Wednesday, March 21, 2012

Os rostos da República de A a Z: Bernardino Machado (04)


A chamada Geração Portuguesa, nos fins do século XIX, criou literatos, historiadores, poetas, prosadores, filósofos, artistas e homens de ciência, mas raramente políticos.

Político de rara qualidade foi Bernardino Luís Machado Guimarães, um cientista que, na meia idade passa para a política e nesta, da direita para a esquerda. Depois de ser monárquico liberal, aos 40, passa a republicano socializante, aos 50, aparecendo entusiasmado com a Frente Popular espanhola, aos oitenta, para preconizar outra semelhante em Portugal, de modo a enfrentar a Ditadura, implantada em 1926.

Polivalente nos conhecimentos e nas formas de actividade, começou por ser um cientista apaixonado pela Física e pela Matemática. Nada de leis ou de filosofias ou autodidactismos, como tantos outros da sua geração.

O enriquecimento dos pais no Brasil, permitiram, no regresso a Joane, onde comprou o título de Barão, que Bernardino uma educação regular que lhe permitiu fugir da chacota da época: “-Foge, cão, que te fazem barão!

Aos 15 anos ingressa na única Universidade, a de Coimbra, e aos 28 anos já era professor catedrático depois de se licenciar com uma tese sobre a “Refracção da luz” e se doutorar com a “Teoria Matemática das interferências”.

Com um curriculum tão brilhante abriam-se as portas da política, através do sogro, influente regenerador, o Conselheiro Miguel Dantas. A carreira académica apenas termina em 1907 mas os filhos iam nascendo até chegar aos vinte (com dois fora do casamento).

Além de chefe da Maçonaria, foi um grande pedagogo e assinou inúmeros artigos sobre temáticas escolares, chegando ao poder, em 1893, pela mão de Hintze Ribeiro, como ministro das Obras Públicas.

Seguem-se dez anos de travessia no deserto, após alguns meses como ministro, cargo que abandona desiludido e magoado, em que Bernardino conclui que o rotativismo não salvava a Monarquia e que o futuro pertencia à República.

Na Geração de 70 encontra o carinho e o lastro para dar corpo ás suas ideias, numa altura em que o partido Republicano se encontrava numa das suas maiores crises, devido a questiúnculas e rivalidades pessoais.

É de 31 de Outubro o seu famoso discurso: “organize-se o partido Republicano e a Nação salvar-se-á”. Se não pode governar o país, que tente governar um município e se não consegue então comece por governar uma paróquia... mas “seja um Partido republicano profundamente socialista” para “amparar todas as justas reivindicações dos pobres, dos humildes”.

Depressa é recebido com charanga e colocado ao lado de Afonso Costa, António José de Almeida e António Luís Gomes. O seu prestígio era tanto que, não sendo eleito, em 1906, o Governo enfiou 600 votos nas urnas para lhe dar a eleição mas ele recusou entrar o Parlamento com esta chapelada.

Deixa Coimbra e muda-se para Lisboa e , em 1908, no Regicídio, trava os jovens republicanos, argumentando que a República não podia fazer-se sobre um crime.

Repugnava-lhe a violência como meio de acção política e está excluído dos pormenores e da data da Revolução. Prevenido do assassinato de Miguel Bombarda, regressa a Lisboa, vindo de sua casa em Moledo do Minho, onde é feito Ministro dos Negócios estrangeiros do novo regime, passando a ser o inimigo número um da causa monárquica que se serviu de todas as armas, incluindo a calúnia.

Bernardino causava muitos ciúmes entre republicanos, especialmente em José Relvas e em João Chagas.

Os rostos da República de A a Z: Bernardino Machado (03)


Bernardino Machado criou um porto franco em Lisboa para os produtos brasileiros, criou novas escolas nas colónias, licenciou a construção do hospital de Braga e referendou a lei da responsabilidade criminal do poder executivo

No Governo de Hintze Ribeiro, em 1893, última tentativa liberal da monarquia, aceita ser ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria para sair “das cadeiras do poder impoluto como entrara”, ao ponto de Rafael Bordalo Pinheiro o descrever como “caniço por fora e aço por dentro”.

Todavia, a sua herança era bem pesada e benéfica para o país como resultado do trabalho de dez meses de gestão.

É dele a ideia de criar o Museu Nacional e Arqueologia e Etnologia, a criação da estação aquícola do Vale do Ave, a primeira adega e o primeiro lagar social, bem como dos sindicatos agrícolas, a par da regulamentação do trabalho das mulheres e dos menores nas fábricas.

Demite-se por discordar da Monarquia e adere à Repúbica na célebre conferência de 31 de Outubro de 1903 no Ateneu Comercial de Lisboa, quando afirma que “não é lícito esperar a salvação dentro da Monarquia” porque essa só é possível com a “massa inteira da Nação, o seu valioso povo, as suas classes trabalhadoras”.

Depois lança um desfio: “organize-as o partido republicano e a Nação salvar-se-á”.
Começa então uma intensa campanha contra o regime monárquico, em comícios e em declarações à imprensa nacional e estrangeira.

A coragem física não é inferior à coragem moral de Bernardino, ao ponto de nas últimas eleições monárquicas de 1910 Bernardino ter obtido uma votação quase consagradora.

È a ele quem é atribuída a missão do reconhecimento internacional do novo regime republicano, renovando a aliança com Inglaterra e resolvendo o litígio coma China por causa de Macau.

Reorganiza o corpo diplomático e consular, cria escolas de português no estrangeiro e promove a defesa dos interesses na difícil negociação com o Brasil, abrindo as portas para a emigração de tantos milhares de portugueses.

Em 1914 preside a um governo supra partidário que se pauta pelos direitos e obrigações de nação livre e aliada de Inglaterra, da qual não se podia alhear a democracia portuguesa.

Prevendo os efeitos da I Guerra, arrolou o trigo para cálculo do que se devia importar, avalizou as compras de algodão para que as nossas fábricas não fechassem, probiu a exportação de géneros alimentares e evitou a especulação cambial.
Criou um porto franco em Lisboa para os produtos brasileiros, criou novas escolas nas colónias, iniciou a construção do hospital de Braga e referendou a lei da responsabilidade criminal do poder executivo.

Norton de Matos há-de reconhecer mais tarde que Bernardino Machado “foi sempre o grande inspirador e orientador e em grande parte o seu executor a grande obra nacional que se fez em Portugal entre Agosto de 1914 e Dezembro de 1917”.

Em Dezembro, resigna à presidência da República e é conduzido ao exílio, fixado residência em França, mas não deixa de lutar pela normalização q vida da República.

Após a tentativa nortenha de restabelecimento da monarquia, Bernardino Machado regressa a Portugal e retoma o seu combate até chefiar o governo em 1921, com a “união das esquerdas” traduzida na amnistia aos adversários, promovendo o soldado Desconhecido no Mosteiro da Batalha.

Prepara-se a candidatura à Presidência da República em 1923 para “arrancar o estado das influências sacrílegas dos aventureiros e dos exploradores que infestam a República” como “défice de soberania popular”.

Mas os seus apelos vão cair em saco roto.

Os rostos da República de A a Z: Bernardino Machado (02)



Bernardino Machado dá os seus primeiros passos de criança “acompanhando meu Pai nos seus cuidados pelo município da nossa terra natal”, Famalicão.

O pai, António Luís Machado Guimarães emigrara, de Joane para o Brasil, onde casou com D. Praxedes de Sousa Ribeiro. Estes foram os primeiros barões de Joane mas Bernardino sempre se orgulhou da sua origem plebeia.

Após o regresso dos pais, a Joane, os estudos do Liceu foram efectuados no Porto e os superiores em Coimbra, onde frequentou Matemática e Filosofia, obtendo os primeiros lugares entre os colegas pertencentes à “geração deslumbrante” – como escreveu Júlio Brandão.

Faziam parte deste grupo figuras como Guerra Junqueiro, Gonçalves Crespo, o bracarense João Penha, Teixeira de Queirós, Alberto Braga, António Cândido, Alves de Sá, Mendes Bello e Júlio de Vilhena.

Guerra Junqueiro há-de descrever Bernardino como possuidor de “prodigiosa inteligência”, ao ponto de mais tarde ter desabafado: “nós adorávamo-lo”.

A teoria mecânica da reflexão e refracção da luz foi a sua dissertação de licenciatura e concorre a professor com a “Teoria matemática das interferências”, em 28 de Fevereiro de 1877.

Com 26 anos incompletos, começa a reger várias cadeiras até se fixar na de antropologia que foi criada mais tarde por sua proposta no Parlamento, em 1883.

Bernardino Machado abre em Coimbra uma nova maneira de ensinar em colaboração e convivência com os discípulos, iniciando-os na pesquisa científica, acentuando a defesa da autonomia universitária.

Dessa forma se entende que tenha recusado ser Reitor, cargo que lhe foi oferecido pela Monarquia e mais tarde pelo ministro António Sérgio, uma vez que defendia a eleição das autoridades académicas.

Grande admirador era Egaz Moniz que – será depois o primeiro prémio Nobel português, em medicina – mas Trindade Coelho define-o como a “alma” do Movimento Liberal que ele cria em Coimbra.

Participando em congressos internacionais, cá e lá fora, Bernardino Machado era definido por João de Deus (o da Cartilha Maternal), como “espírito de luz e coração de oiro”.

Destaca-se também como pedagogo com “Notas de um pae” que Carolina Michaelis classifica como “estudos de psicologia de infância dignos de Preyer”.

Em 1895, é eleito grão-mestre da Maçonaria, cargo que exerce até 1903. No ano seguinte, uma oração de sapiência na Universidade de Coimbra obtém extraordinária repercussão em todo o país: as linhas mestras da reforma das universidades que são aproveitadas pelo primeiro Governo da República, em 1911.

Em 1907, solidários com alguns estudantes expulsos demite-se de professor catedrático, numa atitude que Afonso Lopes Vieira classifica de “corajosa e bela”.

Uma grande manifestação em Lisboa, com Teófilo Braga como porta-voz, contribui para que seja reintegrado na Faculdade de Ciências de Coimbra. Bernardino agradece a decisão mas pede a aposentação.

Foi eleito por diversos círculos e convenceu os seus pares a criarem o ensino da antropologia em Portugal e o seu museu.
No Governo de Hintze Ribeiro, em 1893, última tentativa liberal da monarquia, aceita ser ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria para sair “das cadeiras do poder impoluto como entrara”, ao ponto de Rafael Bordalo Pinheiro o descrever como “caniço por fora e aço por dentro”.

Todavia, a sua herança era bem pesada e benéfica para o país como resultado do trabalho de dez meses de gestão.

Os rostos da República de A a Z: Bernardino Machado (1)


Um minhoto de se tirar chapéu

Depois de falarmos de Afonso Costa e do caminhense Sidónio Pais, abrimos agora um capítulo sobre o famalicense Bernardino Luís Machado Guimarães. Dele, dizem os seus biógrafos que era em tudo (menos no ideário republicano) o oposto de Teófilo Braga: bonito, aprumado, rico, pai de família, vaidoso, cavalheiro, ambicioso. Tratava os seus piores inimigos por "meu queridíssimo amigo".

Bernardino Machado foi sempre um lutador, sem deixar de ser galante, tirava o chapéu a toda a gente que o cumprimentava.

Joel Serrão retratou-o assim no "Dicionário da História de Portugal" (p. 867): "Político dos mais notáveis da 1.ª República Portuguesa, Bernardino Machado foi um cidadão exemplar no rigoroso cumprimento dos seus deveres e na defesa intransigente dos seus direitos".

Há inúmeras caricaturas sobre este curioso hábito do 3.º Presidente da República portuguesa, como da sua numerosa prole, que inspirou inúmeros desenhos a Rafael Bordalo Pinheiro e a Francisco Valença, entre outros.

O primeiro ministro dos Negócios Estrangeiros da República, Bernardino Luiz Machado Guimarães, nasceu no Rio de Janeiro, em 28 de Março de 1851, filho de pai português e de mãe brasileira.

Regressando a Portugal, aos 9 anos, a família estabeleceu residência na freguesia de Joane, Famalicão, onde possuía alguns bens de fortuna. Em 1872, aos 19 anos, atingindo a maioridade, o futuro estadista, declarou na Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão que optava pela nacionalidade portuguesa.

Vocacionado para uma carreira científica, pedagógica e política tão brilhante quanto invulgar, nunca enjeitou a sua ascendência popular e nortenha, apesar de o pai ter entretanto adquirido, por decreto real, o título de Barão de Joane.

Com 28 anos de idade, era já catedrático na Universidade de Coimbra. Desempenhava as funções de Professor universitário, acumulando a regência de várias cadeiras com outros cargos ligados àquela instituição de ensino.

Rogério Fernandes sustenta que “o pensamento e a acção de Bernardino Machado tem como pólos essenciais a democratização do acesso ao ensino, em condições de igualdade e a transformação dos seus conteúdos em ordem a ligá-los à vida, ao trabalho, à ciência, à cultura...”.

Como político, Bernardino Machado foi Deputado Regenerador (desde 1882 até 1886), Par do Reino (1890 até 1894), Ministro das Obras Públicas, Comércio e Indústria (1893).

Em 1903 aderiu ao Partido Republicano. Proclamada a República, desempenhou, sucessivamente, os cargos de Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo Provisório (1911., Senador, Ministro de Portugal no Brasil (1912), Chefe do Governo (1914) e Chefe de Estado (1915 a 1917).

Foi deposto de Chefe de Estado e exilado em França. Regressou a Portugal em 1919 e, pela segunda vez, percorreu os cargos de Senador, Chefe do Governo e Presidente da República (1925).

Em 28 de Abril de 1944, terminava uma vida conduzida até ao fim pelo perfil que desde sempre o caracterizou: “O homem público só para os outros vive, consumindo-se”.
Está sepultado no Cemitério Municipal de Vila Nova de Famalicão e está intacta a casa de seus pais na Vila de Joane, no lugar de Cividade. Na cidade de Vila Nova de Famalicão, nasceu, entretanto, no Palacete Barão da Trovisqueira, o Museu Bernardino Machado.