuel Valença foi substituir um colega que passou para outro colégio. Esteve 16 anos a ensinar no Colégio António Enes e dedicava-se à evangelização através... da música. “Elevar a cultura das pessoas. Começamos com concertos de órgão, depois criamos um grupo coral aberto a todos e ainda agora estive a ouvir uma gravação dos primeiros concertos. Isso deu brado e começamos a ter uma orquestra do Rádio Clube. Fizemos concertos de Haendel para orquestra e órgão com mais de três mil pessoas as assistir.”

Construída uma Igreja e um fantástico centro pastoral, chega a independência e o regime não via com bons olhos a presença da Igreja Católica. O padre Manuel Valença opta por seguir para África do Sul, dando um concerto numa igreja protestante de Joanesburgo e na Catedral Católica, por três vezes. "Fui convidado para dar aulas na British University com lições sobre a música portuguesa, especialmente o cravista Carlos Seixas. Orquestrei umas peças de Carlos Seixas e esse concerto foi realizado na Universidade de Joanesburgo, com enorme sucesso registado nos jornais".

A música, em Lourenço Marques, atraiu muitas crianças e atrás delas os pais e milhares de pessoas. “O primeiro concerto que nós fizemos, tinha três mil pessoas. É uma coisa tremenda a força da música” — lembra.

Quanto ao seu talento musical, Manuel Valença explica: “a minha mãe cantava e ensinou-me a cantar. Tinha bom ouvido. Aqui, um professor pôs-me a tocar uma peça a quatro mãos com um colega... saí-me bem. Tudo começou por aí, depois estudei nos conservatórios de Porto e Lisboa" (oito anos).

Uma das suas centenas de obras que não esquece... é a “Missa Totta Pulchra, para coro a 3 vozes e orquestra. Foi cantada no Rádio Clube de Lourenço Marques por uma escola de africanos que estudavam para professores das missões. Fui ensaiá-los e apresentamos essa obra e ainda a tenho gravada”.

Infelizmente, Manuel Valença tem poucos registos das suas obras musicais e o que existe está em fita magnética ou vinil.
Johan Sebastião Bach — porque “há músicas que nos tocam mais”, adverte —, Chopin, Mendelssohn e Beethoven são os seus compositores preferidos.

Quando lhe perguntamos pelas suas obras — ele não sabe quantas são — a mais importante foi “uma composição sobre temas do Carlos Seixas para quarteto de cordas e orquestra de câmara”.
No Verão, procura passar férias nos Estados Unidos, aproveitando para maravilhar os americanos com os seus concertos ao ar livre e em igrejas.

Saturday, October 11, 2008

Polícias aos papéis ou polícias de papel...

Depois de várias denúncias, os assaltos a gasóleo prosseguem aos camiões estacionados em sítios de grande visibilidade e no centro urbano bracarense.

Muitos camionistas e proprietários de frotas estão indignados com a ineficácia das forças de segurança e torna-se inexplicável para o cidadão comum que estas situações se eternizem.

Ninguém entende que em locais tão próximos do centro da cidade, como seja o parque de estacionamento de camiões unto aos quartel dos sapadores Bombeiros de Braga, em S. Vicente ou em Lamaçães, se repitam estes atentados aos bem alheio.

Não estamos a falar de lugares recônditos e pouco populosos nem de operações que demoram um ou dois minutos a concretizar. Não se esvazia um depósito com centenas de litros de gasóleo em dois minutos.
Os bracarenses não podem ficar sossegados quando a PSP, através do seu comando, se limita a reconhecer a sua incapacidade face às queixas que lhes são apresentadas pelos lesados.

Dizer aos queixosos — como dava conta um deles ontem na rádio de Braga Antena Minho — que não tem meios é uma resposta que não satisfaz o cidadão comum que é confrontado tantas vezes com meios a mais para outras tarefas mais rentáveis para os cofres do Estado.

É daquelas respostas que não se podem dar e melhor seria que estivessem calados e procurassem distribuir melhor os meios que têm pelas missões prioritárias para que foram criadas as forças de segurança.

Cresce a sensação nos portugueses e nos bracarenses que quando mais elementos entram para as forças da autoridade, menos qualidade tem esse bem precioso que é a segurança de pessoas e bens.

E que dizer dos locais que se tornaram mercado de receptação e venda destes bens roubados, sem que haja qualquer visita de surpresa por parte das forças policiais.

Os cidadãos merecem que os comandantes das forças de segurança não sejam os promotores do sentimento de insegurança. A promoção da insegurança começa quando se justificam com a falta de meios. Digam isso a quem já foi assaltado ou vítima de furto e percebam a reacção das pessoas.

Para quem teve esse azar é evidente que há papéis a mais, perda de tempo para nada e pouca acção ou presença a menos. Melhor seria perder menos tempo com papéis que nos fazem perder tempo e não nos devolvem o que nos roubaram.

Não permitam aos bracarenses que eles venham a pensar que as polícias só preenchem papéis inúteis e os polícias só são eficazes como caçadores de multas.

Cidadãos solidários ou chispes de porco?

Os jornais desta semana trazem duas notícias lindas e uma nojenta sobre os estudantes de Braga. Prefiro das duas primeiras, pois são suficientes para termos uma nova maneira de encarar os nossos jovens. Eles, ao contrário do que às vezes se quer fazer crer, erradamente, são tão ou mais solidários que os adultos.

Eles, também ao contrário do que ouvimos tantas vezes não são um bando de preguiçosos ou incompetentes. Meia dúzia de cobardes bandidos como aqueles que semearam chifres de porco pelos escadórios do Bom Jesus são insuficientes para abafar a grande de coração e a competência de tantos jovens bracarenses.

Eles fazem-nos rir quando ainda ouvimos muitos adultos ou seniores desabafar: no meu tempo é que era!
A primeira das notícias refere-se às dezenas de estudantes da Universidade do Minho, que participaram em mais uma recolha de sangue, para encontrar novos dadores de sangue, colmatar a falta de sangue que possa haver nos hospitais portugueses e repor os stocks ".

Apesar da fraca afluência registada durante a manhã, devido ao mau tempo que se fez sentir em Braga, na anterior recolha apareceram 595 pessoas.

O gosto por ajudar o próximo foi a principal razão que levou alguns dos estudantes da Universidade do Minho a aderirem a esta iniciativa.
Para estes jovens estudantes não custa nada ajudar os outros enquanto outros encontram nas dádivas de sangue a sua realização pessoal, ajudando pessoas, ainda que não as conheça.

A outra notícia linda centra-se no José Miguel Ferreira Ribeiro, aluno da Escola Secundária Carlos Amarante que conquistou uma medalha de prata nas XIII Olimpíadas Ibero-Americanas de Física.

Foi a mais alta distinção da equipa portuguesa nesta prova que decorreu na cidade mexicana de Morelia.
Além da medalha de prata, outro bracarense, o João Luís Granja da Costa, também aluno da Carlos Amarante, recebeu uma menção honrosa.

A prova, que teve como vencedora absoluta a brasileira Mariana Lima, é dirigida a alunos finalistas do ensino secundário e consiste numa prova teórica e numa prova experimental de Física, reunindo, este ano, 68 estudantes de 19 países.

Como se vê, alem de competentes cá e lá fora, os jovens de Braga dão provas de solidariedade, ou para utilizar outra palavra mais em voga, desafiam cada um de nós para desencadear acções de cidadania competente e solidária em prol da comunidade.

Eu sei que alguns vão contrapôr.me a notícia das vísceras de porco e a fruta podre usada numa praxe de universitários que enlameou os escadórios desse fantástico monumento bracarense que é o Bom Jesus. Têm razão ao sentirem-se insultados e enojados por meia dúzia de feios, porcos e maus.

Mas sempre vou preferindo aqueles que dia-a-dia dão o melhor de si para que este país não seja uma choldra ou um sítio mal frequentado. As dádivas de sangue daqueles universitários apagam a porcaria que meia dúzia de irresponsáveis semearam cobardemente, a coberto da noite.

Prefiro colocar os candelabros da competência e do saber a alumiar todos os que estão em casa e dar tempo de antena aos porcos que iluminam o seu divertimento com cabeças e chispes de porco.

S. Geraldo: a vergonha foi tanta...


Três palestras (sem desfazer dos oradores), um concurso para as escolas, concertos, e peças de teatro é pouca coisa para assinalar o IX centenário da morte de S. Geraldo, padroeiro de Braga.

Apesar de alertados há um ano, a Arquidiocese, a Câmara Municipal e Cabido da Sé, não deram resposta à altura das suas capacidades e ao nível das suas responsabilidades.
 


O programa é simplório e tão pobre que envergonha os seus promotores. É verdade, estão todos corados e para não o mostrarem aos jornalistas nem a Câmara Municipal, nem a Diocese nem o Cabido deram a cara ao ao mais alto nível na sessão que deu a conhecer as comemorações.


O contributo decisivo de S. Geraldo nos primórdios da nacionalidade portuguesa, a sua importância na reforma da litúrgica e o papel de Geraldo no monaquismo peninsular mereciam um pouco mais no ano em que se assinalam os 900 anos da sua morte.

Em Viana do Castelo, por exemplo, para assinalar os sete anos da beatificação de outro grande arcebispo de Braga — Dom Frei Bartolomeu dos Mártires — a Câmara Municipal de Defensor Moura foi muito mais ambiciosa e vaidosa do seu passado. Um monumento esculpido por um artista vianense vai perpetuar a na Princesa do Lima os momentos fantásticos que marcaram a vida e obra do Arcebispo Santo.

Em Braga, para celebrar 900 anos da morte de um dos seus grandes arcebispos — que foi a Roma duas vezes implorar o reconhecimento do reino de Portugal e a primazia de Braga, além de reorganizar todo o território entre o Ave e o Minho — estas entidades todas, universidades incluídas, não foram capazes de mais.

Braga — com a sua autarquia, a Igreja e o Cabido — são a imagem daquela noite vivida por S. Geraldo muito doente, em Bornes, numa terra fria.

Braga assemelha-se àquele lugar invernoso onde as árvores estão despidas de folhagens de memória e frutos de gratidão.
Braga precisa de árvores floridas de memória e gratidão e recheadas de belos frutos como a paixão pelo seu passado, o amor aos que por obras valerosas a elevaram ao patamar da primazia ao longo de séculos.

Todos percebem isto. Se não percebessem tinham aparecido, mas a vergonha foi tanta que nem o presidente da Câmara, nem o Deão do Cabido ou um dos bispos de Braga apareceu a falar dos 900 anos da morte de S. Geraldo.

Ah! a vereadora da cultura da Câmara de Braga deve ter ido ver se o bolo de aniversário estava bonito.

S. Geraldo: 900 anos após a sua morte (3)

A purificação dos cultos religiosos na Galécia — conhecida pelo seu desalinhamento ortodoxo — atinge o auge com S. Martinho de Dume, o que o leva a escrever “De correctione rusticorum” que se afirma como um dos mais belos exemplos da catequese popular e mostra a sabedoria deste bispo bracarense.

Por esse tempo, os habitantes dos campos da Galécia adoravam astros, pedras, águas, espreitavam o futuro através dos voos de certas aves e do movimento das estrelas e usavam os ramos de loureiro à porta da casa para afastar os espíritos maus.

Acabar com estes cultos não foi fácil para a hierarquia cristã porque os cultos pagãos sobreviviam, tendo Martinho de Dume elevado a dignidade de certos santos cristãos para os contrapor aos cultos pagãos que ainda subsistem no século VIII.
Os concílios centram-se neste combate, incluindo o concílio de Braga, em 561, quando condenam a astrologia como prática religiosa e as restantes práticas pagãs. É um tempo difícil para a ortodoxia católica.

O II Concílio de Braga, em 572, impõe a visita dos bispos a todas a igrejas a fim de pregarem aos componenses (rústicos) e combaterem as práticas de idolatria.

É nesta acção purificadora dos costumes religiosos que se inclui toda a pregação de S. Martinho de Dume, numa altura em que aparecia uma das primeiras divisões dentro dios cristãos: o arianismo. Esta heresia inspira os reis visigodos e vai dar origem a momentos de grande tensão na Galécia.

Mal refeitos da derrota do arianismo em Mérida, com a ajuda de Santa Eulália, os cristãos da Península são fustigados pelo priscilianismo, um ascetismo que impunha o jejum dominical todo o ano, o desprezo dos bens deste mundo e o conhecimento aprofundado da Sagrada escritura.

Acusações de magia desacreditaram Prisciliano, enfraquecido pelo aparecimento do maniqueísmo mas o gnosticismo das suas ideias tiveram forte penetração nas aldeias da Galécia. O concílio de Saragoça condena o priscilianismo e dá origem a um purga de bispos, alguns deles, através da morte a que fora condenado Prisciliano. Morto o fundador, a heresia continuou tendo mesmo chegado a Braga, cujo bispo Profuturo é elogiado pelo Papa pelo seu combate ao priscilianismo que só é extinto com S. Martinho de Dume.

Os historiadores Idácio de Chaves e Paulo Orósio, de Braga, dão nos conta dos esforços da hierarquia para afastar os usos priscilianistas que tiveram grande culto no mundo rural da Galécia.

O debate em torno do arianismo alonga-se até ao século VI, sendo recuperado pelos povos germânicos, suevos e visigodos, ao ponto de, no tempo do rei Leovigildo, alguns bispos do Norte da Península (entre eles o do Porto) terem renegado o catolicismo.

No tempo de Recaredo, o arianismo resistia na Lusitânia. O bracarense Paulo Orósio dá conta do convívio pacífico entre católicos e arianos, até que, no século VI, surgem os primeiro conflitos na Galécia, entre o rei e bispos até ao grande confronto de Mérida, numa altura em que Prisciliano começava a divulgar a sua forma ascética de religião cristã: jejum todos os domingos, retiros no Advento e Quaresma, desprezo dos bens deste mundo e conhecimento profundo da Bíblia.

O priscialianismo constituiu o maior desafio do primeiro milénio ao catolicismo na Galécia, uma vez que singrava nas zonas rurais que escapavam à influência das cidades, mesmo depois da sua repressão pelo concílio de Saragoça e condenação à morte de Prisciliano, em Trèves. O bispo metropolita da Galécia torna-se o principal seguidor de Prisciliano após a morte deste em 387, como notam as acctas do concílio de Toledo e de Braga (561).

Para atestar a heterodoxia da Galécia, antes de S. Geraldo, no Norte de Portugal, Galiza e norte de Espanha convíviam o catolicismo urbano com o maniqueísmo, o origenismo e pelagianismo rurais, como tão bem descreve o bracarense Paulo Orósio, apesar dos esforços do bispo de Braga, Profuturo.

Mais, a heresia do origenismo terá sido trazida para a Galécia por uma peregrino de Braga, Avito, após uma viagem à Terra Santa, como escreve o historiador bracarense na sua obra dedicada a Santo Agostinho, Commonitorum, onde fala não só os priscilianistas e dos origenistas, bem como do pelagianismo.

Aliás, estas tendências religiosas da gnose e misticismo vão atravessar os séculos de presença dos árabes na Península Ibérica, como foi o caso do século VIII em que surge uma corrente religiosa anti-trindade, como foi a inspirada por Migécio para quem a Trindade era constituída assim: o Pai, David; o filho, era Jesus Cristo; e o Espírito Santo, era S. Paulo.

Depois surge o adopcionismo, segundo o qual Jesus Cristo era apenas Filho adoptivo de Deus, e filho de Maria.
É neste contexto de fragilidade que chegam os muçulmanos e começa a ficar completo o retrato da região que S. Geraldo vai encontrar quando chega a Braga.