Saturday, January 31, 2009

Poder mágico (desperdiçado) de Compostela e Braga



As velhas pedras e os valores a elas associados podem ser factores de riqueza hoje se Braga e Santiago de Compostela unirem esforços na criação de um produto turístico e esquecerem posturas de desconfiança empobrecedoras. O Caminho Português de Santiago — que liga as duas cidades — pode ser a inspiração para um produto turístico de excelência que beneficia ambas.

Esta é a convicção do Director geral de Turismo da Galiza, no âmbito da proposta de um produto turístico centrado no património cultural e religioso proposto por Varico da Costa Pereira e publicado em livro patrocinado pela Xunta de Galicia.
Estas duas cidades têm esse poder mágico de evocar e transmitir pegadas e emoções nas suas ruas, praças e santuários com a sua marca original de comércio, religião e história política ao longo dos séculos timbrados na saída do seu casco histórico para se desenvolverem em harmonia sem perder os traços do seu carácter.

O presente pode fazer-se com um retorno ao passado da Galécia — actual Galiza e Norte de Portugal — em que a capital histórica era Braga, que deu origem ao Reino Suevo, com capital em Braga, até ao século X. A fronteira apenas começou com o Tratado de Tui, em 1137, quando se geram as disputas entre Compostela e Braga pela Primacia, contribuindo para sentimentos opostos entre os povos dos dois lados da raia. A fronteira de Tui foi ignorada durante séculos até às guerras da Restauração que transformaram a Galiza e o Alto Minho em cenários de combates.

Recentemente, muitos resistentes galegos refugiaram-se em Portugal, comtando com a ajuda dos minhotos, apesar de Portugal apoiar o regime de Franco.

O contrabando foi uma realidade presente até à abertura das fronteiras em 1986. Por isso, já se perderam duas décadas num distanciamento económico e social, entre Braga e Compostela, apesar de esta ser a primeira Euro-região.

Hoje ninguém pode negar a importância económica que o turismo religioso e cultural e os números não enganam quando afirmam Braga e Compostela como "cidades com maior relevância para o enraizamento e desenvolvimento de actividades turísticas" ligadas à Fé e ao Saber.

Ambas possuem um inegável património, diversidade de recurso turísticos a começar na qualidade ambiental e paisagística dos espaços rurais, a prosseguir na religiosidade e hospitalidade das suas gentes e a terminar num cenário único para a procura do saber, vivência da Fé e da espiritualidade.

Num tempo de globalização, os destinos turístico fortalecem-se em parcerias, mais urgentes quando estamos a falar de uma euro-região periférica que tarda em perceber que a cooperação trans-fronteiriça traz força às duas cidades.

A viagem e a estadia de pessoas que se deslocam a um determinado santuário ou outro local de culto implicam sempre o consumo de bens e serviços que são fornecidos por empresas e outras instituições ligadas ao turismo. Estamos a falar de um universo de mais de seis milhões de pessoas (cinco milhões em Santiago de Compostela e mais de um milhão em Braga).

Estes números são suficientemente atractivos para a criação de um produto conjunto de turismo cultural e religioso, através da criação de sinergias que ambas as margens do rio Minho possuem em catadupa.

As duas cidades ostentam um património religioso atractivo, associado ao catolicismo, capaz de as diferenciar das restantes cidades do Noroeste Ibérico e — se houver vontade — capazes de ser ponto de partida ou chegada de um roteiro turístico excelente.

Varico da Costa Pereira desenvolveu um trabalho de campo, através de entrevistas aos que visitam as duas cidades, recolhendo dados macro-económicos, culturais e sociais e concluiu que Braga e Santiago de Compostela só retiram vantagens de vária ordem se deitarem os pés ao caminho para criar esse produto turístico de excelência europeia e mundial.

Nesse trabalho, Braga e Santiago de Compostela lideram a importância ao nível religioso e elevada importância ao nível cultural e mais de 94% aceita participar num roteiro turísitico entre as duas cidades, sendo cultural a primeira motivação.

A CIDADE DOS ARCEBISPOS

Não é preciso definir Braga, terceira cidade do país, com mais de dois mil anos, densamente povoada, a partir de um Centro histórico em renovação, com um desenvolvimento acentuado económico, cultural, social e científico. O seu conhecido "triângulo turístico" é célebre mas é uma gota no oceano, de modo a deixar que se limite a
ser apenas um ponto de passagem entre Fátima e Santiago.

Pontos fortes

Bom Jesus — os restaurantes, os hotéis, o elevador movido a água, o lado dos barcos, os recintos de lazer e desporto e belas vistas sobre Braga desafiam ao passeio e ao repouso.

Sameiro — a seguir a Fátima, maior centro de devoção mariana de Portugal, palco de grandes peregrinações, colóquios e congressos, com toda a envolvente de jardins, fontes de água, lago.

A Sé — ex-libris de Braga com o seu inigualável tesouro é um compêndio de história da arte ao vivo.

Tibães — Casa mãe dos beneditinos e "obra prima absoluta do Barroco português" que permite um contacto íntimo com a riqueza de umas das mais prestigiadas ordens religiosas do Cristianismo e a sua influência cultural no Norte de Portugal.

S. Frutuoso e Dume — pólos incontornáveis para perceber o monaquismo e a implantação do cristianismo no Noroeste Peninsular.

Centro histórico — com monumentos religiosos, capelas e museus marcados aqui e ali por obras da arquitectura civil como Casa dos Crivos, Casa dos Coimbras, Teatro Circo, Estádio Municipal ou Palácio do Raio.

Festas — Semana Santa e S. João.

Gastronomia e o vinho verde, complementados com proximidade ao Parque Nacional da Peneda-Gerês, termas de Caldelas e Gerês (complementos do produto centrado em Braga) e Palácio de Exposições e Desportos.

Aspectos atractivos

De acordo com o inquérito feito a 400 pessoas que visitaram Braga, os aspectos mais atractivos desta cidade são:
Monumentos religiosos 63%
Monumentos 53%
Semana Santa 45%
Gastronomia 48%
Centro Histórico 36%
Museus (sacros) 33%
S. João 21%

Que se faz em Braga

Quando se pergunta aos turistas o que fazem em Braga, as respostas são estas:

Passear no Centro histórico 94,3%
Visitar monumentos 90,5%
Visita á Sé 85,5%
Visita ao Bom Jesus 63,3%
Visita ao Sameiro 60%
Comprar recordações 55%
Comer prato típico 48,5%
Actividade cultural 26%
Visitar museus 27,5%
Semana Santa 19,9%

Grau de satisfação

Os restaurantes, o alojamento, os monumentos e os eventos culturais estão à frente no nível de satisfação dos turistas que visitam Braga em contraponto ao transporte, sinalização e informação turística. Mais de 72% dos turistas quer fazer segunda visita, ao passo que 99 por cento recomenda Braga a um amigo, o que é o melhor promotor da cidade.

Fragilidades

Ponto de passagem rápida — mais de 64% por cento dos turistas diz que está de passagem, em média permanece cinco horas na cidade de Braga, para visitar 2/3 monumentos e fazer uma refeição.
Apenas 36% pernoitam em Braga ou na periferia. Destes, apenas 16% pernoitam em hotéis.

Imagem associada

Braga está intimamente relacionada com a religião e é para a maioria dos turistas a "cidade dos arcebispos" (28%), das Igrejas (18%), cidade barroca (14%), "cidade da porta aberta" (5,5%) e dos jovens e estudantes .



CIDADE DO APÓSTOLO

Santiago de Compostela é a capital da Galiza, onde serviços, universidade e turismo são as principais fontes de dinamismo. Conta com um centro histórico medieval de excelência (Património da Humanidade), em torno da Catedral, Palácio Raxoi e um dos principais centros de peregrinação do mundo, depois de Jerusalém e Roma. Como Braga, além da Universidade, possui 46 igrejas, 288 altares e 36 congregações que lhe conferem um cariz cultural e religioso destacável.

Pontos fortes

Programação cultural permanente — no auditório Galiza e nos teatros Principal e Santiago, Orquestra Filarmónica da Galiza, inúmeros concertos musicais, rede de museus e Palácio de Exposições e Congressos.

Centro de peregrinação — de 900 mil em 1954, são mais de dez milhões os que peregrinam até Compostela, com reabertura de velhos albergues, edição de roteiros e mapas afirmando-se como Primeiro Itinerário Cultural Europeu pelo Conselho da Europa, desde 1987.

Caminhos portugueses para Santiago — aposta essencial no diálogo cultural e religioso do Noroeste Peninsular.

Empresa municipal responde às necessidades e promoção da cidade e dialoga permanentemente com agentes do sector.

Semelhanças e diferenças

Férias e lazer são motivação para visitar Braga ao passo que a peregrinação ocupa o primeiro lugar na razão de visitar Compostela mas centra-se nos monumentos e religiosidade, gastronomia e passeio pelo centro histórico.

A publicidade boca a boca é o meio mais eficaz para chegar aos turistas mas o índice de recomendação a um amigo é maior entre os que visitam Braga que tem mais fragilidades nos transportes, sinalização e informação.

O número de turistas que pernoita é mais elevado em Santiago e o mercado interno constitui a maior procedência de turistas. Quanto a estrangeiros, os portugueses são os primeiros em Compostela e os espanhóis são os primeiros em Braga.

A imagem que os turistas têm das duas cidades é semelhante, ambas associadas à religião: Braga ligada aos Arcebispos e Compostela ao Apóstolo. São as mais importantes do Noroeste Peninsular a nível religioso. Os turistas são mais jovens em Santiago que em Braga e os de Santiago t~em um poder de compra mais elevado que os que visitam Braga.

FUTURO EIXO SANTIAGO-BRAGA

Braga só tem a ganhar se unir a Santiago numa estratégia de turismo envolvendo o espaço da antiga Galécia. No entanto, ao contrário da Galiza, o Plano Estratégico Nacional de Turismo (2006-2015) identificou dez produtos estratégicos e atractivos e não inclui o Turismo religioso. Ou Braga fica à espera de 2016, a marcar passo, ou assume o seu próprio destino como pólo turístico ou com um produto específico em associação com Compostela.

Esse produto — Um destino duas cidades, por exemplo — , possui cinco componentes:

1. as atracções naturais, construídas, culturais, sociais e religiosas;
2. instalações e serviços (alojamento, restauração, transportes, actividades desportivas, artesanato;
3. acessibilidade ao destino, sinalização e informação turística;
4. a imagem da cidade e percepção dos destinos;
5. preço da viagem, alojamento e participação nas atracções e actividades diversas.

Prioridades

1. Mais que estar associado a este ou outro organismo, são importantes as capacidades culturais, monumentais, gastronómicas, alojamento e comunicações instaladas em cada cidade.

2. Mais importante que a pertença a este ou outro organismo de promoção, é essencial ter um produto bom para oferecer e seduzir o peregrino ou turista que se encarrega de divulgar aos seus amigos e familiares.

3. Braga e Compostela tem as riquezas essenciais para um um produto turístico religioso-cultural e sedutor.

4. Criar rede interna (associando em cada cidade os pólos de interesse cultural e religioso) e externa (unido-se num trajecto e produto comum com a cidade "gémea").

Sunday, January 25, 2009

Um homem justo, bom e livre

Há portugueses que nunca podem ser esquecidos, como é o caso do antigo presidente da Assembleia da República, Fernando Amaral, quer pelos valores que nortearam a sua vida mas especialmente pelos serviços que ao longo da vida prestou ao país.

Por isso, hoje, foi sepultado um homem livre, justo e de bons costumes e o exemplo da vida e dedicação de Fernando Amaral não devem cair à terra sem germinar como modelo de acção política e cidadania.

Fernando Amaral subiu na corda escorregadia da vida: depois de ter sido professor, licenciou-se em direito e foi um Advogado que as gentes de Lamego e arredores bem conhecem, pela competência com que desempenhava a profissão.

Nascido a 13 de Janeiro de 1925, Fernando Monteiro do Amaral exerceu funções como deputado do PPD/PSD à Assembleia Constituinte e posteriormente à Assembleia da República em cinco Governos Constitucionais.

Durante o VII e VIII Governo Constitucional tutelou a pasta da Administração Interna e de ministro-adjunto do primeiro-ministro, respectivamente.

Entre 1988 e 1990 foi ainda deputado e vice-presidente da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.

Fernando Amaral é um dos pais fundadores da democracia portuguesa, membro de um grupo de ilustres deputados que marcaram a Assembleia Constituinte, após o 25 de Abril, que se agigantaram por serem políticos de valores, dotados de grande verticalidade e de uma só palavra.

Após a sua morte, Fernando Amaral não perde nada do que foi em vida: uma das referências da democracia
porque dizia o que pensava e colocava em primeiro lugar o respeito da dignidade das pessoas e a consciência.

A sua hombridade e o apego à liberdade de espírito deram-lhe dissabores, mas o seu exemplo marcante fica a despertar-nos que a política era, antes de tudo, serviço público e apelo sério à responsabilidade e ao respeito mútuo.

Escrevia maravilhosamente e como político, pertence àquela minoria que proclama e pratica os valores da liberdade, da igualdade e da solidariedade e sempre com respeito pela dignidade do seu semelhante. A actual geração de políticos e cada um de nós tem muito a aprender com ele, em todos os quadrantes.

Franceses em Braga há 200 anos (2)



Já lembramos alguns dos passos históricos que estiveram na origem da segunda invasão francesa em Fevereiro de 1809 e constitui — após a entrada de leão por terras de Vieira e da Póvoa de Lanhoso em direcção ao Porto — uma das maiores derrotas militares do Marechal Soult.

Era um tempo — recordamos na primeira crónica — em que a França ameaçava todos os interesses marítimos dos ingleses e Portugal é colocado perante um dilema: ou aceita a paz com a França, em troca do abandono da aliança com Inglaterra (que escarnecia do seu aliado no Brasil e no Oriente) ou mantinha-se fiel a uma Inglaterra pouco leal e sujeitava-se a invasões francesas por interposta Espanha dominada por Godoy.

Perante este abandono a que Portugal era votado pelos aliados ingleses, restava ao nosso país as negociações para a paz, com os franceses, uma vez que a tese da neutralidade não era aceite pelo Directório gaulês como fora comunicado ao Conde da Barca. António de Araújo e Azevedo comunica ao Governo português as exigências francesas para um acordo de paz que incluíam "o abandono da aliança inglesa, com a consequente exclusão de navios britânicos dos portos portugueses, a livre admissão dos franceses, a indemnização de guerra e liberdade de navegação no Amazonas".

Estas propostas traduziam-se num corte de relações com Inglaterra. Portugal, numa primeira fase, mostrou-se disponível para romper com a aliança britânica mas esta potência opôs-se e o nosso António Araújo é detido em Paris, violando todos os direitos dos diplomatas.

Entalado entre os interesses ingleses e a vontade dos franceses em romper com Portugal que também ficava mal visto diante dos ingleses por negociar com Paris o fim do "casamento" com Londres.
Se Portugal aceitasse a doutrina de França — a paz em troco do abandono da aliança com Inglaterra — expunha o Brasil e o Oriente, as comunicações marítimas e o seu comércio geral.

Assim, face ao abandono dos ingleses, Portugal tenta negociar a paz com Paris. O Conde da Barca era o intermediário da vontade francesa em negociar com Portugal, desde que abríssemos os nossos portos aos franceses e lhes abríssemos as águas do Amazonas. Estas condições significavam a ruptura com Londres mas Portugal chega mesmo a redigir um tratado de Paz com França, os ingleses protestam e os franceses prendem o Conde da Barca, embaixador de Lisboa em Paris.

Entre avanços e recuos — com Londres e Paris — a diplomacia portuguesa, na esperança de que a França (ocupada com outras frentes de batalha) não atacasse Portugal.

O Governo de D. Maria I dedica-se a reorganizar a economia e o exército "sem disciplina nem subordinação alguma e, além disso, mal pago" — como descreve a "História da Guerra Civil e do estabelecimento do Govenro parlamentar em Portugal".
Nos fins de Novembro de 1800, Luciano, irmão de Bonaparte, era designado embaixador de França em Madrid traduzindo a importância que ligava os interesses de Paris e Espanha. Portugal expunha-se a iminente perigo mas confiava que os apertados laços de sangue... de Carlos IV com a corte portuguesa capazes de impedir a invasão. Puro engano quando o monarca de Castela afirmava a vontade de desafronta a muitos ultrajes lusitanos quando diz "venderia a minha coroa e a própria camisa que visto" se não o fizesse.

A Portugal não restava outra saída se não a guerra com França e a 20 de Maio de 1801, o Alentejo era invadido sem que os portugueses se tivessem preparado minimamente para resistir à invasão em qualquer um dos quatro pontos de entrada. Era o resultado de uma política ambígua portuguesa perante a complexidade de interesses e equilíbrios de poderes na Europa de então.

Começava assim uma década de permanentes conflitos militares que destroçaram o país.

Saturday, January 3, 2009

Franceses em Braga há 200 anos (1)



A segunda invasão francesa começou em Fevereiro de 1809 e constitui — após a entrada de leão por terras de Vieira e da Póvoa de Lanhoso em direcção ao Porto, com batalha em Braga — uma das maiores derrotas militares do Marechal Soult.

Os franceses entraram em Portugal por Trás-os-Montes (após a heróica resistência em Caminha), conquistando as terras do Minho até ao rio Douro. As forças de Napoleão Bonaparte não aguentaram a resistência anglo-portuguesa e retiraram por onde vieram, em Maio do mesmo ano. À terceira tentativa evitaram o Minho.

O historiador Oliveira Marques afirma que estes "quatro ano de guerra haviam deixado o país em situação miserável. As invasões e a ocupação francesa devastaram uma boa parte de Portugal, sobretudo a Norte do Tejo. A Agricultura, o comércio e a indústria foram profundamente afectados, já sem falar das perdas de vidas, das crueldades habituais e destruições sem conto".

São boas razões para iniciarmos, uma série de artigos sobre a segunda invasão francesa que testemunhou a heroicidade e capacidade de resistências dos povos da Póvoa de Lanhoso e vizinhos, como Vieira do Minho e Braga.

"Tanto franceses como ingleses saquearam um bom número de mosteiros, igrejas, palácios e casas humildes, levando consigo toda a casta de objectos preciosos, incluindo quadros, esculturas, móveis, jóias, livros e manuscritos" — assegura o insigne historiador Oliveira Marques na obra "História de Portugal".

Estamos na antecâmara da revolução da Maria da Fonte que há-de fustigar o Minho, a partir de Font'Arcada três décadas depois. São razões bastantes para a escolha deste tempo e deste tema, devido ainda às profundas alterações sociais que se registam com o surto de emigração para o Brasil.

A AMBIÇÃO GAULESA

A segunda invasão francesa insere-se na chamada Guerra peninsular, no começo do século XIX, na sequência da queda dos velhos sistemas monárquicos absolutistas e dos desmandos da Revolução Francesa de 1789. A Inglaterra e a França (mais a Rússia, Prússia e Àustria) agigantaram-se na luta pela conquista de uma liderança política e económica.

A Espanha fez inicialmente o jogo francês até ao momento em que viu estar a sua independência em perigo. Portugal era um pequeno país de costas voltadas à Europa mas um secular e fiel aliado inglês que Napoleão queria controlar de forma a controlar uma grande parte dos portos portugueses e aniquilar o poderio naval bélico e comercial dos ingleses.

Napoleão não desistiu enquanto não conseguiu controlar este "porto de abrigo dos ingleses" que era Portugal e, ao mesmo tempo, cortar a tutela inglesa sobre a Lusitânia.

A invasão do território português em 1801, insere-se no primeiro período em que os Espanhóis se aliaram aos francesas. São aqueles quem protagoniza essa invasão que termina com a comédia de Baiona, quando os reis espanhóis são presos e os franceses conquistam o domínio de Espanha.

Em Portugal eram bem recebidas as ideias da Revolução Francesa, o que explica a inacção lusíada perante este insulto espanhol às nossas fronteiras à mercê da libertação por parte dos ingleses. A Inglaterra assumira-se como inimiga de França quando o rei Luís XVI é condenado à guilhotina, em Paris, em 1793. Neste mesmo ano, Portugal e Espanha assinavam um acordo de protecção mútua contra França.

Idêntico acordo era celebrado entre Portugal e Inglaterra no mesmo ano. Em França, instaura-se o Directório da República, dois anos depois, que vigora até 1799, altura em que Napoleão Bonaparte assume todo o poder e se auto-proclama Imperador em 1804.

A França ameaçava todos os interesses marítimos dos ingleses e Portugal é colocado perante um dilema: ou aceita a paz com a França, em troca do abandono da aliança com Inglaterra (que escarnecia do seu aliado no Brasil e no Oriente) ou mantinha-se fiel a uma Inglaterra pouco leal e sujeitava-se a invasões francesas por interposta Espanha dominada por Godoy.

Perante este abandono a que Portugal era votado pelos aliados ingleses, restava ao nosso país as negociações para a paz, com os franceses, uma vez que a tese da neutralidade não era aceite pelo Directório gaulês como fora comunicado ao Conde da Barca.

António de Araújo e Azevedo comunica ao Governo português as exigências francesas para um acordo de paz que incluíam "o abandono da aliança inglesa, com a consequente exclusão de navios britânicos dos portos portugueses, a livre admissão dos franceses, a indemnização de guerra e liberdade de navegação no Amazonas".

Estas propostas traduziam-se num corte de relações com Inglaterra. Portugal, numa primeira fase, mostrou-se disponível para romper com a aliança britânica mas esta potência opôs-se e o nosso António Araújo é detido em Paris, violando todos os direitos dos diplomatas.

Entalado entre os interesses ingleses e a vontade dos franceses em romper com Portugal que também ficava mal visto diante dos ingleses por negociar com Paris o fim do "casamento" com Londres.

A Portugal não restava outra saída se não a guerra com França e a 20 de Maio de 1801, o Alentejo era invadido sem que os portugueses se tivessem preparado para resistir à invasão em qualquer um dos quatro pontos de entrada.
Começava assim uma década de permanentes conflitos militares que destroçaram o país, como veremos nas próximas crónicas.

Querem crime sem castigo?

Os dados do Espaço Informação Mulher da Câmara Municipal de Guimarães dizem-nos que a mulher, casada, com filhos, idade entre os 40 e os 50 anos constitui o retrato-tipo da vítima de violência doméstica de Guimarães.

Depois de apresentado o retrato da mulher alvo de violência, o mesmo organismo nota que os casos de violência doméstica têm aumentado no concelho de Guimarães.

A subida revela também uma maior predisposição das vítimas para a denúncia das agressões mas é espantoso que sejam elas, as vítimas das agressões, maus tratos e coacção psicilógica, quem não quer a punição dos seus autores.

Os crimes de violência doméstica constituem um crime público desde 2000. Se é verdade que as vítimas começam a ter cada vez mais noção da necessidade de denunciar os casos, também é verdade que mais de metade das mulheres continuem sem o fazer junto das forças policiais.

A maioria das vítimas de violência doméstica continua a preferir os centros de saúde e a Segurança Social para dar conta da situação humilhante em que vivem.

Estamos a falar de mulheres com uma média de idades que se situa nos 47 anos, grande parte delas exerce actividades sem especialização, mas há também reformadas e desempregadas (7%).

Maus-tratos psicológicos e físicos são os mais frequentes, totalizando mais de sessenta por cento dos casos, mas o que mais continua a ser difícil de acreditar é que grande parte destas mulheres sejam assim tratadas pelos seus maridos ou companheiros.

A crise económica pode gerar muitos conflitos no seio do lar porque casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão, mas acima de uma crise de contornos económicos está sobretudo um défice de valores humanos essenciais a um relacionamento civilizado entre duas pessoas.

O respeito pelos outros começa em nós porque ninguém dá aquilo que não tem. Por isso, é inconcebível que uma boa parte das mulheres que são vítimas da violência doméstica não se respeitem a si próprias e continuem a encobrir um crime público mesmo que perpetrado dentro de sua casa.

É tempo das mulheres perderem o medo de denunciar os agressores que atentam contra a sua dignidade como pessoas humanas.
É verdade que muitas não podem, porque está em causa a sua sobrevivência. Por isso, cabe ao Estado criar condições económicas para que as vítimas de violência doméstica não tenham de pensar primeiro na sua sobrevivência e depois na sua dignidade humana.

Enquanto isso não acontecer, o combate à violência doméstica por parte do estado é uma ficção e mais um exercício de hipocrisia.

O Estado tem de dar alternativas válidas às vítimas de violência para sobreviverem após a denúncia deste crime público quando o autor está em casa, sob pena de estar a ser conivente com um crime que ele diz castigar, por um lado, mas alimenta, por outro.

Querem um crime sem castigo? O Governo tem a palavra. Não basta a lei se ela não pode cumprir-se.

Crise: um gesto de lince

A Câmara de Braga introduziu um novo sistema de controlo de avenças de estacionamento para os residentes nas ruas do Centro urbano.

O novo sistema, denominado Cavest, implica a substituição dos actuais identificadores de avenças, em papel, por um pequeno suporte electrónico que será distribuído gratuitamente aos subscritores de avenças de estacionamento na cidade de Braga.

Esta notícia bem podia não o ser, caso não tivesse a particularidade de sabermos que o novo sistema de controlo de avenças de estacionamento foi desenvolvido poru uma empresa de Braga, que se dedica à consultoria, desenvolvimento e fornecimento de soluções inovadoras para a área das tecnologias de informação.

Ora a escolha da Lincis, cujo símbolo é um Lince, representa da parte do município a perspicácia para encontrar um exemplo que pode ser duplicado e repetido em outras contratações de serviços, ou seja, preferir as empresas de Braga ou do Minho.

Utilizando o seu know-how em soluções industriais a Lincis oferece soluções chave-na-mão, para mercados como ATE (Equipamentos de teste automático), controlo de acesso integrado para hospitais, sistemas de pagamento automático para transportes públicos, sistemas de controlo de qualidade utilizando processamento de imagens e soluções para telemetria remota de equipamentos móveis.

É uma forma concreta e eficaz de apoiar o tecido empresarial e a economia bracarenses que vale muito mais que dezenas de discursos e resmas de declarações de intenção de apoio. Se o exemplo for seguido por outras autarquias e até pelas empresas, na medida do possível, gera-se criar uma rede de fornecimento de serviços que absorva a produção das nossas empresas.

Muitas vezes se pergunta por que importam as empresas produtos do estrangeiro quando existem entre nós produtores com a mesma qualidade e avanço tecnológico. Não será porque muitos dos nossos empresários e projectistas vivem no seu cantinho, de costas voltadas para os empresários de outros ramos de actividade?

A compra da produção das nossas empresas segura postos de trabalho cujos salários dinamizam a actividade comercial e os serviços, fazendo rolar a economia.

Porque é que o fazem os outros países, quando adoptam medidas proteccionistas do seu tecido empresarial e económico? Porque sabem que é essa a única forma de se proteger em tempo de crise.

Porque é que os empresários de construção civil, por exemplo, importam torneiras, se em Portugal há quem as fabrique com qualidade? A diferença de preço justifica?

Se nunca fizeram, é tempo de fazerem as contas ao preço a pagar no futuro com a destruição do aparelho produtivo e industrial levando na enxurrada o comércio de retalho e por grosso enquanto lançam pela janela fora milhares de trabalhadores para o desemprego.

Também, entre nós, é possível atenuar a crise das nossas empresas de produção e comércio se empresários e autarquias tecerem uma rede de produção, aquisição, fornecimento e abastecimento que garanta escoamento, qualidade de serviço, dinamismo no comércio e manutenção dos postos de trabalho.

Podem ser pequenos, mas é com gestos perspicazes que se iniciam novos movimentos nas empresas e nas economias. O exemplo de Braga pode ser um bom ponto de partida para um excelente ponto de chegada no fim deste ano 2009.

Às vezes queremos mudar o mundo e esquecemos de começar por mudar o que está ao nosso alcance e bem próximo. Acabamos por nada mudar e naufragar na utopia.

Pode ser um lema fantástico, para este ano, não pode? Então, que seja, já hoje. Tenha gestos de lince.