Monday, June 29, 2009

PE — uma goleada do PI


O velho continente viveu uma das goleadas das antigas.

Foi a única prevista e aumentada pelas previsões dos comentadores na antevisão desta jornada: o ganhador das eleições para o Parlamento que arrebatou mais poderes foi o Partido da Indiferença (PI), em toda a Europa mas com especial gravidade em Portugal, onde atingiu quase 63 por cento.

O seu triunfo foi de tal calibre que quase duplicou os votos obtidos por todas as forças políticas que Domingo pediam o voto aos portugueses.

Não deixa de ser injusta esta indiferença pelas instituições da Europa, especialmente nos países menos ricos, como é o caso de Portugal, que deviam sentir ao menos algum sentido de gratidão: se não fossem os milionários cheques que desde 1986 os países mais ricos assinaram para países como a Grécia e Portugal e agora para o Leste Europeu, tinha sido impossível a construção de auto-estradas, aeroportos, linhas ferroviárias e fundos sociais que aumentaram o rendimento per capita dos lusitanos.

Provavelmente, a apatia tradicional dos europeus nas eleições para o Parlamento Europeu estará na falta de um estímulo concreto: saber qual das equipas vencerá e vai governar.

Nas eleições europeias, semelhantes a uma jogo amigável, como se disse, não está em causa nenhum título e isso faz com que as equipas se limitem a pôr em campo os reservistas.

Mais, estamos perante umas eleições contraditórias em si mesmas; elas não escolhem um governo. Que escolhem os eleitores? Nada e se é nada deixam de ser eleitores.

Se deixam de ser eleitores, não põem os pés nas bancadas do jogo a feijões... entre equipas de candidatos promovidos pelas televisões para que o espectáculo continue, diante da indiferença dos eleitores.

Por isso, os comícios destas ditas eleições tinham os mesmos de sempre, aqueles que não perdem um treino da equipa e comparecem mesmo nos jogos sem interesse, para o espectáculo da televisão que depois promove até à exaustão o pitoresco e o anedótico.

Assim, pouco importa que as franjas incondicionais de cada partido, dos conservadores aos progressistas tenham gritado vitória na noite fria de Domingo. O resultado tem o valor que se dá a um desafio amigável de pré-temporada ou de uma sondagem, uma vez que as empresas de sondagens também estavam a treinar, a avaliar pelos resultados.

Não há nada de estranho na vitórias de uns ou na derrota de outros se tivermos em conta que elas suscitam o mesmo desinteresse entre os cidadãos que não votaram que entre os seus deputados.

Basta as cadeiras frequentemente vazias do Parlamento de Estrasburgo para chegar à dedução fácil de quem nem sequer aos luxuosamente pagos parlamentares do Continente lhes interessa grande coisa o que ali se decide.

A mesma indiferença atravessa os partidos e os eleitores porque, longe de considerarem o grande areópago um organismo influente e digno de respeito, é habitual que todos os utilizem como nos senados para colocar políticos fracassados nos combates domésticos e onde não são exigidos grandes atributos de competência, salvo honrosas excepções.

Mas aí está o grande engano: são estes senhores deputados que vão decidir o preço do leite e os abates aos barcos da pesca, ou os cheques para os investimentos necessários à modernização do nosso país, a começar pela requalificação dos portugueses.

Como explicar tudo isto. Só indo aos livros. Está tudo inventado mas continua sem servir de lição para ninguém, nem para quem está no poder nem para os que anseiam sofregamente por ele. Ora leiam. se fazem favor, sim?

Um dos piores sintomas de desorganização social, que num povo livre se pode manifestar, é a indiferença da parte dos governados para o que diz respeito aos homens e às cousas do governo, porque, num povo livre, esses homens e essas cousas são os símbolos da actividade, das energias, da vida social, são os depositários da vontade e da soberania nacional.

Que um povo de escravos folgue indiferente ou durma o sono solto enquanto em cima se forjam as algemas servis, enquanto sobre o seu mesmo peito, como em bigorna insensível se bate a espada que lho há-de trespassar, é triste, mas compreende-se porque esse sono é o da abjecção e da ignomínia.

Mas quando é livre esse povo, quando a paz lhe é ainda convalescença para as feridas ganhadas em defesa dessa liberdade, quando começa a ter consciência de si e da sua soberania... que então, como tomado de vertigem, desvie os olhos do norte que tanto lhe custara a avistar e deixe correr indiferente a sabor do vento e da onda o navio que tanto risco lhe dera a lançar do porto; para esse povo é como de morte este sintoma, porque é o olvido da ideia que há pouco ainda lhe custara tanto suor tinto com tanto sangue, porque é renegar da bandeira da sua fé, porque é uma nação apóstata da religião das nações – a liberdade!


Antero de Quental, in 'Prosas da Época de Coimbra'

Que andamos aqui a fazer?



A Cruz Vermelha Portuguesa convidou todos os portugueses para que esta Quinta-feira, às 17h00, fazerem "um minuto de silêncio evocando todas as vítimas de conflitos e catástrofes dos últimos 150 anos".

Em Braga, foram poucos os que aderiram a esta forma simbólica e simples de celebrar o 150.º aniversário da Batalha de Solferino.

Talvez tenhamos todos ignorado que estava em marcha a da campanha mundial "O nosso mundo. A sua acção", lançada em Maio para responder aos actuais desafios humanitários — desde conflitos a efeitos das alterações climáticas, como a pobreza, migrações, violência, insegurança alimentar, falta de água para beber, entre tantos outros.

Há 150 anos, no dia 24 de Junho, deu-se a Batalha de Solferino e alguém não ficou indiferente ao sofrimento humano.
Henry Dunant reuniu as mulheres das aldeias vizinhas para socorrer os soldados feridos que jaziam por terra, sem qualquer ajuda. Eram os primeiros passos na criação da Cruz Vermelha, a maior organização humanitária do mundo, com 100 milhões de voluntários.

Com a nossa indiferença vivemos sossegadamente num mundo onde 40% da população que vive com menos de 2 euros por dia.

Com a nossa indiferença estamos a construir um planeta onde 18 milhões de pessoas — 50 mil por dia — morrem devido à pobreza.
Estamos a construir um mundo onde mil milhões de pessoas vivem em bairros pobres urbanos.

Com a nossa apatia vivemos num mundo onde quase mil milhões de pessoas no mundo têm fome. Todos os dias quase 16 mil crianças morrem devido a causas relacionadas com a fome, uma criança a cada 5 segundos.

Todos os dias tapamos os ouvidos para não ouvir os gritos de mais de mil milhões de pessoas que nos países em desenvolvimento têm um acesso inadequado à água.

Também não queremos saber se, na última década, o número de crianças que a diarreia matou é superior ao de mortos causado pelos conflitos armados desde a II Guerra Mundial.

E será que nos inquieta saber que todos os anos, a malária afecta 500 milhões de pessoas e ceifa um milhão de vidas – três mil crianças por dia?

Também não, pois não? Então, que andamos a fazer por cá?

Não nos pedem para imitar Hernry Dunant. As vinte crianças que morreram enquanto lia este texto apenas lhe pediam que fosse uma das mulheres das aldeias vizinhas que há 150 anos curaram as feridas dos soldados de Solferino. Que andamos aqui a fazer? Será que temos alguma utilidade para o planeta humano?

Poveiro, jovem e tremendo




O jovem poveiro Raul Costa que venceu em Fevereiro, ao fazer16 anos, o primeiro prémio no Concurso Internacional de Piano ‘Alexander Scriabin', realizado no conservatório russo de Paris, volta a ser notícia.

Entre candidatos de todo o mundo, Raul Peixoto da Costa foi o único dos premiados não russo, tendo interpretado peças dos compositores Johann Sebastian Bach, Frédéric Chopin, Beethoven e Sergei Prokofiev.

Raul tem ganho vários prémios, não só em Portugal, mas também no estrangeiro e contabiliza várias participações em espaços como a Casa da Música, no Porto, e o CCB, em Lisboa, entre outras.

No ano passado, conquistou o primeiro prémio no Concurso Internacional de Jovens Pianistas, em San Sebastian, Espanha.

Agora, Raúl Peixoto da Costa, é um dos quatro finalistas, de um total de 24 países, de um concurso que está a decorrer na cidade de Praga, República Checa, à hora que esccrevo esta crónica.

É uma organização da Associação Europeia de Professores de Piano e envolve um júri composto por professores oriundos da Áustria, Irlanda e República Checa.

Além de Raúl Peixoto da Costa, só foram seleccionados mais três pianistas de Espanha, França e Suécia, e o jovem poveiro é o mais novo esta final, porque os outros finalistas têm idades entre aos 20 e 30 anos.

Ontem é dia de ensaios e a final realiza-se ontem à noite, em que interpretaram, com uma orquestra, o concerto para piano, número 1, de Frédéric Chopin.

Não interessa agora saber quem venceu porque este jovem nortenho já foi aplaudido de pé neste concurso e é já um caso raro de enorme talento que Portugal tem que o apoiar, tendo em conta o que ele pode fazer pela nossa cultura.

Nem interessa se ele ganhou ontem à noite, em Praga, pois só o facto de ter chegado a esta fase é um sucesso tremendo e grandioso, porque estamos a falar do concurso mais importante do mundo.

O jovem poveiro frequenta o 10.º ano e estuda ainda na Escola de Música S. Pio X, em Vila do Conde, sob orientação do professor Álvaro Teixeira Lopes.

Raúl Peixoto Costa também toca clarinete e descobriu aquilo que costuma denominar de maravilhoso mundo da música quando tinha apenas 7 anos e ouviu a mãe tocar.

Começou aí a ensaiar as primeiras notas e nunca mais largou o piano ou não continuasse a ser verdade que é de menino que se torce o pepino.

Monday, June 22, 2009

Braga: um (bom) primeiro passo



A Câmara de Braga celebrou há dias, em Santiago de Compostela, um acordo de colaboração económica sob pretexto do turismo

 O pretexto deste acordo consistiu em divulgar um dos momentos de maior atracção turística bracarense, o popular São João.

A presença da Comunicação Social galega e bracarense, pôde testemunhar «o potencial turístico que as Festas da Cidade carregam», estimulando nuestros hermanos a «uma escapadinha» até à Capital do Minho.

 Todos sabemos que Braga é uma cidade que gosta e sabe receber bem quem a visita e este é um primeiro passo que deve ter continuidade no estreitamento das relações entre as duas capitais.

Essa colaboração, com benefícios recíprocos, deve assentar nas históricas relações que unem Santiago de Compostela à sede de Província Eclesiástica que é Braga.

 

Está aí uma oportunidade de ouro para Braga e Compostela. A promoção do “Jacobeu 2010”, Ano Santo Compostelano passa forçosamente por Braga, uma espécie de irmã gêmea de Santiago no que se refere à monumentalidade religiosa que ambas carregam desde há muitos séculos.

 O S. João e S. Tiago podem ser os padrinhos de uma cooperação turística com benefícios para ambas as regiões.

 A monumentalidade do Bom Jesus e do Sameiro, a riqueza natural do Geres/Xurês, a solenidade da Semana Santa constituem outras vias que devem ser palmihadas na construção de um eixo monumental e religioso responsável pela visita de seis ou sete milhões de pessoas.

 As velhas pedras e os valores a elas associados podem ser factores de riqueza amanhã se Braga e Santiago de Compostela, hoje, unirem esforços na criação de um produto turístico e esquecerem posturas de desconfiança empobrecedoras.

O Caminho Português de Santiago — que liga as duas cidades — pode ser a inspiração para um produto turístico de excelência benéfico para ambas.

Hoje ninguém pode negar a importância económica que o turismo religioso e cultural e os números não enganam quando afirmam Braga e Compostela como cidades com maior relevância para o enraizamento e desenvolvimento de actividades turísticas ligadas à Fé e ao Saber.

 Ambas possuem um inegável património, diversidade de recurso turísticos a começar na qualidade ambiental e paisagística dos espaços rurais, a prosseguir na religiosidade e hospitalidade das suas gentes e a terminar num cenário único para a procura do saber, vivência da Fé e da espiritualidade.

 




Franceses em Braga há 200 anos (14)



Na última crónica, dávamos conta dos factos que aconteceram a 16 de Maio de 1809, quando após vários assaltos frustrados que se prolongaram ao longo do dia, as tropas de Soult conquistam a passagem do Saltadouro e desalojam das posições mais próximas os camponeses, com algumas dezenas de mortos que os zagalotes certeiros dos populares causaram.


Adolfo Tiers, um militar francês descreve esta fuga a terminar a invasão do Minho como mais humilhante que a batalha do Vimeiro: esta "custou menos à glória do exército e ao seu efectivo que a surpresa do Porto, destruição da nossa artilharia em Penafiel e esta marcha precipitada através desfiladeiros da província de Trás-os-Montes".


Todavia, a situação dramática vivda entre Saltadouro e Misarela podia ter sido uma catástrofe se a noite não acalmasse os ataques dos dos minhotos.

"Houve desordens e os papéis e bagagens salvas em Penafiel, perderam-se nesta passagem...

Dois esquadrões de cavalaria ligeira e uma brigada da 1.ª divisão saindo de Salamonde para descerem à Ponte (do Saltadouro), foram atacados por oito ou dez mil homens de infantaria, com artilharia, que tinham chegado em duas colunas, pela estrada de Braga e pela de Basto, desde Cavez.

A dificuldade em formar e a obscuridade deram lugar a algumas desordens; uns trinta cavaleiros caíram com os seus cavalos no precipício, sem que os pudessem salvar» — escreve um dos militares que conseguiu salvar-se.

"Infantes e cavaleiros precipitavam-se uns sobre os outros, atiravam fora as suas armas e lutavam para conseguir correr mais depressa.

A ponte estreita e sem parapeitos não podia satisfazer a impaciência dos fugitivos, que se empurravam de tal modo que um grande número de homens foram precipitados e afogados na torrente, ou esmagados sob as patas dos cavalos.

Se os Ingleses estivessem em estado de aproveitar este terror, não sei em verdade o que nos teria acontecido, de tal modo o medo é contagioso mesmo entre os mais bravos soldados».

 

Mas a noite veio pôr fim a este verdadeiro holocausto, e as restantes tropas do II Corpo puderam, mais acalmadas, continuar durante toda a noite a passar a fatídica Ponte da Misarela, porque o general Silveira e Wellesley suspenderam a perseguição.

Quando na manhã seguinte os perseguidores de Soult se aproximaram da Misarela, encontraram um espectáculo que lhes deu a dimensão do terror e da tragédia por que tinham passado os franceses.

 

Lord Munster descreve assim o que viu no leito do Rabagão: "Homens o cavalos, animais decepados e bagagens, tinham sido despenhados no rio e juncavam literalmente o seu curso.

Aqui, nesta fatal companhia de morte e angústia, foi vomitado o resto do saque do Porto.

Toda a espécie de bons e de valores foram abandonados na estrada, enquanto mais de 300 cavalos boiavam na água e mulas ainda carregadas com bagagens foram içadas pelos granadeiros e pelas companhias ligeiras Guarda; estes desembaraçados e bons rapazes descobriram que pescar caixas e corpos da corrente poderia proporcionar-lhes moedas de prata, e boina ou cintos cheios de moedas de ouro, e, entre cenas de morte e desolação, subiam os seus gritos da mais ruidosa alegria».


A última tropa de Soult a passar a Ponte da Misarela e a deixar aquele cenário de morte e horror, foi a brigada Reynaud, entre as dez e a meia-noite de 16 para 17; na tarde de 16 o Marechal Soult já estava em Paradela, onde estabelecera o seu quartel-general.

O general inglês Wellesley desistiu de apanhar o II Corpo com a infantaria britânica em Ruivães e mandou apenas em perseguição a divisão Silveira porque a Ponte de Misarela era imprópria para os cavaleiros.

 Os franceses tinham passado e foi apenas na manhã do dia 17 que o General Silveira os seguiu no caminho de Montalegre. Soult, partindo de Paradela a 17 para norte, foi saqueando e destruindo as pequenas povoações que encontrou a caminho da fronteira pela linha de alturas do Gerês que divide as águas do Cávado e do Rabagão. 

Era uma zona pobre mas mesmo assim foram assaltadas e destruídas as povoações de Covelo do Gerez, Paradela, Loivos, Fiães do Rio, Vilaça, Coutim, Cambezes e Montalegre, cujos habitantes refugiados na serra, não deixaram de perseguir e atacar os franceses.

O ódio aos franceses era tanto que, anos depois, alguns habitantes daquelas localidades usavam nas suas camisas botões feitos de osso de franceses, onde gravaram a palavra LADRÃO!

Chegado ao desfiladeiro de Cortiços, Soult reconhece a estrada de Verim, quando as forças de Silveira levavam um dia de atraso.

Os pouco mais de quinze mil homens que Soult salvou da sua invasão a Portugal com 2000 cavalos (dos 4700 iniciais) atingem Guinzo onde pernoitam no dia 18 de Maio de 1809, exaustos, famintos, rotos e descalços em Orense.

Era um exército de soldados esfarrapados, descalços, sem artilharia e com o moral abatido, após oito dias, alimentados milho assado. "Muitos ficaram pelo caminho com a certeza de serem assassinados, mas não podendo mais andar não escutavam qualquer súplica para que continuassem" — escreve um oficial de cavalaria francês citado no livro do general Carlos Azeredo, a que nos temos referido em crónicas anteriores.

Saturday, June 6, 2009

Canto d'Aqui: o ouro da tradição



O Teatro Circo encheu-se na passada sexta-feira à noite para aplaudir — e aclamar — os vinte e cinco anos de canções do grupo de música popular tradicional "Canto d'Aqui", que oferece aos bracarenses um espectáculo memorável, com algumas melodias reforçadas pelo Ensemble da orquestra do Distrito de Braga e as vozes afinadas do Coro da Associação de Pais da Escola Calouste Gulbenkian. 


É o que se pode classificar  como um espectáculo de ouro para umas bodas de prata, perpetuado na gravação de um DVD — revelou ao Correio do Minho, Jaime Torres um dos três fundadores. Se não pôde estar no Teatro Circo, pode apreciar hoje o novo CD numa apresentação que o grupo faz à noite no espaço FNAC do Braga Parque.


O  espectáculo — com noventa minutos — foi apresentado  por Camilo Silva, um "compagnon de route" da cultura tradicional e do teatro amador bracarenses, e constituiu uma noite inesquecível para aqueles que gostam da música popular tradicional, especialmente quando em palco estiveram as vozes do Coro da Associação de Pais da Escola Calouste Gulbenkian para entoar "Ana Mariana" e "Chamateia", acompanhados pelo Ensemble da Orquestra de Câmara de Braga.


Foi uma festa sublime — apesar da "concorrência" da Braga romana — que consagra a dedicação de um punhado de bracarenses pela música do povo, sobrevivendo ainda, entre os fundadores, Jaime Torres, Domingos Oliveira e Sameiro Dias. A estes uniram-se mais amantes da música mantendo hoje um grupo com uma dezena de elementos que fazem da música uma paixão nos tempos livres das suas profissões como professores, arquitectos, engenheiros e outras.


O espectáculo foi preenchido em grande parte com oito das 17 canções do novo CD — que reproduz na capa o famoso e antiquíssimo mapa de Braga — mas acolheu cinco canções do CD anterior, "Cantigas d'Aqui", bem como dois temas da música popular mirandesa pelo grupo Galandum Galandaina. 


A cereja de ouro a coroar o bolo das bodas de prata foi a participação da orquestra de Câmara do Distrito de Braga — Ensemble — e do Coro da Associação de Pais da escola Calouste Gulbenkian, protagonizando a presença de oitenta elementos em palco para um momento que "arrepiou" os espectadores que aderiram em força a este espectáculo.


O grupo Canto d'Aqui possui em si mesmo uma riqueza que vem do talento de cada um dos dez elementos, desde o Luís Veloso, 'magister' da Tuna e fundador do grupo de Música Popular da Universidade do Minho e do Coro de Pais da Gulbenkian, até ao Miguel Oliveira que está a fazer furor como vocalista dos "Sinal" .


Depois, os arranjos estão entregues a quem sabe: o Filipe Cunha, dos Tramadix e Raízes do Minho, que é músico na Banda de Lanhelas e exímio instrumentista em Clarinete, bandolim, flauta transversal e adufe. A arquitecta Catarina Araújo, além da percussão, contribui com o seu talento para a confecção da capa do novo CD. Do Coral Porta Nova vem o tocador de viola braguesa e cavaquinho, Carlos Moutinho. 


Os restantes são os fundadores deste grupo que, com o estímulo de Jaime Torres, continua a animar os nossos palcos, como acontece já hoje, na FNAC do Braga Parque, no dia 11 de Junho na festa de S. António, na freguesia da Sé, e 22 de Junho, na Velha-a-Branca. 


Canto d'Aqui um a um...


Todos os elementos do "Canto d'Aqui" emprestam a sua voz nos espectáculos mas cada um dos dez elementos tem a sua especialidade em termos instrumentais.  

Deixamos, de seguida, as suas formações ou profissões e instrumentos que mais usam.


Carlos Moutinho — funcionário público, cavaquinho, viola braguesa;

Catarina Araújo — arquitecta, percussão;

Domingos Oliveira — professor de físico-química, bandolim;

Filipe Cunha — Professor de música (licenciado em Relações Internacionais) clarinete, flauta transversal e adufe;

Jaime Torres —  comerciante, viola;

José Manuel Ribeiro — Capataz, cavaquinho e viola braguesa;

Júlio Dias — funcionário público, concertina e acodeão e viola braguesa;

Luís Veloso — engenheiro civil, viola baixo;

Miguel Oliveira — professor de Português-Inglês voz e viola;

Sameiro Dias — professora primária, percussão.

Giovani Goulart — produtor.

Franceses em Braga há 200 anos (13)

Na cronica anterior falávamos sobre a decisão de Soult, depois de abandonar as terras de Lanhoso, à chegada a Salamonde, de abandonar a estrada para Chaves e seguir a vereda para Montalegre. Ninguém julgaria possível fazer passar por ali um exército, mas conseguiu, numa jornada épica digna de uma grande epopeia. Pela ponte de Misarela se lançaram as "tropas francesas, rotas, famintas, descalças e escorraçadas, qual fugitivo rebanho que lobos esfaimados perseguissem inexoravelmente" — escreve o General Carlos Azeredo na obra “As populações a norte do Douro e os Franceses em 1808 e 1809”, Porto, 1984, ed. Museu Militar.

Citando o diário do Marechal Soult, as suas tropas encontravam-se em terreno adversário que  nunca conhecera de quadrúpedes "senão algumas cabras selvagens" e os soldados eram obrigados a marchar a pé, conduzindo os cavalos pela rédea, puxando-os muitas vezes para os fazer transpor um rochedo que a todo o momento barrava o caminho.

O exército inteiro com cerca de 15 mil homens foi obrigado a passar por estes caminhos, desarmados porque tinham destruído os cunhetes da artilharia e os cartuchos tinham sido danificados pela chuva que caía há alguns dias.

Soult foi também informado de que e Ponte do Saltadouro, ou Ponte Nova estava defendida e cortada, por populares e algumas Ordenanças convocados pelos Capitão-Mor de Ruivães, António Luís de Miranda de Magalhães e Meneses que convocara através dos pelos párocos cerca de 1300 homens cujo armamento eram utensílios de trabalho, piques ou algumas espadas velhas.

O Capitão António Luís de Miranda, na manhã do dia 15 de Maio, coloca junto de cada ponte  uma das bocas de fogo de que dispunha, e mandou ainda algumas forças para a Ponte da Misarela.

Soult não perdeu tempo e tinha de salvar a passagem do Saltadouro e encarregou 100 homens dessa tarefa, numa acção de surpresa durante a noite.

Na noite de 15 para 16 de Maio, o grupo saiu de Salamonde e a coberto da noite aproximou-se em completo silêncio dos restos de velha Ponte.

Dulong deixou os seus homens escondidos nas proximidades e, rastejando, até à ponte e ali constatou "com espanto e incredulidade que os defensores, após tanto trabalho para cortar o velho e robusto arco de cantaria, tinham deixado uma prancha estendida entre os dois braços da ponte.

Esquecimento? Desleixo? «A imprudência portuguesa?».

Na verdade um daqueles acasos imprevistos e inacreditáveis que tantas vezes alteram o curso da História!" — comenta o General Carlos Azeredo.

Enquanto, poucos metros à sua frente, os defensores dormiam abrigados numa choupana e entregues a uma sentinela incauta e ensurdecida pelo bramir da corrente, Dulong recuou até junto dos seus homens.


Vale a pena agora seguir esta descrição: "Dulong voltou a rastejar até à ponte e fez passar atrás de si, um a um os seus militares ao longo da prancha, olhos fitos na voragem do abismo e músculos retezados para resistir à vertigem; um dos seus homens resvalou na madeira húmida e despenhou-se no turbilhão da corrente lançando no espaço um longo e dramático grito de pavor. Os assaltantes suspenderam a respiração e os movimentos, enquanto Dulong na frente olhava a imóvel sentinela portuguesa; mas o homem continuou mergulhado no seu turpor pois o trovão contínuo da violência das águas abafava todos os outros ruídos. Após alguns momentos de angustiada espera os assaltantes continuaram no seu lento avançar e assim o Major foi colocando a sua força na margem oposta e cercando nas trevas a cabana onde se abrigavam os incautos defensores da ponte, cuja sentinela fora abatida com um silencioso golpe de sabre.

E foi de súbito, sem tempo para reagir, que os ensonados camponeses vislumbraram, à luz ténue dos restos de uma fogueira, o lampejar do aço frio dos sabres e das baionetas empenhado no cruel afã da degola, do rasgar dos corpos indefesos, enfim, do abrir dessas fontes quentes e rubras por onde em borbotões se evola o sopro irrecuperável da vida.

Poucos segundos, alguns gemidos prontamente abafados e o odor pegajoso do sangue fresco, bastaram para consumar aquela tragédia quase silenciosa.

Pobre gente! Vítima da sua ignorância e da sua excessiva confiança, merece bem, apesar de tudo, a nossa homenagem!

(...)

Mas após duas horas de marcha a tropa francesa foi detida no sítio da Ponte da Misarela, sobre o rio Rabagão: o pesadelo de Soult ainda não terminara!

Faltava a Ponte diabólica.

É numa paisagem estranha, no fundo de um desfiladeiro rasgado no flanco da Serra da Cabreira, entre escarpas medonhas, bravias e solitárias que se ergue a inesperada Ponte da Misarela!

Com o seu tabuleiro lajeado, estendido a cerca de 30 metros e dobrado sobre o fecho de um único arco de 12 metros de altura, a sua idade vem da sombra dos tempos e a crença popular afirma que na sua origem está um pacto maldito firmado entre um padre e o próprio Diabo.

Por debaixo de si, escumando e despedaçando-se contra a penedia abrupta, passa o Rabagão, grosso no Inverno e no Estio enfiado, a caminho do Cávado.

Entrincheirados na margem direita, guardando a ponte, cuja passagem estava barrada por pesados obstáculos, estavam cerca de 400 homens, comandados pelo Sargento-Mor José Maria de Miranda de Magalhães e Meneses, filho do Capitão-Mor de Ruivães.

Mandado na véspera para a Misarela, pelo pai, com a incumbência de cortar a ponte e efectuar a sua defesa, o José de Miranda não conseguira convencer a maior parte dos seus homens, naturais dali da região, da absoluta conveniência em cortar o arco da ponte.

Como haviam de passar o rio com as suas colheitas ou os seus gados? Como passar para irem à feira ou a Ruivães, quando as águas fossem grossas? Para mais o que era necessário era pôr fora da nossa Terra os franceses! Para quê cortar-lhes a passagem para a fronteira? Quem fez a Ponte de Misarela não nos faz outra como ela!, e nada deste mundo demoveu os rijos e casmurros montanheses a deixar cortar a sua Ponte."

Consentiram em que fossem derrubadas as guardas, atolaram o tabuleiro com troncos, penedos e obstáculos vários e nada mais.

A meio da manhã do dia 16 de Maio foram avistados os primeiros militares inimigos: eram urna longa fila, interminável, de homens e animais, fatigados, que marchavam para norte acossados, mas que a fome, o número e o ódio ainda mantinham temíveis, perigosos e violentos.

Assim que a guarda avançada do II Corpo chegou à distância de tiro, os defensores romperam com um fogo nutrido que dizimou o pelotão da frente e fez recuar, surpreendidos, os que se lhe seguiam.

Mas a Ponte Misarela estava ali e era preciosa atravessá-la para que os homens de Soult chegassem à Galiza e abandonassem o Minho. Esperavam-nos momentos de grande dramatismo e lágrimas.