Monday, May 24, 2010

Cem anos de República no Minho (7)


Na quinzena passada, recordamos os primeiros momentos do germinar da Revolta da Maria da Fonte em que "muitas mulheres foram dadas como sendo as autoras do despoletar da revolução, portanto muitas Marias da Fonte existiram".

As expropriações — escreve Victor de Sá na sua obra "A crise do Liberalismo" — só tinham aproveitado às camadas superiores da burguesia; a famosa lei dos forais permitia que os pequenos proprietários e os rendeiros continuassem a ser submetidos ao pagamento de múltiplas contribuições a senhores e donatários". Os salários agrícolas não acompanhavam o custo de vida causada por uma crise de abastecimento que se sentiu entre 1845 e 1846 — como atestam as "Actas das Vereações" da Câmara de Braga.

Estas situações permitiram a aliança "contra natura" entre miguelistas e liberais contra os cabralistas, numa revolta despoletada em Fontarcada e que se alastra a todo o Norte e Centro do país até Dezembro de 1846.

A morte voltava a ensombrar o Minho, pouco mais de trinta anos depois daquela "imprudente e louca resistência que o povo pretendeo fazer aos franceses nas serras do Carvalho d'Este", a 19 e 20 de Março de 1810.

O início do levantamento popular continua obscuro — na opinião do historiador bracarense Victor de Sá — e geralmente "confunde-se com a descrição de circunstâncias mais ou menos fortuitas que não eram o verdadeiro motivo da insurreição. (...) A verdadeira causa, no entanto, estava no descontentamento que se acumulava contra o sistema capitalista do regime constitucional que, desde a sua instauração, provocara a ruína do pequeno campesinato. (...) As expropriações de bens de mão-morta só tinham aproveitado às camadas superiores da burguesia; a famosa lei dos forais permitia que os pequenos proprietários e os rendeiros continuassem a ser submetidos ao pagamento de múltiplas contribuições a senhores e donatários, mesmo se estes não eram os mesmos de outrora."

A estas imposições juntam-se a baixa dos salários, a evolução dos preços dos produtos alimentares, a insuficiência de colheitas e a crise de abastecimento que se generaliza em toda a Europa. O enterro proibido nas igrejas foi um pretexto que escondeu razões maiores e mais importantes para o dia-a-dia das populações minhotas.

A 20 de Janeiro de 1846 teve lugar na freguesia de Fontarcada, o enterramento de José Joaquim Ribeiro, que no cumprimento da lei devia ser sepultado no adro, visto não haver ainda cemitério. As mulheres, ao saberem disso, reuniram-se a fim de conduzirem o falecido ao mosteiro de Fontarcada e efectuarem o enterro. No dia seguinte ao préstito fúnebre, dispuseram-se as mulheres para a exumação do cadáver, mas o regedor da freguesia, Jerónimo Fernandes de Castro, conseguiu que desistissem.

No dia 5 de Fevereiro, do mesmo ano, registou-se idêntico tumulto. Falecera Maria Joaquina da Silva, que transgredindo a lei foi sepultada no interior do templo.

A manifestação do grupo de mulheres, armadas com chuços, sacholas e forcados, no dia 22 de Março, no funeral de Custódia Teresa, e os insultos por estas perpetrados “ Viva a Rainha! Abaixo os Cabrais e as leis novas”, deu origem a uma ordem de captura pelo regedor da freguesia.

Detidas algumas das revoltosas e levadas para a Vila da Póvoa de Lanhoso, logo as restantes, ao que tudo indica mais de 300, armadas de fouces e varapaus deixaram o mosteiro de Fontarcada para livrarem as suas companheiras.

A revolta da Maria da Fonte alastra-se rapidamente da Póvoa de Lanhoso a Arcos de Valdevez, Ponte da Barca, Ponte de Lima, Viana do Castelo, Barcelos, Braga, Taipas, Guimarães, Cabeceiras de Basto, Chaves e Vinhais. As escaramuças chegam a cidades como Vila real, Viseu, Aveiro, Coimbra, Leiria, Figueira da Foz e Santarém. Há ainda registos de confrontos em Évora, Portalegre, Abrantes e mesmo em Lisboa, mas não é um erro histórico grosseiro afirmar que a revolta da Maria da Fonte foi uma revolução regional que marcou todo o ano de 1846, a partir de Maio.

Assim se chamou a revolução que rebentou no Minho em Maio de 1846 contra o governo de Costa Cabral, mais tarde conde e marquês de Tomar. Os tumultos multiplicaram-se, tomando afinal as proporções sérias duma insurreição, que lavrou em grande parte do reino.

Cem anos de República no Minho (6)


Na quinzena passada, estávamos em plena conspiração entre Mijados e Chamorros, em Fevereiro de 1844. A desordem alastrava a vilas como Fafe e Póvoa de Lanhoso ainda no mês de Maio eram frequentes as notícias de crimes. Eram os primeiros momentos do germinar da Revolta da Maria da Fonte em que "muitas mulheres foram dadas como sendo as autoras do despoletar da revolução, portanto muitas Marias da Fonte existiram".

Na Póvoa de Lanhoso, davam-se as primeiras escaramuças daquela que é conhecida como a revolução da Maria da Fonte — à qual voltaremos com pormenor, nas próximas edições — mas já tinha "tomado um carácter assustador" — descrevia a imprensa da época.

"Depois dos primeiros acontecimentos de Braga e de Guimarães, tinham-se sublevado a Barca, Arcos, Ponte de Lima e Barcelos" — escrevia o jornal "Coalisão", em 21 de Abril de 1846, dando conta de que "de diversas partes marchava povo armado em auxílio dos sublevados de Braga, por saberem que para ali tinha marchado a força que saiu desta cidade".

Em Guimarães travava-se uma luta entre o povo e as autoridades, tendo de ir uma força de Braga para serenar os ânimos e pela primeira vez eram dadas instruções para tocar os sinos a rebate quando houvesse incêndio.

O Arcebispo teve de intervir apelando à calma e à obediência às autoridades liberais, mas o barulho prossegue em Prado, numa retirada estratégica integrada num plano acicatado por nova revolta no Porto.

Em Maio de 1846, o Regimento de Braga foi para a Falperra, tendo pernoitado em Sande. Eram momentos de grande intranquilidade de tal forma que ao toque das trindades, fechavam-se as portas da rua e dos quintais em Braga.

Numa pequena vila, como a dos Arcos de Valdevez, "entraram pela ponte 300 a 400 homens armados de chuços, fouces encabadas, machados e algumas espingardas e choupas, dando vivas à rainha e morras aos ministros" para depois queimarem os "impressos da décima" e o mesmo aconteceu em Ponte da Barca, como dava conta o jornal "Notícias do Minho", a 23 de Abril de 1846.

Em Barcelos, a "vila era invadida por uma coorte de bárbaros em número de mil e tantos" que tudo queimaram e seguiram para Braga onde obrigaram a Câmara a dar as "papeletas da décima" que queimaram por entre "morras aos Cabrais".

O Minho estava em alvoroço contra a "impossibilidade de pagar, a lei da saúde que compreende os mortos e que arma contra ela as mulheres, é a lei que varre para o fisco a travesseira e a tigela do defunto, que esmaga todo o vivente debaixo das suas garras destruidoras".

Antevia-se já que os acontecimentos do Minho se alargassem a todo o país "como o trovão segue o relâmpago" neste protesto contra as leis de saúde, especialmente a que proíbe o enterro dos mortos nas igrejas.

A 18 de Maio desse ano, corre o boato de que querem matar um padre. O padre Casimiro pede ajuda da Junta da Câmara mas à tarde, vindos do Bom Jesus, os paisanos armados com machados e armas que são afrontados por outros vindos de outras localidades de Braga. O Campo de Sant'Ana (Avenida Central) é protegido pelas sentinelas da tropa. Nos confrontos morreram quatro paisanos e soldados "morreram bastantes com três oficiais" — recorda o autor de "Lembranças de Gusmão", acrescentando que "a tropa fez bastantes prisioneiros que foram para o quartel e no dia imediato para a cadeia. Jamais se viu traição maior".

Era a reacção ao cabralismo, no seu auge, como resposta à bandeira da ordem e do desenvolvimento económico imposta por Costa Cabral. Estava montado um regime de repressão e violência, muitas vezes comparável ao despotismo dos miguelistas, com uma diferença: Costa Cabral não queria o regresso ao passado.

Em consequência, como escreve Oliveira Marques, "o despotismo impudente de Costa Cabral, (...) de levar a violência aos seus últimos limites e de desembaraçar de toda a oposição, resultaram na mais terrível e mais longa guerra civil que se registou entre os liberais".

Cem anos de República no Minho (5)



Entendido como Braga e todo o Minho abraçaram a causa miguelista devido à matriz religiosa do discurso político de D. Miguel, com a sua componente messiânica, contribuindo para a resistência miguelista entre 1836 e 1846 traduzida numa guerra civil que fez fazer sangrar este país, trinta anos depois das invasões francesas... sem lei e sem autoridade.

É exemplar desta situação, a execução de Serafim, da Póvoa de Lanhoso, pelas mortes que tinha feito neste concellho e em Braga. Apesar do arrependimento, as autoridades não lhe perdoaram e condenaram á pena capital, na Senhora-a-Branca, em Braga, a escassos metros do campo de Sant'Ana, onde fora instalada em 1838, uma forca. escreve um habitante de Braga que, "apesar de ser um dia de chuva concorreu muita gente" para ver a execução da pena" (cf. Lembranças do Gusmão, 1826-1846).

Os miguelistas, no estrangeiro, não perdoavam aos liberais a perda do Brasil,, os graves problemas económicos do reinado de D. Pedro, que encontravam o terreno fértil da guerra civil no descontentamento e desilusão geral dos rurais e dos soldados enquanto os liberais se fragmentavam.

A vida política portuguesa não estabilizou com a vitória liberal em 1834. Dois anos depois, surge a Setembrada perpetrada por Liberais radicais.

Em Braga, por exemplo, em Julho de 1838, o povo levantava-se contra as Fintas (um imposto lançado sobre o rendimento de cada cidadão - espécie de IRS moderno — para aplicar a obras públicas, como melhoramento de fontes, de estradas e de pontes.

Lá por fora, no Congresso das Nações do Norte, falava-se a favor do rei D. Miguel e o Governo liberal decretava pena de morte a quem falasse nesse congresso a favor do rei exilado.

Em Braga, começava a fabricar-se uma forca, na actual Avenida central (Campo de Sant'Ana), para executar uma pena de morte de um tal Jejum, rodeado de cinco padres, no dia 6 de Setembro de 1838.

Braga resistia e elegia os mesmos vereadores que dias antes tinham sido demitidos por infâmia pelo Governo liberal em Lisboa, gerando-se uma disputa entre dois executivos, um fiel aos liberais (Chamorros) e outro eleito pelas forças vivas de Braga (Mijados).

Em Fevereiro de 1939, há nova contestação à Câmara de Braga por ter aumentado as décimas em algumas freguesias das aldeias. As décimas eram um tributo civil semelhante à dízima (décima parte) sobre as rendas recebidas pelos proprietários.
Em Maio deste ano, surge boato em Braga de um golpe miguelista e a rua de S. João foi cercada para prender alguns "grandes" de Braga comprometidos ainda com o rei D. Miguel, quando chegava a água pública à rua da Cruz de Pedra pela primeira vez. O facto foi assinalado com foguetes.

Neste clima de instabilidade, prosseguiam os assaltos a Igrejas (como a de Arcos) em Agosto, onde eram roubados sacrários, cálices, vasos e toalhas, ao passo que em Esporões o povo se opunha ao pároco por razões políticas, tendo sido enviado mais de vinte militares para aquela aldeia que se alojaram em casas de lavoura durante alguns dias.

No ano de 1840, o Areal é palco de uma enorme desordem entre homens vindos de Amares e bracarenses, tendo o conflito resultado na morte de um sapateiro e em ferimentos em vários soldados que para ali foram deslocados para serenar os ânimos.

A ausência de autoridade e respeito pela lei possibilita que, por exemplo, em Dume, dois homens tenham sido mortos, em 1842, por terem roubado algumas pêras. Em 24 de Agosto desse ano, um tumulto se registou em S. Vítor e terminou com quinze mortos. Em plena rua do Carvalhal, no centro de Braga, em fevereiro do ano seguinte, uma mulher apareceu roubada e morta pelos ladrões. No dia 5 de Dezembro desse ano, na Rua das Águas, actual Avenida da Liberdade, mataram um cabo da ronda, barbeiro.

Estávamos nas vésperas da conspiração entre Mijados e Chamorros, em Fevereiro de 1844. A tropa procedia à detenção de muitos Mijados em Braga, Viana, Barcelos e outras partes. A maior parte dos presos em Braga eram transferidos para o Porto onde eram julgados e as condenações eram executadas em Braga, para servirem de exemplo ao povo.

A desordem prosseguia noutras vilas como Fafe e Póvoa de Lanhoso ainda no mês de Maio e em Braga era notícia a prisão do Servo(sacristão) da Misericórdia por roubar a Igreja que lhe estava confiada. A criminalidade violenta prossegui em finais de 1844, como aconteceu na Ponte dos Falcões, em Maximinos, onde mataram uma viúva a facadas e abandonaram no Monte de S. Gregório. A morte deu origem à prisão de um homem e várias mulheres.

Em Julho de 1845, para travar esta insegurança, Braga era patrulhada durante o dia e durante a noite: "está tudo muito em perigo" (cf. Lembranças do Gusmão), quando os Mijados recebem ordens para se retirarem de Braga, quando começava a ser construída, a partir dos Granjinhos, a estrada para Guimarães.

Já em 1846, apesar de todos os constrangimentos, a rua da Boavista (Cónega) celebrava a Páscoa com todo o fulgor: "começou a festa do povo na Cónega. Veio acoçar (perseguir) a tropa, porém retirou-se ferindo alguns soldados. estes mataram algumas pessoas que não entraram no barulho. Os paisanos sustentaram-se algum tempo ao pé de S. Brás do Carmo (Merelim). Às quatro da tarde começou o barulho nas Palhotas. Vieram até à fonte da esquina que é seca; porém, retiraram-se os paisanos para o fim da rua e aí sustentaram o fogo durante algumas horas, ferindo soldados. estes feriram um rapaz" (cf. Lembranças do Gusmão).

O Arcebispo teve de intervir apelando à calma e à obediência às autoridades liberais, mas o barulho prossegue em Prado, numa retirada estratégica integrada num plano acicatado por nova revolta no Porto.