Thursday, September 29, 2011

Os rostos da República de A a Z: Sidónio Pais (4)



Antes de terminar o curso, encontra Bernardino Machado, de quem foi aluno. Licencia-se em 1898 e no mesmo ano consegue o doutoramento, com 19 valores.

No ano seguinte, Sidónio já é professor da Faculdade de Matemática, onde rege várias cadeiras de Calculo Diferencial e Integral, definindo-se como “um jardineiro inteligente que ajuda os alunos a crescerem e a educá-los para a investigação, fomentando o gosto pelo trabalho, curiosidade e iniciativa". Em 1903 começava a ascensão fulgurante de Sidónio na vida académica e politica portuguesa.

Como lente de Coimbra, assiste nesse ano à contestação da “revolta do grelo” e à greve académica de 1907 e é no ano seguinte que tem a distinção de proferir a Oração de Sapiência no começo do novo ano lectivo em que aponta os três defeitos fundamentais da Universidade, enraizada numa “estrutura religiosa e clerical” que “anulava a iniciativa do aluno” e estimulava a “estreiteza do círculo em que se projecta a luz da instrução”.

No seu entender, a Universidade devia partilhar o seu saber com o exterior, com o “povo” e as suas palavras colocaram-no “na vanguarda da elite nacional”, conforme escreve Francisco Cunha Leal.

Esta Intervenção dá a Sidónio maior visibilidade dentro e fora do meio académico e abre caminho a relações com vultos republicanos como Bernardino Machado, Afonso Costa, Brito Camacho e António José de Almeida.

Está encontrada a justificação para o seu esplendoroso destaque no novo regime republicano nascido em 1910.
As vidas militar e académica seguem a par, recorrendo na primeira a expedientes para não prejudicar a segunda... quando já se sentiam os efeitos da “rajada impetuosa da revolução” que vai sepultar para “sempre toda a espécie de tirania”, conforme disse em Coimbra logo a seguir ao 5 de Outubro, no qual não teve qualquer intervenção.

No entanto, a data é elevada por Sidónio Pais que a classifica como “um tremor de terra que faz ruir os tronos e leva os reis ao cadafalso, esse vulcão de cuja cratera se precipita a lava candente da justiça dos povos, corrente caudalosa que nos conduz vertiginosamente no caminho do progresso, avalanche que na sua formidável queda sepulta para sempre toda a espécie de tirania”.

Nessa altura, Sidónio Pais era detentor de uma série de cargos que não impedem a sua nomeação como ‘vice’ do Reitor Manuel Arriaga, na Universidade de Coimbra. Eram tempos tumultuosos em que a falange estudantil persegue o “lentes monárquicos e franquistas”.

Neste reitorado de poucos meses, lançam-se as bases das grandes reforma das Universidade, com quatro decretos que extinguem os juramentos de lentes e alunos, anulam as matrículas em teologia, deixa de ser obrigatório andar de capa e batina e acabam os privilégios dos Velhos Estatutos. Sidónio Pais está presente e participa neste processo de modernização com Arriaga.

Há um novo passo, a adesão à maçonaria, porta de ascensão no novo regime, em 1911, que era uma “qualidade” necessária para a vida política, escolhendo o nome de Carlyle, um historiador, crítico da sociedade e filósofo inglês do século XIX.

Deste pensador, Sidónio retira a ideia de que o Homem capaz tem “coração sincero, justo, nobre” para poder ser responsável por um governo perfeito.

É após a entrada na Maçonaria que Sidónio veste, por cima da farda militar e académica, a pele de político. Com a ajuda de amigos republicanos influentes, caminha para Lisboa, sendo eleito deputado em 1911, na Assembleia Constituinte.

Deixava para trás os dias de Coimbra e a sua vida académica mas isso não fazia dele um republicano activo, antes discreto, sendo fiel à sua farda militar. Ele era um entre 299 na Assembleia mas é aí que conhece o pai da República, Machado dos Santos, o homem da Rotunda, e aproxima-se de Brito Camacho.

Os rostos da República de A a Z: Sidónio Pais (3)



A morte consagrou Sidónio mas não significou o seu fim: transfigurou-o, como figura indelével na memoria e na História, porque foi amado e odiado, de santo passou a tirano e louco déspota. Que papel cabe ao Presidente-Rei na História de Portugal? — perguntávamos na última crónica.

Para o perceber, temos de regressar a Caminha, onde nasceu a 1 de Maio de 1872 naquela que ele descreve como “vila alvejante, sorridente e bela”, numa família burguesa e com tradições liberais.

O apelido de Marrocos pertence ao pai embora tenha sido aproveitado pelos seus adversários para o assemelhar a “pretóide”, bem como a demência de dois irmãos, para encontrar nele uma loucura herdada de um tio pregador no Brasil que teria morrido no Brasil atacado de demência.

Considerado um “celta do Minho”, possuía um feitio "amoroso, sedutor e bondoso, herdando as características do povo minhoto como a lealdade e a sinceridade” (cf. SILVA, Armando Barreiros Malheiro, Sidónio e Sidonismo, História e mito, Braga, 1997, cit. por SAMARA, Maria Alice, Sidónio Pais, Círculo de Leitores, Lisboa, 2002).

Aos sete anos, surge a primeira adversidade na vida de Sidónio, quando o pai é demitido da função Pública e mudam-se de Coimbra para Pedrógão.

No ano em que fazia 37 anos, morre o pai de pneumonia. Sidónio vê-se órfão e passa a ser o “homem da casa”, regressando a Caminha. Era urgente encontrar novo rumo para a vida que passava pela incorporação como voluntário no Regimento de Infantaria de Coimbra, enquanto as irmãs procuravam um bom casamento. A condição militar traz Sidónio para Amarante e aqui conhece e casa com Maria dos Prazeres Bessa, em 1895.

Chegara o momento de Sidónio formar a sua família enquanto um tio da esposa promovia a carreira universitária de Sidónio que foi tão fulgurante e eficaz como o nascimento de três filhos, mais uma em 1907, que só foi reconhecida mais tarde, filha de uma colega que Sidónio conhecera em Coimbra, num envolvimento “assumido contra tudo e contra todos que desafiava as conveniências sociais”.

É uma “paixão intensa” que revela uma das facetas do “celta do Minho” que era apaixonado, conquistador e sedutor. “Aos dez anos comecei a namorar” — há-de confidenciar mais tarde, mesmo que os críticos aproveitem este lado de “pinga-amor” para desbaratar a sua figura pública a quem “tudo se pode confiar, menos a mulher” (cf. ALBUQURQUE, António, Sidónio na lenda, Lúmen, 1922).

Uma das imagens de marca de Sidónio é a de militar mas a carreira académica é muito mais importante e foi possível graças aos privilégios que a condição castrense lhe proporcionava.

No entanto, é na Escola do Exército que Sidónio conhece Óscar Carmona e depois Manuel Brito Camacho, um dos homens que ajuda Sidónio na carreira enquanto politico e diplomata. São estes protectores que o livram de ir para uma missão em Moçambique, em 1898, impedindo-o de continuar a sua carreira académica como Mestre de Matemática.

Como se vê, só quando foi presidente assumiu a imagem marcial, surgindo como garantia da ordem, porque ele dava prioridade a outros centros d e interesse, como a Matemática, falar várias línguas e tocar violino sem saber música.
A sua carreira académica começou no Seminário de Coimbra, sob protecção da madrinha, D. Claudina, depois de ter feito exame a três disciplinas no Liceu de Viana do Castelo, matricula-se em Matemática, licenciatura que abria caminho para as Escolas do Exército e da Marinha.

É em Coimbra que se amadurece a formação política de Sidónio, no seio da “geração combativa de republicanos”.

Os rostos da República de A a Z: Sidónio Pais (2)



Estamos perante um caminhense inteligente, a nível científico, como matemático e professor, e a nível pessoal através do modo como soube e pôde aproveitar as ocasiões para ser homem de acção, prático e pragmático, capaz de momentos de fúria temperados com estados de “infinita doçura”.

São estes contrastes que seduzem boa parte dos cidadãos que pareciam acreditar neste novo político: afinal, ele não estava comprometido com a I Guerra Mundial (como Afonso Costa) e tinha as mãos limpas (sem erros de sete anos de governo dos republicanos).

Era a esperança dos portugueses num tempo de crise económica, social e política, com graves carências, descontentamento, agitação social enquanto a Igreja Católica resistia à sujeição republicana, ajudada pelo “milagre” de Fátima, em 1917. Os ingredientes q.b. para a Revolução sidonista estavam… à mão de semear.

É essa carreira política – que dura um ano – que vamos palmilhar na próxima crónica, recordando os passos dados em Coimbra, a iniciação maçónica e a eleição como deputado pelos Republicanos, com um intervalo como representante diplomático de Portugal na Alemanha, ante da eclosão da I Guerra Mundial que envolve os seus conterrâneos e os germânicos e o faz regressar a Lisboa.

Estava criado o clima de expectativa, faltava um paladino e algumas das primeiras medidas de Sidónio agradaram ao mundo católico, ao anular, no dia de Consoada de 1917 a pena de interdição de residência aos padres e aos bispos. O novo poder dava um sinal claro de querer a paz com s católicos mas não é isto o suficiente para explicar fenómeno Sidónio em toda a sua extensão.

O poder encena-se, é criado e a sua aura castrense leva-o a vestir de novo a farda, mesmo que nunca tenha participado em campanhas militares nem sujado as botas na lama das trincheiras da Flandres. Assume a postura marcial, contra os “vermelhos” dos Sovietes que organizam protestos operários.

À bravura associa a bondade nas famosas sopas dos pobres e visita os bairros pobres, debruçando-se sobre os doentes, chegando próximo do povo, assumindo o papel de pai e protector. Tudo fazia sentido numa conjuntura de guerra. Foi esta a imagem que se popularizou mas ele tinha quem o odiasse também, porque após o golpe sidonista, as prisões enchem-se de homens do partido Afonsista, enquanto a “rua” unionista perseguia a claque “democrática”, através de grupos de trauliteiros que se queixavam agora da “formiga preta” que dá origem à primeira polícia politica para vigiar os inimigos políticos e sociais (sindicalistas).

Os sidonistas faziam-no em nome da regeneração dos costumes corrompidos pelos democráticos que levaram o sistema a um impasse, sem alternância, para reconciliar a família portuguesa.

As preocupações centrais de Sidónio estavam na ordem pública e na questão politica: o parlamentarismo falira e restava tentar a “Ideia nova”, o presidencialismo, cujas pontos foram lançadas ao longo de 1918.

A figura carismática, aliada à introdução do sufrágio universal, o seu assassínio a 14 de Dezembro de 1918, acabam com esta experiência politica e fazem o pais mergulhar num clima de grande instabilidade política que conduz ao restauro da Monarquia, a Norte, em Janeiro.

O povo republicano pega nas armas para defender a República mas o pais divide-se entre Norte e Sul até às eleições de Maio, com a vitória dos “democráticos”. A morte consagrou Sidónio mas não significou o seu fim: transfigurou-o, como figura indelével na memoria e na História, porque foi amado e odiado, de santo passou a tirano e louco déspota.

Que papel cabe ao Presidente-Rei na História de Portugal?
N.B.: Na foto a Casa onde nasceu Sidónio Pais, em Caminha.

Os rostos da República de A a Z: Sidónio Pais (1)



Com esta crónica, iniciamos uma síntese da vida daquele que foi um “meteoro de formiga preta que sucedeu à Branca”: Sidónio Pais, a face de um combatente contra o analfabetismo, a politiquice, a desorientação, a ganância e a petulância, males a que os críticos de Afonso Costa chamaram os “piolhos” que infestavam a República nascida oito anos antes.

A vida de um Homem não cabe em meia dúzia de crónicas, muito menos quando estamos perante uma personalidade tão rica que, apesar de ter ocupado o poder apenas um ano, como Presidente da República, foi, é e será, pela sua controversa passagem pela política nacional, objecto de várias apreciações e estudos. Existe um largo número de obres sobre este filho de Caminha, ora tecendo elogios a raiar a idolatria, ora denegrindo a imagem deste minhoto, sem dó nem piedade.

Por isso, não é exagero afirmar que estamos perante uma figura central da história da I República, a avaliar também pelas palavras de Egas Moniz, primeiro Nobel português, na medicina, que o definiu como “personalidade marcante que passou como um meteoro através da política portuguesa”.

Foi consagrado com a honra de os seus restos mortais terem sido depositados no Mosteiro do Jerónimos, ao lado de Teófilo Braga e Óscar Carmona, sendo para os portugueses o único que ostenta título de “presidente-rei”, beneficiando do apreço dos republicanos e monárquicos, mesmo depois de 1926. Com o apoio do Estado Novo, Sidónio Pais beneficia da imagem de Homem bondoso e mártir que ainda povoa o imaginário dos portugueses mais idosos.

De facto, a figura de Sidónio Pais é um caso ímpar na nossa história: a sua imensa popularidade está na razão inversa da sua permanência no poder. É comparável. Em tempos mais recentes, a Francisco Sá Carneiro ou Adelino Amaro da Costa. Foi o primeiro Presidenta da República eleito por sufrágio universal (masculino) e só esteve à frente do país entre 5 de Dezembro de 1917 e 14 de Dezembro do ano seguinte, data do seu assassínio. Este ano colocava-o na galeria dos memoráveis, apesar de não ter sido governante, ou importante chefe partidário ou singular tribuno parlamentar, como os referidos Sá Carneiro ou Amaro da Costa.

Com apoio de Brito Camacho, a carreira política do caminhense começa discretamente em 1910, porque até Antão persegue com brilhantismo uma carreira académica como professor de Matemática em Coimbra, além de ser oficial do Exército e director da escola Industrial Brotero, em Coimbra.

Nada fazia prever que, sete anos depois, explodisse na política nacional como um verdadeiro meteoro cuja popularidade atravessou e conquistou Portugal inteiro.

Não estamos perante um homem que nasce depois de ter feito cair o poder hegemonizado por Afonso Costa e o Partido Democrático, radical e jacobino.

O altominhoto tinha uma linha, uma figura distinta, sabia estar e era um líder simpático a que poucos pareciam estar indiferentes, desde a sua pose à sobriedade das suas maneiras passando por um olhar vivo e humanista (cf. SAMARA, Maria Alice, Sidónio Pais, Círculo de Leitores, Lisboa, 2002, pp.9-20).

Os rostos da República de A a Z: Afonso Costa (10)



A consolidação do Estado Novo marchava sobre rodas mas Afonso Costa não desiste até à morte, súbita, em Paris, em Maio de 1937, sem ver dada nova oportunidade à sua tão amada República.
Com a Liga de Paris formalmente desfeita em 1932, Oliveira Salazar, mais seguro que nunca no poder, dixa de fora da amnistia Afonso Costa.

Por isso, não resta ao velho líder republicano manter a luta contra Salazar, líder do catolicismo conservador, já à frente do Conselho. Fá-la através de várias entrevistas, retomando a defesa do socialismo integral, defendendo um programa reformista de um Estado interventivo, próximo do Estado da social-democracia.

Em Portugal cresciam os grupos anarquistas e comunistas, os únicos disponíveis para a luta depois da “demissão” da Aliança Republicano-Socialista.

No ano de 1933, Num conjunto de entrevistas a um jornal brasileiro, Afonso Costa tenta desmascarar os equilíbrios orçamentais do “papa negro”, Oliveira Salazar, apontando os sucessivos défices das finanças públicas portuguesas e chamando a atenção para a origem do desafogo que datava de 1924, o que não era mentira.

Afonso Costa não se limitava a estes dois pontos, atacando Salazar por ser um “perigoso jesuíta que já pós a funcionar em Portugal a Monita secreta” (cf. JOBIM, José, A verdade sobre Salazar, Entrevistas concedidas em Paris pelo sr. Afonso Costa, Rio de Janeiro, Calvino Filho Editor, 1934, pp. 28-39).

Honestamente, reconhecia a culpa dos republicanos pelo estado de ditadura a que o seu pais chegara: Apontava três razões, sendo a primeira “a criminosa fraqueza e quase covardia em relação aos ataques sucessivos dos reaccionários militaristas” enquanto a segunda era a “falta de comparência em vários ramos da administração”. Mas havia uma terceira, “o descrédito do Parlamento”.

Afonso Costa não conhecia o novo ditador e dele dizia que era “um homem novo e de falas doces, misantropo, apático, frio, esperto, insociável , trabalhador e insofridamente ambicioso. É vaidoso como uma mulher”. (cf. JOVIM, José, op. cit. pp. 53-93).

Salazar responde acusando Afonso Costa de “falsificador da História” e perdia a sua compostura, dinamizando uma polémica violenta que ocultou depois nas suas memórias.

Acusado por Salazar por fazer um exercício abstraccionista — sem tradução na realidade do pais — Costa é comparado a um dos dois alunos que, numa turma são escolhidos para se ocuparem a defender duas posições contrarias. Só servia para avivar a discussão e arquitectar raciocínios.

Nessa perspectiva, dizia Salazar: "o dr. Afonso Costa ficou para sempre amarrado ao se método dedutivo, às sua argumentação abstracta, ao absolutismo de certas proposições, à incapacidade de observar os factos e corrigir com eles uma ou outra das suas atitudes mentais”.

Nas suas “Duas escolhas”, Oliveira Salazar é particularmente violento: “Contra a discussão por hábito, contra a critica por princípio, contra o insulto por sistema, contra o partidarismo por ódio, a ditadura tem afirmado e feito vingar outra escola política” (cf. GUIMARÃES; Alberto, A verdade sobre Afonso Costa, ed. Autor, 1935, pp. 24-232).

Afonso Costa não se conteve e respondeu mas o Estado Novo nunca desistiu de ter a última palavra e Alberto Guimarães é o porta-voz dela ao classificar Afonso Costa como “maquiavélico, sinistro, nefasto, patife, nojento, seco de coração, ambicioso como um negociante judeu, psicologicamente um tirano, sem escrúpulos” até concluir que “Afonso Costa seria homem para vender o próprio pai”.

O Estado Novo encetou então uma campanha que define Áfonos Costa como a personificação do “ódio e crime” e “erguer-se-ia o pais inteiro para o expulsar” para se afundar na sua obra “sinistra de lama e sangue”.

Estava tudo dito, mas a luta era desigual mesmo quando surge uma pequena esperança com a guerra civil espanhola, por parte dos resistentes ao Estado Novo.

As 65 anos, Afonso Costa colabora activamente, na organização da Frente Popular Portuguesa contra a Ditadura, dominada por republicanos, e é indigitado para grão-mestre da Maçonaria Portuguesa. Com a sua morte súbita, em 1937, caem em terra estrangeira as sementes que hão-de germinar em 25 de Abril de 1974. A liberdade, a República e o socialismo constituem o seu tripé ideológico sobre o qual assentam os seus sucessos – muitos – e os fracassos – poucos.

Saturday, July 2, 2011

Os rostos da República de A a Z: Afonso Costa (09)


Em 1920, repetiam-se os pedidos para que Afonso Costa voltasse e ele recusou-os todos. Marcado pela forma como o sidonismo o tratou , não estava disposto a deixar-se “queimar” só para tapar algum buraco. O seu nome era uma espécie de último recurso mas ele não estava para aí virado.

Em Março do ano seguinte, Bernardino Machado chama-o para negociar um empréstimo no estrangeiro, de 50 milhões de dólares, mas descobre-se que Portugal caíra numa burla e a polémica volta a instalar-se entre acusações a Costa de se envolver numa negociata.

Vivia-se uma nostalgia do afonsismo e no Verão, com a vitória dos liberais, Afonso Costa chega a planear o seu regresso a Portugal mas impressionado com os acontecimentos da noite sangrenta de 19 de Outubro, com a execução bárbara de Granjo e de Machado dos Santos, decide não regressar.

Em 1922, o presidente volta a insistir com ele mas Afonso Costa mantém-se irredutível até intervir às claras no ano seguinte quando as forças conservadoras se recompuseram em torno do Partido Nacionalista.

Afonso Costa empenha-se na bem sucedida eleição do diplomata e escritor Manuel Teixeira Gomes para o Palácio de Belém, contra Bernardino Machado.

Teixeira Gomes convida-o a formar Governo a 2 de Novembro e, apesar de uma eufórica recepção, em Lisboa, Afonso Costa desiste, argumentando com a recusa do Partido Nacionalista.

Em Junho de 1924, Teixeira Gomes volta a repetir o convite do ano anterior. Sem resultado porque “os insignificantes políticos que nos tem governado não querem que ele venha” — dizia o presidente Teixeira Gomes (cf. A. H. Oliveira Marques, in Afonso Costa, Lisboa, Arcádia, pp. 208-236).

Em Portugal, as suas hipóteses estavam comprometidas em contraponto ao prestígio conseguido no estrangeiro, sendo eleito vice-presidente do Tribunal Permanente de Justiça Internacional e, em Março de 1926, presidente da sessão extraordinária da Sociedade das Nações.

Poucas semanas depois, a 28 de Maio, instaura-se em Portugal uma ditadura militar em que o único elo que unia os revoltosos ra o fim da República dos democráticos.

A 8 de Julho, Afonso Costa era demitido do cargo de presidente da Delegação portuguesa à Sociedade das Nações.
Afonso Costa não é apanhado desprevenido. Esperava para ver desta conspiração de um vasto leque de forças unidas contra o Partido Democrático num programa mínimo, com um apoio máximo” (cf. ROSAS, Fernando in História de Portugal, dir. José Mattoso, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994.)

Para se avaliar do capital político que Afonso Costa possuía, em 1927, o seu nome aparece como possível ministro das Finanças na famosa Liga de Paris, movimento que preparava a resistência. Ele estava ao lado de nomes como Jaime Cortesão, Álvaro de Castro, Domingues dos Santos e António Sérgio. Germinava a II República... fazendo com que Afonso Costa se aproximasse de antigos adversários e admitindo que “a República deve encaminhar-se para a esquerda, apoiando-se nas classes operárias” (cf. A. H. Oliveira Marques, op. cit., p. 241).

Lá fora, Afonso Costa participa numa campanha contra um empréstimo pedido pela ditadura, ampliando os laços republicanos com os espanhóis.

Em 1930 multiplicam-se os contactos para unir a oposição, reunindo núcleos de exilados em Espanha mas avolumavam-se outras contrariedades porque, cá, muitos são seduzidos pelo projecto da União Nacional, lançado por Oliveira Salazar.

A revolta da Madeira que se alargou a outras colónias animou os republicanos exilados em Paris constitui um comité enquanto Jaime Cortesão é enviado a Espanha para obter o apoio espanhol à insurreição portuguesa. Na Galiza, em Agosto de 1931, há um contacto com o ex-ministro da Guerra, António Ribeiro de carvalho, mas este recusa participar na revolução com os exilados.

Em Portugal, a Aliança Republicana Socialista esvaziava os apoios dos emigrados e a Liga de Paris extingue-se em 1932. A consolidação do Estado Novo marchava sobre rodas mas costa não desiste até à morte, súbita, em Paris, em Maio de 1937, sem ver dada nova oportunidade à sua tão amada República.

Os rostos da República de A a Z: Afonso Costa (08)


Sindicalistas, católicos, monárquicos, republicanos moderados uniam-se contra Afonso Costa em volta do caminhense Sidónio Pais, que avança com um golpe no dia 5 de Dezembro de 1917.

Dois dias depois, a conspiração parecia fracassar e Afonso Costa, retido num hotel no Porto, manda servir café para toda a gente enquanto interpela o presidente: “ V. Ex. cia aceita a demissão do Governo, sem me ouvir?” (cf. Oliveira Marques, in Afonso Costa, Lisboa, Arcádia, 1975, p. 188).

Afonso Costa recusa-se a fugir e no dia seguinte o hotel era cercado por militares e preso, sendo conduzido pela escuridão das ruas do Porto e daí para o forte da Trafaria e deste para Elvas, onde ficou recluso três meses.

Os “afonsistas” eclipsaram-se em Lisboa e a multidão assaltava a casa de Afonso Costa, lançando livros, roupas, santos crucifixos (para espanto de todos!) pelas janelas.

Costa era visto como ditador, o que explica a vandalização da sua casa. Fernando Pessoa não poupava as palavras quando se referia a Afonso Costa: “Franco seria um tirano de merda; este (Costa) é um tirano de caca”, é “um dos maiores bandidos que tem aparecido à superfície da política lusitana”.

Dupla sai de cena

Com Sidónio Pais termina um ciclo de promessas não cumpridas pelos dirigentes republicanos e Afonso Costa é associado a todas as insuficiências do regime. Bernardino Machado leva por tabela e é enviado para o exílio e ninguém se levanta em defesa deles. Afinal, Costa ser-viu os objectivos de Bernardino, tornando-o presidente e este satisfez amplamente os interesses do partido de Afonso Costa. Formaram uma dupla de sucesso e pagaram com igual fúria do povo.

Em Março de 1918, António José de Almeida insurge-se contra a manutenção de Afonso Costa no forte de Elvas, denunciando a campanha de calúnias de que é alvo e, no fim do mês, o antigo ministro das Finanças saía da prisão. Terminavam três meses de tormento para Afonso Costa que seguia para Paris onde instalou o seu escritório de advogado, bem sucedido.

Enterrada a aventura mo-nárquica e sidonista, em 1919, Afonso Costa escla-rece que não quer voltar à política: “eu e os meus fomos pessoalmente acometidos e tivemos de sofrer do-res, calúnias e vexames, que nem aos maiores inimigos da Pátria seria legítimo infligir” (cf. Oliveira Marques, Op. Cit. pp. 433-434). Afonso Costa tinha 48 anos e muito para dar ao país.

Depois de deixar de viver em Portugal, após o golpe do caminhense Sidónio Pais, Costa continua a percorrer a Europa como um “bom burguês”, sem deixar de praticar o seu desporto favorito, a esgrima.

Imagem externa favorável

A guerra destruíra completamente a imagem de Afonso Costa e do seu Partido Democrático, mas o seu prestígio entre as grandes potencias mantinha-se alto, sendo nomeado para substituir Egas Moniz (médico, diplomata e futuro Nobel da Me-dicina) na Conferência de Paz em Paris, após a I Guerra Mundial.

Afonso Costa aplicou toda a sua sabedoria e engenho para defender os interesses de Portugal na Sociedade das Nações, como descreve de forma clara José Medeiros Ferreira na sua obra Portugal na Conferência de Paris, Lisboa, Quetzal, pp. 28-83.

Afonso Costa representou Portugal na assinatura dos Tratados de Paz que se seguiram ao Tratado de Versa-lhes e continuou a desempenhar actividades diplomáticas ao serviço do pais, tentando mesmo candidatar-se ao Conselho Executivo da Sociedade das Nações, em representação das “pequenas potências”.

Portugal volta
a chamá-lo

Em Portugal, a vida partidária voltava ao rotativismo entre Liberais (evolucionistas e unionistas) e o Partido Democrático, igual ao que marcara os últimos anos da Monarquia.

O regime entrava em convulsão interna, agravada pela inflação galopante, agitação social e instabilidade governativa. Em 1920, Portugal teve seis governos e no ano seguinte, sete. Repetiam-se os pedidos para que Costa Voltasse e ele recusou-os todos.

Marcara-o a forma como o sidonismo o tratou mas também é verdade que Afonso Costa não conseguiu reunir as condições que impunha e não estava disposto a deixar-se “queimar” só para tapar algum buraco.

Os rostos da República de A a Z: Afonso Costa (07)


A guerra deu a Afonso Costa o pretexto para o apelo à unidade de todos os republicanos, em troca de uma patriótica reconciliação, em seu redor.

Dirige-se a Londres onde afirma que a “Inglaterra nos convida a dar-lhe o nosso concurso nos campos de batalha da Europa, compromete-se a fornecer-nos os fundos necessários para que ele se torne efectivo, sob forma de material, abastecimento, etc., finalmente freta-nos em condições mais vantajosas um grande número os navios que apreendemos aos alemães” — lê-se no Diário II de João Chagas (ed. Rolim, Lisboa, 1987, pp. 266-277).

Contra a maioria, a proposta minoritária da intervenção na guerra ganhava forma e vencia. É a Afonso Costa e ao Partido Democrático que Portugal deve a entrada no palco de guerra europeu e não é fácil destrinçar, ainda hoje, onde começam e acabam as motivações de ordem interna e externa que sustentam esta decisão que traduz o “interesse de Afonso Costa na afirmação externa do Estado Republicano”.

As relações com Inglaterra estavam longe de ser as melhores porque os ingleses apenas reconheceram a República um ano depois e a imagem de Portugal — devido à contratação de mão-de-obra indígena nas colónias portuguesas — era pouco melhor que má.

Mal estalou a guerra, Costa apela à unidade dos republicanos embora a maioria preferisse expedições a África contra a ambição imperialista alemã, como a própria Inglaterra sugeriu.

Os oficiais do Exército também se opunham à politica de guerra e fazem a entrega simbólica das espadas ao Presidente Arriaga — o “golpe das espadas” — e de nada valia a Afonso Costa percorrer os quartéis tentando levar o exército à obediência.

COM a limpeza dos oficiais democráticos, o PD de Costa estremeceu e convoca novo congresso em Março de 1915, mas a GNR impede a entrada no Palácio de S. Bento. Rebentava a revolução dos republicanos radicais, durante três dias, a 14 de Maio, com 200 mortos e mais de mil feridos. Afonso Costa concorda em formar novo governo para pôr ordem na casa, com reintegrações, amnistias, prisões e desterros.

Costa controlava o Estado mas o pais estava à beira de rotura financeira e crescia o mal-estar social e insiste num Governo de unidade nacional para repartir os descontentamentos.

A 30 de Dezembro, Afonso Costa recebe pedido inglês para requisitar navios mercantes alemães atracados em portos portugueses. Era o momento de obrigar a Inglaterra a cumprir o seu dever: invocar a aliança luso-britância.

Com a apreensão dos navios alemães a 23 de Fevereiro de 1916, a Alemanha declara guerra a Portugal, no dia 9 de Março.
O Partido de Costa estava isolado social e politicamente e a guerra dava-lhe a causa patriótica, de unidade no capo republicano e até dos portugueses de que Afonso Costa precisava.

De Inglaterra não chegavam os apoios financeiros, condicionados à entrada directa na guerra na Flandres. A declaração de guerra da Alemanha força Afonso Costa a formar um governo de “União Sagrada”, reunindo evolucionistas e democráticos, com Afonso Costa nas Finanças. A estrela começava a apagar-se, com a organização do Corpo Expedicionário Português (CEP), entregue ao Ministro da Guerra José Maria Norton de Matos.

Em Dezembro de 1916 conheciam-se as “más condições lá vividas pelos soldados portugueses, mal alimentados, vestidos, calçados e posicionados. O CEP passava a chamar-se Carneiros de Exportação portuguesa porque o filho mais de velho de Afonso Costa “foi para um quartel general onde o papá o vai beijar. Exibindo-se e exibindo-o” (cf. Rocha Martins ‘Príncipe Sebastião’, citado por BARROS, Júlia Leitão, in Afonso Costa, p. 114.


O pais esvaía-se na fome e na miséria, com “um estendal de bichas, levantamentos, motins, assaltos provocados por insuficiência de abastecimento público e pelo agravamento do mercado negro e açambarcamento” em que as cidades são as primeiras a ressentir-se “com carência de pão.”. Nas aldeias há motins “rurais contra a saída de géneros, assaltos a lojas, manifestações e greves”.


Crescia a discórdia dentro do Governo de “União Sagrada” e a causa intervencionista virava-se contra Afonso Costa. “Era um tiro na culatra, multiplicando-se os fogos de oposição” e Afonso Costa começa a ser contestado dentro do PD até que em Julho de 1917, uma greve da construção civil termina em verdadeira batalha campal que o obriga a declarar o Estado de Sítio.


Em Setembro são presos 40 sindicalistas e Afonso Costa apercebe-se do cerco levando o seu amigos João Pinheiro Chagas a dizer: “creio que o medo tem algum império nos actos do homem enérgico que é Afonso Costa” (cf. op.cit. p.281).

A boa estrela de Afonso Costa apagava-se enquanto crescia a popularidade do herói da rotunda, Machado dos Santos.
Sindicalistas, católicos, monárquicos, republicanos moderados uniam-se contra Afonso Costa em volta de Sidónio Pais.

Monday, May 30, 2011

Os rostos da República de A a Z: Afonso Costa (06)


Afonso Costa chefia o Governo em Janeiro de 1913 e assume a pasta das finanças e destrói a velha desgraça monárquica: o défice das contas públicas sem olhar ao sangue derramado em várias frentes.

ERA o momento de glória do “grande líder”, a que Braga, cidade tida como bastião do ultramontismo, não ficou alheia, quando o recebeu apoteoticamente, com direito a rancho infantil, bandas musicais e declamação de poemas, na Primavera de 1911.

Agora, a República era ele, traduzindo-se em reformas como a administração pública, a criação da Faculdade de Direito de Lisboa e a constituição do há muito anunciado Ministério da Instrução Pública para se acabar com “os analfabetos que são o instrumento de toda a reacção”.

Os passos contra o conservadorismo prosseguem quando um novo decreto, em Janeiro de 1913, proíbe vários padres de residir por mais d e três meses nas áreas dos respectivos concelhos. Os vigilantes republicanos, “Formigas brancas” zelavam pela aplicação da Lei da Separação, “suprimindo jornais de província e condenando à prisão e desterro algumas dezena de elementos do clero” ao ponto de se começar a falar na “ditadura dos democráticos” (cf. BARROS, Júlia Leitão, in Afonso Costa, Círculo de Leitores, Lisboa, 2002, p. 93 e segs.).

Dividida, a Maçonaria convertia-se ao afonsismo e decretava-o “Cavaleiro Kadosh”, num mês em que despertam as primeiras tentativas de conspiração civil e militar, facilmente desmanteladas, como a que protagonizou o Herói da Rotunda, Machado dos Santos, e se saldou na prisão de uma centena de republicanos.

A oposição crescia precisamente onde estava o baluarte republicano, ao ponto de Afonso Costa, em 25 de Janeiro de 1913, na conferencia “Catolicismo e socialismo”, condenar o sindicalismo e as suas formas de luta, chamando os trabalhadores à razão. O seu pensamento evolui contra os sindicatos e, em Junho, acusa-os de se limitarem a “agitar por agitar” (MARQUES, A. H. Oliveira, in Ensaios de História da I República, Lisboa, Ed. Horizonte, 1988, p. 247). Este ataque ao sindicalismo acrescenta-lhe a alcunha de “racha sindicalistas”, ao fechar jornais e associações. Prende grevistas e dirigentes e afunila a sua base de apoio ao restringir o voto a “homens maiores de 21 anos que soubessem ler e escrever”.

Garantia-se o voto dos alfabetizados, concentrados, não por acaso, no meio urbano, o berço do novo regime. “Se quiserem fazer eleições com analfabetos, façam-nas os senhores, porque eu quero fazê-las com votos conscientes” (cf. IDEM, Ibidem, p. 229).

Quanto às mulheres, saboreemos esta descrição: “vemos a mulher vivificante no lar, assumindo funções mais delicadas, tomando cada vez melhor a posição de educadora dos filhos...” e sem direito a votar.

Para responder aos críticos, Afonso Costa “inventa” um superavit nas contas públicas (ainda hoje polémico), com o propósito de credibilizar a sua governança das finanças.

Crescia o cerco ao seu governo, após frustrados atentados bombistas, enquanto veraneava na Praia das Maças, em Setembro, o que não o impede de vencer as eleições suplementares de Novembro, perdendo a maioria do Senado.

Em Janeiro de 1914, mostra toda a sua habilidade e demite-se, esperando uma manifestação ou vaga de fundo, com base na sua popularidade. Afonso Costa aposta agora na rua mas a rua já não era apenas democrática, ou seja de Costa. Os Formigas Pretas desfazem um desfile de apoio que termina à pancada, com um morto e vários feridos.

A 4 de Fevereiro, em nova manobra táctica, retira-se. Bernardino Machado, regressado do Brasil, recebe Costa e Arriaga para formarem um Governo de ”acalmação” mas Costa não cede na manutenção do “desterro para 11 monárquicos perigosos, entre os quais Paiva Couceiro”. Em troca, Costa cede numa amnistia para os crimes de direito comum de alguns radicais democráticos.

A “acalmação” durou pouco tempo. Em Agosto, eclodia a I Grande Guerra Mundial que mudava todo o cenário da luta politica em Portugal, centrada agora no dilema entre intervir ou não no conflito.

É o ramo de oliveira de que Afonso Costa necessita: “não vejo que Portugal se afirme como ele é e como quer ser, senão tomando parte nos combates que se travam na Europa, para onde todo o mundo olha”. Estava aqui a rampa de lançamento do prestígio internacional do “gigante entre pigmeus” — como o descreveu Carlos Malheiro Dias.

A guerra deu-lhe o pretexto para o apelo à unidade de todos os republicanos, em troca de uma patriótica reconciliação, em seu redor.

Os rostos da República de A a Z: Afonso Costa (05)


À Lei da Separação - 20 de Abril de 1911 – era uma declaração de guerra à Igreja que se via expropriada, submetida financeiramente ao Estado. Era o castigo de muitos erros que a rua aplaudia, fundada num anticlericalismo que unia e dava coesão ao Partido.

Só a Igreja reagia contra a “atrocidade” e a “tirania” e através de Roma “declarava como “nulo e de nenhum efeito tudo quanto esta lei ordena contra os direitos intangíveis da Igreja” (cf. Jandundum in Lusitania).

O catolicismo deixava de ser a religião de Portugal, impedia uma instituição com hierarquia submetida a Roma e anulava o poder material e a influência cultural e recusando reconhecer qualquer utilidade na educação e na beneficiência.

Afonso Costa queria uma “limpeza moral” que “mais tarde todos os povos se veriam forçados a realizar” (cf. Afonso Costa. Discursos parlamentares). Os católicos tinham de se recolher no interior dos templos que agora eram propriedade do Estado e as cerimónias exteriores eram tuteladas. Os padres deviam despir-se de vestes eclesiásticas fora dos locais de culto ao mesmo tempo que eram insultados: o Estado comprometia-se a pagar subsídios ás viúvas e filhos ilegítimos dos padres...

Costa assume-se como “carrasco de prelados e Jesuítas” e os bispos equiparados a “delinquentes que devem ser punidos” – afirmou em 27 de Julho de 1911 (cf. Discursos Parlamentares).

Doente, Afonso Costa é eleito por Lisboa, em 20 de Maio, sofrendo novo revés com a escolha de Manuel Arriaga para Presidente da República, ultrapassando o costista Bernardino Machado.

O apoio de Afonso Costa e de Bernardino estava na rua, face às tímidas reacções à Lei da Separação e ao esvaziamento dos poderes do Presidente, com a Constituição aprovada em Agosto de 2011. O Presidente perde os poderes de dissolução do Parlamento e a sua eleição fica dependente do Congresso (Parlamento e Senado). Quem ganhasse o Congresso detinha o poder absoluto no novo sistema e só o Partido Republicano o podia conseguir.

A aventura de Paiva Couceiro é a lotaria de Costa, destruindo qualquer veleidade dos moderados à liderança do PRP. Costa exige o confisco de bens aos traidores e vence o congresso republicano em Outubro e o partido passa a chamar-se PD – Partido Democrático – e era meio caminho andado para o poder de que Costa estava arredio desde Setembro.

Entretanto, Afonso Costa institui o novo culto com os feriados - 5 de Outubro, 1 de Dezembro e 31 de Janeiro - , define-se o novo hino e bandeira. Na sua luta inter-partidária contra os moderados abandona o pluralismo e o respeito pelas liberdades. A República tinha a primazia sobre a democracia. Afonso Costa era o “grande líder” e nos primeiros anos o seu nome confunde-se com o novo regime.

A popularidade - nunca o nome Afonso foi tão escolhido pelos pais para os seus filhos - dá-lhe a legitimidade para a “limpeza” de restos monárquicos na máquina do Estado, mas oferece a Afonso Costa a porta para cometer os primeiros erros: “emprega os seus. O irmão secretaria-o; o sócio Germano torna-se director geral dos Negócios da Justiça; o solicitador do seu gabinete de advogado passa a contador da primeira vara; o cunhado toma o lugar de director geral do Supremo tribunal de Justiça, etc". (cf. Barros, Júlia Leitão, Afonso Costa, Círculo de Leitores, Lisboa, 2002, p. 81).

A República é ele e o PD porque “é preciso defendermo-nos com unhas e dentes contra os ímpetos dos adversários e contra a fraqueza quase criminosa de muitos republicanos” (os moderados do PE e da UR) – dizia ele num discurso já em 1912.

Assim opôs-se a uma revisão da Lei da Separação e à amnistia dos presos políticos que leva à queda do Governo em finais de 1912 e permite a Costa ascender ao poder. As suas posições políticas começavam a raiar o sebastianismo messiânico: “só nós podemos servir de garantia ao povo”.

Afonso Costa chefia o Governo em Janeiro de 1913 e assume a pasta das finanças e destrói a velha desgraça monárquica: o défice das contas públicas. É o melhor contributo de Afonso Costa para os descrédito da República, como vamos lembrar, com flagrante actualidade, sem olhar aos alguidares de sangue derramado em várias frentes.

D. Diogo de Sousa: karatecas avaliados com sucesso


O Seleccionador Nacional presidiu sábado à tarde, no Pavilhão gimnodesportivo do Colégio D. Diogo de Sousa à Avaliação Competências Adquiridas de duas turmas entre 7 e dez anos.

Joaquim Gonçalves estava acompanhado do Treinador da Associação Wado Internacional karaté Portugal, e perante eles os quase trinta alunos exibiram os conteúdos aprendidos ao nível da coordenação motora, da Mobilidade articular cintura pélvica e cintura escapular, do equilíbrio estático e dinâmico e da orientação dos segmentos.



Todos os alunos receberam diploma que atesta o empenho e dedicação, tendo sido aprovados para uso d cinturão amarelo, deixando o Sensei Cláudio Vilaça orgulhoso e satisfeito com os seus alunos.

A segunda parte do sarau, que contou com a total adesão dos pais e encarregados de educação, traduziu-se na avaliação, pelos mesmos Sensei dos conteúdos da turma com mais de 11 anos.

No final das provas, o Seleccionador Nacional sensibilizou os pais para a importância da prática desportiva e para a singularidade enriquecedora do Karaté na ligação entre a dimensão cognitiva e a motora.

Dirigindo-se aos novos “cinturões amarelos”, alertou-os para alguns aperfeiçoamentos técnicos que nunca devem esquecer na progressão que lhes desejou para o futuro.


No dia seguinte, Cláudio Vilaça proporcionou um dia diferente aos seus atletas e familiares, criando maior intimidade com o Clube de Karaté Wado Braga e os alunos das turmas do D. Diogo de Sousa.

Foi um Encontro de Karaté na Praia, uma actividade que, ano para ano, tem conquistado cada vez mais familiares e amigos.
Com o objectivo de “reforçar os laços já existentes entre todos nós” — como disse Cláudio Vilaça — , pais e alunos encontrara-se à porta do Clube-CKW Braga/D. Diogo Sousa e dirigiram-se para a praia da Bonança, entre Apúlia e Ofir, em Esposende.

Pelas 10,30 horas começou um treino Karaté na praia aberto a familiares e amigos que culminou com a foto de grupo. Ao meio dia, pais e alunos reuniram-se no parque adjacente à Senhora da Bonança para partilharem o almoço.

O dia terminou com jogos de Futebol e de Voleibol na praia, até cerca das 17 horas, momento em que todos foram ao banho, concluindo um dia fantástico para pequenos e grandes, em condições climatéricas soberbas.

Saturday, April 23, 2011

Canto della Risurrezione

Cónego Eduardo Melo: Braga é boa madrasta e má mãe?



"Está na hora dos bracarenses acordarem para um gesto de gratidão para com um dos filhos mais ilustres de Braga" — apelou José Pinto Cardoso, concordando com quem diz que "Braga é Mãe para os que vêm até ela e é madrasta para com os seus. Eu começo a acreditar que é verdade".
Este empresário bracarense falava no final dos actos que lembraram o terceiro aniversário do falecimento do antigo Deão do Cabido da Sé de Braga, no passado dia 19 de Abril.

O Cónego Eduardo Melo viveu e testemunhou a Palavra de Deus e a sua vida e obra devem continuar a ser um ponto de referência para cada um de nós — sustentou D. Jorge Ortiga, na Basílica dos Congregados, repleta de fiéis.
O Arcebispo de Braga falava na Eucaristia concelebrada por uma dezena de sacerdotes no terceiro ano do falecimento do antigo Deão da Sé de Braga e Vigário Geral da Arquidiocese.

Após a Eucaristia, com uma guarda de honra proporcionada por uma secção dos Bombeiros Voluntários de Braga, um grupo de amigos dirigiu-se ao Cemitério de Monte d'Arcos para colocar uma coroa de flores no jazigo de Mons. Eduardo Melo Peixoto, num "gesto de coragem daqueles que não sentem vergonha em afirmar-se como amigos do Cónego Melo".

Entre os padres concelebrantes estavam alguns arciprestes de vários concelhos do distrito de Braga.

O terceiro aniversário do seu falecimento foi oportunidade para serem relembrados os contributos do Cónego Eduardo Melo para o progresso de Braga seja no desporto, como presidente do Conselho Geral do Sp. Braga, seja na religião, pelo contributo para a recuperação da Sé e seu Tesouro Museu, seja nos Cursos de Cristandade ou ao serviço dos Escuteiros.

D. Eurico Nogueira, arcebispo Emérito de Braga, presidiu ao almoço de homenagem que decorreu no Centro Apostólico do Sameiro, recordando que sentiu "muito a sua morte. Era mais novo que eu e cheio de vida. Quando ele faleceu, foi um choque muito grande para mim".

"Éramos, fomos e somos amigos dele e quem deixou de ser amigo é porque nunca o foi. A cada ano que passa nós sentimos a saudade e o pesar deles nos ter faltado tão cedo.

Associo-me inteiramente à homenagem ao cónego Melo. Ele merece a nossa amizade" — rematou D. Eurico Nogueira.
António Machado, presidente da Direcção dos Bombeiros Voluntários de Braga, recordou os tempos em que era "um jovem que morava na rua de S. Geraldo quando conheceu o padre Eduardo Melo, acabado de chegar da Índia e foi colocado no Seminário de S. Tiago onde ele deixava os rapazes andar de patins nos claustros do Seminário".

"Guardo com muito carinho o entusiasmo e a paciência que ele tinha connosco que éramos rapazotes. Foi sempre um homem da Juventude e sempre foi meu amigo.



Foi um grande amigo dos bombeiros e sempre nos ajudou" — concluiu António Machado, na breve alocução durante o almoço de amigos de Mons. Eduardo Melo.

Este grupo de amigos reunia-se uma vez por mês, recordou José Pinto Cardoso, lembrando a todos que "cada um é que sabe quanto deve ao Cónego Melo. Para Mim foi o segundo pai, um conselheiro" desde o momento em que "o encontrei numa altura difícil da minha vida".

Lembrando as palavras de D, Jorge Ortiga, na Eucaristia, José Pinto Cardoso, este empresário assegurou: "quando falo sobre o Cónego Melo, não me ardem os lábios, arde-me o coração" uma vez que "nos ensinou e viveu os bons propósitos e era um homem sério".

Quanto ao resto, "os grandes homens da História sempre tiveram inimigos" — prosseguiu José Pinto Cardoso agradecendo a presença de D. Eurico Nogueira, um dos homens da Igreja que nunca tiveram vergonha de ser amigo do cónego Melo".

José Pinto Cardoso agradeceu a presença de D. Eurico, recordando o momento em que ele se ofereceu para vestir de novo a toga de advogado para defender o Cónego Eduardo Melo, ao contrário de outros bracarenses — na política e na Igreja — que se acobardam quando se fala do Cónego Eduardo Melo".

"Na Igreja, na política, no desporto, ao serviço de Braga ele nunca deixou de ser padre nem de ser homem" — continuou José Pinto Cardoso, concluindo que "ele fez muita falta a todos nós, deixando-nos tão cedo" e "é com grande prazer que me associa a todos aqueles que merecem a sua amizade".

"Aqui, recordou, todos fomos, somos amigos e não temos vergonha de falar do cónego Melo e lembrar o muito que fez pela sua terra, pois ele é um bracarense nascido e criado em Braga, ficando ligado às suas principais instituições"

"Está na hora dos bracarenses acordarem para um gesto de gratidão para com um dos filhos mais ilustres de Braga" — apelou José Pinto Cardoso, concordando com quem diz

que "Braga é Mãe para os que vêm até ela e é madrasta para com os seus. Eu começo a acreditar que é verdade".

José Pinto Cardoso, falava no final aos jornalistas, abordando o tema incontornável da estátua ao Mons. Eduardo Melo, afirmando a sua colocação numa praça de Braga como um "dever dos bracarenses que beneficiaram da sua amizade" sejam eles da política, sejam da sociedade ou da Igreja de Braga.

Os rostos da República de A a Z: Afonso Costa (04)


Que fazer com o poder nas mãos? – eis a terrível angústia dos vencedores, no dia 5 de Outubro de 1910, porque o país não era republicano e na melhor das hipóteses “não passavam de uns cem mil. (...) Os grandes proprietários, os camponeses, os rendeiros, e os trabalhadores não queriam nem podiam ser igualitários e laicos”.

Pior que esta angústia era a inexistência de “pessoal qualificado suficiente para tomar a máquina do Estado” nas suas diversas funções.

Afonso Costa, o político, revela-se como verdadeiro estadista e criador de uma república laica. É uma proeza individual que leva a Igreja a vitimizar-se enquanto a sociedade se resignava... e o Governo se tornava um “ninho de víboras” que Costa contornava, ao apanhar a pasta da Justiça, tornando este ministério a base do novo regime.

Vasta e diversa legislação mostram que Afonso Costa, aos 39 anos, tinha eleito o inimigo principal. Primeiro limpa o seu ministério de “juízes indesejáveis”, usando o limite de idade e criando uma Relação em Goa para onde envia alguns desses magistrados, “sem brincadeiras nem concessões”.

Ordenando a expulsão dos Jesuítas e encerrando conventos, Afonso Costa apenas cumpra decretos pombalinos e no dia 18 de Outubro acabava o julgamento religioso nos tribunais e outros actos oficiais. Para Costa, os jesuítas eram como “membros de uma associação de malfeitores” e “delinquentes” de que o bispo de Beja era o primeiro cartaz.

Afonso Costa mostra-se imparável a legislar, reformando a magistratura, fazendo regressar a liberdade de imprensa e a Lei de Separação entre a Igreja e o Estado mas a lei do divórcio ficava para mais tarde.

Na separação, Afonso Costa esvaziou as competências sociais da Igreja, dando início a uma das mais rudes batalhas entre a República e a Igreja Católica, ao retirar a esta a competência do registo civil (nascimento, casamento e outros), em Fevereiro de 1911.

Os grandes proprietários vêem alterada a lei das rendas, uma medida que fez Afonso Costa captar a simpatia da pequena e média burguesia.
Com o apoio de Teófilo Braga, de Bernardino machado e António Correia Barreto, Afonso Costa impunha a via radical, mas em Dezembro ainda nada estava ganho e o novo ano abria com centena e meia de padres presos e a vandalização de alguns jornais monárquicos.

Afonso Costa apostava tudo de si para conquistar também a liderança do Partido Republicano, quando se falava na divisão do partido em três, os afonsistas, os almeidistas e os camachistas.

As eleições aproximavam-se mas as mulheres não podiam votar e o voto analfabeto perigoso é interdito
Nesta viagem sem regresso da República, Afonso Costa não pode recuar com a lei da Separação, num momento tenso para os católicos, com a publicação da célebre Pastoral Colectiva do episcopado português ao clero e fiéis de Portugal”. Esta Pastoral devia ser lida a 26 de Fevereiro e ia começar o braço de ferro.

Afonso Costa proíbe a leitura do documento dos bispos nas igrejas: o barcelense bispo do Porto, D. António Barroso ousa enfrentar Afonso Costa e pagou caríssimo por esta desobediência.

Chamado a Lisboa é insultado nas ruas pelos apaniguados de Afonso Costa e o encontro com o ministro salda-se pela “destituição do prelado”. Afonso Costa serviu-se de D. António Barroso para mostrar quem mandam em Portugal e que o gesto servisse de lição exemplar para outros. Mas o Bispo barcelense não era um bispo qualquer...

A Lei da Separação é publicada a 20 de Abril, - fez cem anos anteontem - como consumação da profecia de Afonso Costa em 27 de Março: “em duas gerações Portugal terá eliminado completamente o catolicismo” (cf. jornal O tempo, 27.03.1911).

Foi uma autêntica “declaração de guerra” à Igreja Católica” que ficava expropriada de tudo e sujeita financeiramente ao Estado.

Conhecendo o anti-clericalismo popular, num primeiro momento, a Lei da Separação é acolhida com entusiasmo em Porto e Braga que recebe Afonso Costa em triunfo.

Só a Igreja reagiu. E com alguma violência. A luta era agora às claras; em Braga rebentavam distúrbios com as juventudes católicas e parecia o fim dos republicanos... mas era o primeiro passo do percurso de vitória em vitória até ao colapso de 1926.

Os rostos da República de A a Z: Afonso Costa (03)


Em Abril de 1907, João Franco instala a ditadura que dá novo fôlego aos republicanos, numa altura em que Afonso Costa está doente “depois de tantas asneiras, doenças, operações, melhores, enfim me chapei” (cf. Correspondência política...p. 210).

Afonso Costa volta a ser notícia em 28 de Janeiro do ano seguinte quando é preso por envolvimento num golpe revolucionário, juntamente com outros republicanos e progressistas. Três dias depois, o rei assinava a expulsão ou deportação para as colónias por crimes contra os interesses do Estado.

O decreto é “revogado” pelo regicídio no dia seguinte. Um atentado à bala, por republicanos fanáticos, mata o rei D. Carlos e o príncipe herdeiro, D. Luís Filipe. Cinco dias depois, com a monarquia moribunda, Afonso Costa sai da cadeia com muito trabalho pela frente.

Estava disposto a tudo, inclusivamente um duelo com o Conde de Penha Garcia, d onde sai ferido num braço, mas aureolado de coragem e audácia, apesar do duelo estar proibido desde 1886, exprimindo a forma “apaixonada como Costa vivia o debate politico” e em defesa da honra ofendida.

Era “sempre o primeiro, no parlamento, no tribunal e ao soco” — escreveu José de Castro, futuro ministro da República.
Na companhia de Bernardino Machado (na foto), mais distinto, sóbrio e conciliador, procuram adaptar o PRP (Partido Republicano Português) ao reinado de D. Manuel II que tentava renegar a politica do pai sem estender a mão aos republicanos. Os partidos monárquicos não ajudavam à tarefa do jovem rei, devido à sua desagregação responsável pela instabilidade governativa que favorecia os ventos revolucionários.

Costa era o parlamentar que os republicanos precisavam e em 1909, a destruição por dentro, da monarquia correia sobre rodas, ao mesmo tempo que se robustecia o movimento republicano que, em 1910 possuía 130 comissões concelhias, 12 comissões distritais e estava implantado em 238 paróquias.

Os jornais apoiavam as novas ideias estimuladas pela Carbonária Portuguesa que se infiltra no exército e na Armada, apesar da falta de consenso entre os altos dirigentes do PRP.

Afonso Costa começa a inclinar-se para a via revolucionária, afastando-se de Bernardino Machado e aproximando-se da Carbonária que precisava das armas que Bernardino Machado (financeiro do PRP) se recusava a comprar.

Bernardino é destituído das finanças do PRP e a Carbonária consegue as primeiras 600 espingardas e pistolas, na Primavera de 1910.

Um escândalo sexual em Beja, com o bispo, o caso de corrupção Hinton dão a Afonso Costa os temas que inflamam discursos contra a Monarquia e seus apoiantes. Todavia, a revolução não andava com a vertigem que Costa desejava, por causa do desinteresse dos oficiais militares. Cândido dos Reis pressiona Costa a abandonar a aventura revolucionária, com perigo de intervenção estrangeira (inglesa) de apoio à monarquia, mas a Carbonária não desiste.

Afonso Costa vê-se atirado para a via moderada através de uma maior representação dos republicanos no Parlamento num momento em que fica “assustado” com inchaço na laringe.

Regressado de França, curado, Afonso Costa vive intensamente a contagem decrescente da Monarquia, defendendo a integridade física do rei.

Com a revolução em curso, Costa distribui as pastas do Governo provisório, fincando com a da Justiça, entrega os Negócios Estrangeiros a Bernardino Machado e retira o Interior à Maçonaria. Torna-se indiscutível a capacidade de se impor no meio da indefinição dos revolucionários que pegaram em armas sem ter ministros para o Governo. A Revolução do 5 de Outubro não foi obra de Afonso Costa, porque a sua concretizara-se dois dias antes do soar do canhão militar.

Tuesday, March 29, 2011

Matemática e segurança: é muito mais o que as une...


É muito mais o que une a Matemática e a Segurança pública do que aquilo que as separa: eis a principal conclusão do debate realizado sexta-feira à noite no grande auditório do Colégio D. Diogo de Sousa.

No debate organizado pelo Departamento da Matemática e Sociedade Portuguesa participaram o Intendente Pedro Teles (PSP do Porto) e o prof. Nélson Martins (da Universidade Nova de Lisboa).

Pedro Teles começou por dar uma noção rápida das competências e valências da PSP para depois dar alguns exemplos da colaboração que a matemática pode dar para melhorar a eficácia da Polícia, especialmente na prevenção da criminalidade e na gestão dos recursos humanos e equipamentos.

A matemática está presente especialmente na estatística da criminalidade e “era impossível trabalhar na PSP sem ela”.
Depois há a área da balística que assenta toda em fórmulas matemáticas para determinar a posição de tiro e a velocidade dos projécteis.

A mesma presença da Matemática se verifica na investigação criminal e é “graças aos matemáticos que muitas operações complexas são bem sucedidas na investigação criminal”.

O mesmo se diga dos algorítmos utilizados na decifração das impressões digitais, na elaboração de retratos robots e ADN das pessoas. O que levou o Intendente Pedro Teles a concluir que “se não fosse a ajuda da matemática, nós vivíamos, em termos policiais na idade da pedra”.

Por sua vez, Nélson Martins apresentou o seu trabalho de doutoramento que teve como base um projecto matemático para organizar e gerir os giros da PSP em Lisboa.

Especialista na área da Investigação Operacional, Nélson Martins usou modelos estatísticos para simplificar a acção da PSP.
A Investigação Operacional (IO) é uma área multidisciplinar que se desenvolveu a partir da II Grande Guerra Mundial e contribuiu decisivamente para a Inglaterra resistir aos bombardeamentos e bloqueios alemães.

Depois da Guerra, a IO foi aplicada a outros sectores de actividade humana, como a indústria, a logística, rotas de camiões, gestão e planeamento e o seu desenvolvimento foi vertiginoso com, o aparecimento dos computadores.

Com o recurso a algorítmos, a estatística da criminalidade (local, hora e dia da semana), Nélson Martins, socorrendo-se de milhões de variáveis apresentou uma solução para o policiamento (giros) da cidade de Lisboa.

A solução permite poupar meios humanos e equipamentos, definir critérios de patrulha para as ruas com mais crime, através de um grafo constituído por uma rede de ruas.

Criminalidade
está a baixar



Há qualquer coisa que não funciona. O crime desce e as pessoas sentem-se mais inseguras” — lamentou o Intendente Pedro Teles, no final da intervenção no Colégio D. Diogo de Sousa.

Socorrendo-se dos “mais dos números do Porto”, o Intendente argumentou que as cifras negras sempre existiram, mas estatisticamente o crime tem descido.

A explicação pode estar na preocupação de “alguns jornais nacionais com várias páginas só dedicadas ao crime. Se não há inventa-se para vender jornais”.

Depois há o novo fenômeno de divulgar boato na Net, criando-se a sensação de um fenómeno que não corresponde à realidade.

No crime, acrescentou, há variáveis imprevisíveis. Por isso, concluiu, “a matemática ajuda muito mas não resolve todos os problemas da segurança”.

Friday, March 25, 2011

Os rostos da República de A a Z: Afonso Costa (02)

Para Afonso Costa, a República era o “caminho que se abre a todos os povos sem excepção” para sua transformação profunda contra uma Igreja Católica “propagadora de superstição e destruidora da dignidade humana” através da “ascensão das classes trabalhadoras à vida política” (cf. Obras de Afonso Costa, Discurso Parlamentares 1900-1910, Europa-América, 1973, pp. 134-476).

No entanto, a obra republicana só era possível todos os obstáculos ao bom uso da razão, em particular o poder espiritual da Igreja católica, propagadora da superstição, destruidora da dignidade da Humanidade.

No entender de Afonso Costa, a República só tinha sucesso se Portugal se visse livre dessa “desastrada força de retrocesso social, o partido da treva, em que as ideias vivem soturnamente imobilizadas” (cf. idem, ibidem, p.421 e ss.)

Com esta ideia fixa, Afonso Costa via na República um instrumento de mudança social através da ascensão das classes trabalhadoras à vida politica, como acontecia já na Espanha, Itália, Inglaterra e Alemanha. A escola do socialismo integral e o socialismo de Afonso Costa foram devidamente escalpelizados em “A Igreja e a Questão Social” que defendia a nacionalização da riqueza pública “sem abalos nem violências”.

O socialismo de Costa, semelhante a que mais tarde se há-de chamar Social-democracia, só podia resultar do envolvimento de toda a sociedade e não apenas dos trabalhadores.

No entanto, estas ideias socialistas foram minimizadas nos últimos anos da monarquia porque Afonso Costa tinha prioridades e a primeira era a instauração da República, único regime capaz de assegurar as liberdades fundamentais, o poder civil acima de qualquer outro, o sufrágio universal e a justiça social.

Mas os portugueses não estavam preparados para isto, exceptuando a elite lisboeta e Afonso Costa há-de ver-se obrigado a “pôr na gaveta a democracia” para evitar o suicídio politico dos republicanos divididos em vários partidos (1913).

Para salvar alguma coisa, começa com a Lei da Separação da Igreja do Estado que levaria Guerra Junqueiro a proclamar que “a lei é estúpida, dignifica o padre e vai ferir o sentimento religioso do povo português”. Era a luta pela sobrevivência politica de Afonso Costa, encontrando um adversário forte que lhe desse luta e plateia.

A sobrevivência foi aliás a sua primeira luta ao nascer, em Seia, em 1871, “fraco, com escrófulas e achacado” filho de um casal que apenas se formalizou quando Afonso Costa estava criado (1885).

Afonso Costa foi abandonado à nascença e colocado na roda de expostos de Seia porque seu pai, Sebastião da Costa, não quis assumir os filhos à nascença, numa relação nebulosa com Ana, filha de uma tecedeira cega de Gouveia.

Naquele dia 6 de Março surge um tal “Afonso Maria de Ligório, exposto na roda (ou seja, abandonado), o qual foi encontrado por Maria da Assunção, à porta de sua casa” mas Afonso Costa escondeu sempre (enquanto pôde) a sua origem: “não só nasceu de pais incógnitos como também foi exposto”. Foi perfilhado por Sebastião Costa quando tinha dez anos mas o documento já não lhe chama Ligório e a madrinha é uma tal Cândida Lebre, a mesma que recolheu Afonso da roda dos expostos" (cf. Guimarães, Alberto, in A verdade sobre Afonso Costa, Lisboa, 1935, p.24, cit por Barros, Júlia Leitão, in Afonso Costa, Círculo de Leitores, Lisboa, 2002, p. 17).

Estará aqui a justificação para a violenta guerra pela retirada do Registo Civil à esfera do Igreja Católica?

O Afonso Costa, encontrado por Maria da Assunção, à porta de sua casa, teve uma infância “muito religiosa” apesar de ter a “singular mania de dar a comer aos porcos” as Cartilhas de Vintém (das primeiras letras).

A vida de Afonso muda aos nove anos, quando vai viver com os avós maternos, onde é educado pelo padre Ferrão, grande amigo do pai, fazendo dele “grande estudioso”, até aos 12 anos, altura em que vai para a Guarda, vivendo na casa de um amigo do pai, o Veiga, um farmacêutico que animava uma tertúlia crítica dos jesuítas e clericais.

O estudos iam de vento em popa mas acumulava provas de uma rebeldia difícil de domar que o levam para um colégio portuense mas nem aí porque o director do Colégio da Senhora da Glória escreve ao pai: “esgotei todos os meios brandos ao meu alcance sem obter que ele se habituasse à disciplina colegial. De vez em quando esquece-se de tudo e faz disparates” (c.f. A. H . de Oliveira Marques, op. cit. p.79).

Mas faltava pouco tempo para entrar na Universidade de Coimbra onde descobre a politica com o colega António José de Almeida, um quintanista de medicina, na sequencia do ultimatum britânico que obrigava os portugueses a abandonarem as suas pretensões em África.

A cedência do rei D. Carlos era tudo o que os universitários republicanos necessitavam para vir para a rua, com apoio de uma imprensa combativa. O radicalismo varria a academia coimbrã, em 1890, e no ano seguinte falha a primeira tentativa de instauração d regime republicano.



A aventura custou muito caro, pois o movimento apaga-se durante seis anos, interregno aproveitado por Afonso Costa se casar e ser pai. Prepara uma tese de doutoramento sobre “A Igreja e a questão social” que termina em 1895, desmascarando as intenções da encíclica Rerum Novarum que apenas servia para “o papado viver um pouco mais ainda”, impedindo a “marcha da civilização e da ciência combinadas para, pelo socialismo, transformarem melhoradamente a sociedade”, como escreve na sua tese.

No seu entender, a encíclica Rerum Novarum contem “inúteis, inoportunas e perigosas — as doutrinas; egoístas e muito retrógrados — os motivos; incorrecta — a forma; não científica — a ideia”.

Para ele, não havia outro caminho se não “o socialismo, cada vez mais revigorado e grandioso, aí está, brilhante e forte, prometendo salvar a sociedade, do mal do industrialismo”. Esta tese de doutoramento era um projecto politico.

Aos 28 anos é nomeado professor catedrático, consumando uma ascensão fulgurante na academia e uma notável promoção social que os alunos começaram a detestar por ser rigoroso: em 123 alunos apenas 73 foram aprovados, com observação cuidado ao ponto de escrever... fulano “coça no no...”.

É em Coimbra que “exposto de Seis em 1871”, Afonso descobre a política, com uma visão optimista sobre a humanidade apesar de sempre negar que “fosse filho natural, ilegítimo ou de pais incógnitos”.

A sua actividade politica — “comecei a guinchar”, com escreve numa carta à mãe — ressuscita no Parlamento, em 1900, antes de uma vitória dos republicanos nas urnas no mês de Fevereiro.

No Parlamento, Costa, eleito pelo Porto, onde instala consultório, inicia uma intensa actividade — entre derrotas e vitórias — de modo a reanimar o ideal republicano, durante vários meses, à frente do qual acaba por se alcandorar, perante o desânimo e demissão de figuras emblemáticas do PRP que sofre várias derrotas entre 1901 e 1905 que alimentam o seu anticlericalismo.

Em Abril de 1907, João Franco instala a ditadura que dá novo fôlego aos republicanos, numa altura em que Afonso Costa está doente “depois de tantas asneiras, doenças, operações, melhores, enfim me chapei” (cf. Correspondência política...p. 210).

Os rostos da República de A a Z: Afonso Costa (01)



Deixamos uma série de crónicas sobre a implantação da República e iniciamos hoje uma nova série de textos sobre as grandes figuras da República, desde os seus cabouqueiros aos seus presidentes (*).

António Maria Azevedo Machado Santos (1875-1921), oficial da Marinha de Guerra, que liderou os revoltosos em Lisboa com a sublevação, no dia 4 de Outubro de 1910, do quartel de Infantaria 16 e, após a morte de Cândido dos Reis, foi a ponta de um iceberg que começara a emergir na sociedade portuguesa vinte anos antes.

O oficial que comandou das forças na Rotunda, no dia 5 de outubro, coroou um esforço de muitos intelectuais que durante décadas criaram a convicção urbana de que a Monarquia estava a destruir-se por dentro. Para esse movimento contribuí-ram homens como Afonso Costa, o reformador intransigente.

A alcunha de "mata-frades" dada a Afonso Costa pelos seus opositores reflecte bem a intensidade com que este político levou a peito a tarefa de desmontar o poderio da Igreja após o 5 de outubro. Porquê? Há factos biográficos que explicam determinadas ideias políticas e Afonso Costa é paradigmático. Daí que, conhecer os traços biográficos desses expoentes da República se afigure importante para compreendermos estas ou aquelas posições ideológicas ou políticas.

É verdade que a subjugação do país aos interesses coloniais britânicos, os gastos da família real, o poder da igreja, a instabilidade política e social, o sistema de alternância de dois partidos no poder (os progressistas e os regeneradores), a ditadura de João Franco, a incapacidade de acompanhar a evolução dos tempos e se adaptar à modernidade contribuíram para um imparável processo de erosão da monarquia portuguesa do qual os defensores da república, particularmente o Partido Republicano, souberam tirar o melhor proveito (cf. COUTO, Célia Pinto do, ROSAS, Maria Antónia Monterroso, O tempo da história, 3.ª parte, Porto, Porto Editora, 2004, p.124).

Mal assumiu a pasta de ministro da Justiça e Cultos no governo provisório saído da revolução, chefiado por Teófilo Braga, Afonso Costa decidiu-se a concretizar, com uma determinação pessoal que gerou amplo anedotário, um combate sem quartel aos poderes religiosos na política, sociedade, cultura e mentalidade portuguesas.

As ordens religiosas, principalmente os jesuítas, foram encerradas e o ministro em pessoa notabilizou-se pela sua participação nos interrogatórios dos religiosos condenados por não obedecerem às novas regras.

O ensino religioso foi retirado das escolas, o Estado torna-se laico, o juramento de funcionários públicos e militares deixou de ter alusões a Deus, o divórcio foi instituído, o casamento passou a obedecer a registo civil... a sequência de medidas tomadas pelo Governo nos primeiros meses da República é galopante e Afonso Costa foi um dos seus principais construtores.

A convicção anti-clerical deste advogado nascido em Seia em 1871 vinha de longe e já em 1895 atacava violentamente as políticas sociais da Igreja na sua dissertação de doutoramento.

Para trás ficava uma juventude bem sucedida, entre Seia e Coimbra, onde se deixa apaixonar pela actividade política, de tal forma que, a 19 Junho de 1900, quando faz o primeiro discurso no Parlamento marcado por veementes ataques à monarquia, não consegue travar a sua vaidade pessoal e escreve à mulher: “já comecei a guinchar”. Estreava-se o “mais amado e odiado dos políticos republicanos”.

Partimos do princípio de que a vida (biografia) de uma pessoa ajuda a perceber algumas das ideias que as timbram para toda a vida e são a marca de água da história de um país. Melhora prova desta tese – que não tem a ousadia de um doutoramento – é Afonso Augusto da Costa, para além de outros.

O mais amado e odiado dos políticos republicanos possuía tanto de idealismo hegeliano como de patriota camoniano, tudo bem embrulhado em democracia ideal e pragmatismo ditatorial.

Os seus adversários chegaram a dizer que “ele batia na mãe” (cf. RAMOS, JÚLIA LEITÃO, in Afonso Costa, ed. Círculo de Leitores, Lisboa, 2002, p.9). Se esta insinuação é desprovida, ajuda a perceber a radical Lei da Separação da Igreja do Estado que fez vergar a instituição milenar ao poder civil em idade de amamentação.

Menos polémico é conceder que Afonso Costa era um homem de acção dinâmica, apesar de ser tudo o que menos se esperava de um professor catedrático de Direito tão jovem que soube gerir como ninguém os ciclos favoráveis em plena monarquia e na I República, radicalizando os seus ideais ao ponto de justificar a entrada de Portugal na I Guerra Mundial.

Ele possuía a habilidade (de advogado) para a intriga, a táctica suficiente para manipular os bastidores da política e mentir quando era necessário. Para ele ser “popular era ser impotente” e a sua arte era a da persuasão.

Para isso, contava com os seus dotes de oratória. Eram notáveis o seu entusiasmo, o teatralismo e a clareza com que expunha o seu raciocínio sempre com fundamento legal e fervor militante. Acreditava no que dizia e deixava os adversários sentados na dúvida das suas certezas e buscava compromissos a toda a hora, ao ponto de Guerra Junqueira o definir como “um ciclone e um cronómetro” que tinha tanto de perigoso (ciclone) como de admirável (cronómetro) na frieza matemática da decisão tomada.

Era um chefe e está tudo dito... com um sorriso perverso usado como uma arma contra os adversários, como descreveu José Jobim: um “plebeu arrogante”.

Se as cartas para a mãe transpiram alguma sinceridade, deve reter-se que ele tinha orgulho “em sentir que os meus actos hão-de ser aprovados e louvados pelo povo português, agora e na história, mas tudo eu trocaria pela certeza de que Portugal era feliz. Quer dizer – escreve ele à mãe, em 1910, - para ser feliz o meu país, eu condenar-me-ia, de bom grado à perpétua mediocridade, ao silêncio profundo dos contemporâneos e dos vindouros” (cf. Correspondência Política de Afonso Costa, reunida por A. H. Oliveira Marques).

Para Afonso, a República era um dogma. Uma prisão para um optimista inveterado ou não tivesse ele uma cultura académica bebida no positivismo de Auguste Comte que profetizou o fim inevitável de todos os regimes absolutistas (católicos).

A República era o “caminho que se abre a todos os povos sem excepção” para sua transformação profunda contra uma Igreja Católica “propagadora de superstição e destruidora da dignidade humana” através da “ascensão das classes trabalhadoras à vida política” (cf. Obras de Afonso Costa, Discurso Parlamentares 1900-1910, Europa-América, 1973, pp. 134-476). E deixamos aqui um bom mote para a próxima: o rosto socialista da República.

*Nota: imagem extraída de Ventura, António, Os postais da Primeira República, Edições Tinta da China, 2010, p. 101.

Wednesday, February 2, 2011

Cem anos de República no Minho (fim)


A última crónica sobre o centenário da República não pode terminar com uma descoberta resultante das leituras em que tropeçámos ao longo destas semanas: o jornal Correio do Minho tem mais de cem anos.

Esta certeza desmonta todas as escritas feitas até hoje, incluindo por nós próprios. No dia 6 de Julho de 1926 aparece um diário em Braga com o nome do jornal que “anos antes surgira vinculado ao Partido Progressista e que agora renasce noutro contexto” — escreve Amadeu José Campos Sousa in “Braga no entardecer da Monarquia ao tempo da 1.ª República (1890-1926), Casa do Professor, Braga, 2004, p. 208.

O esse jornal é “Correio do Minho”, cuja data de fundação tem vindo a ser celebrada é 6 de Julho de 1926.

A partir desta nota de rodapé — sem a sagacidade técnica de um historiador que não somos — verifica-mos que o nome “Correio de Braga” surgiu em 1890 e terá sido um jornal que durou pouco tempo.

O nome “Correio do Minho” aparece associado ao Partido Progressista que dominava o círculo eleitoral de Braga desde 1897 e é perfeitamente natural que tivesse um meio de comunicação social que divulgasse as suas propostas políticas e as figuras proeminentes.

Um meio
do Partido
Progressista


A última década do século XIX é dominada em Braga pelo Partido Progressista (cf. Commercio do Minho,n.º 3401, de 10/12/1895) que retoma o poder em Braga nos anos 1898 a 1905, coincidindo com o poder em Lisboa.

Sabe-se que quem liderava o Partido Progressista eram proprietários, comerciantes, industriais, financeiros ou profissões liberais que dominavam a Associação Comercial, o Banco do Minho, o Ateneu Comercial, a Companhia de Seguros Fraternidade, e alguns padres, sob a liderança do Conde de Carcavelos (cf. Amadeu Sousa, in op. cit. p. 81-83) em substituição do Visconde da Torre (que se mudara para os Regeneradores).

Há referências ao jornal Correio do Minho, ligado ao Partido Progressista nos anos 1902 até 1907, no auge do domínio daquele partido em Braga. Este partido sofre uma cisão em 1897 e cria o seu jornal “O Progressista”.

A divisão deve ter acelerado a morte deste jornal e do “Correio do Minho” porque, em 1910, Braga possuía seis semanários, um bissemanário e um trissemanário, mas já não existe nem “O Progressista” nem o “Correio do Minho” (cf. Zara Coelho, in A Implantação da República na Imprensa de Braga, Lisboa, 1990, p. 100-120).


Sabe-se que o jornal “Correio do Minho” existiu — como bissemanário? — entre 1902 e 1907, ano em que se extinguiu — ao serviço do Partido Progressista e o seu nome (fresco na memória de Álvaro Pipa, militante daquele Partido) é repescado em 1926 por este farmacêutico da Rua do Souto.

O Chefe de Redacção do jornal Diário do Minho era assumidamente antifascista. Com a revolução de 28 de Maio de 1926, os administradores do Diário do Minho — a empresa Minho Gráfico — demitem-no a 3 de Julho.

O Director Álvaro Pipa, durante dois anos, já se tinha demitido no dia 2 de Junho: “saio pela porta. Pela janela não, porque não sou nem nunca fui acrobata".

No dia 3 de Julho de 1926, Constantino Ribeiro Coelho (chefe de redacção) proclama solidariedade com o Director e é acompanhado por três jornalistas (Bento Miguel Costa, Theotónio Gonçalves e Joaquim d’Oliveira Costa (cf. Amadeu José Campos de Sousa, op. cit. p. 208).

Três dias depois ressuscitava o jornal Correio do Minho...