Chegamos ao momento do
descrédito total do “príncipe” da Igreja em Portugal. Nem Salazar estava a seu
lado, como se vê na inauguração do Monumento a Cristo Rei, em 1959, enviando Américo Tomás, a quem ordena discrição nas cerimónias.
O silêncio do Cardeal
Gonçalves Cerejeira, face às atrocidades do regime salazarista, tornou-se
“ensurdecedor e até cúmplice do regime" quando, ao chegar à fronteira de
Valença, a 18 de Outubro de 1960, o bispo do Porto foi impedido pela PIDE de
entrar no país, iniciando um longo exílio de dez anos.
Dos raros prelados que
reagiram a esta afronta salazarista, salva-se Alves de Pinho que encoraja
Cerejeira a “encabeçar um movimento de protesto de todos os bispos portugueses em
defesa” do bispo banido. O pedido do Arcebispo de Luanda ficou sem resposta.
O ano seguinte é
descrito como o “annus horribilis” para Salazar e o regime, com o desvio do
paquete Santa Maria por um comando oposicionista, o início da guerra colonial
em Angola, a invasão e anexação de Goa, Damão e Diu pela Índia e a tentativa de
assalto ao quartel de Beja no fim do ano.
No decurso da campanha
eleitoral para a Assembleia Nacional, em 1961, dois católicos de renome
concorrem pelas listas da Oposição – Lino Neto e António Alçada Baptista – e o
episcopado emite uma nota dando apoio indirecto às listas da União Nacional e
lembrava que não era lícito aos católicos “votar nos comunistas” porque traíam
as “suas responsabilidades”.
Intensa agitação
estudantil se regista em Lisboa e Coimbra e um quartanista de direito é eleito
para a presidência do CADC que Cerejeira fundara. O regime pressiona o bispo de
Coimbra para não validar a eleição mas este, aconselhado por Eurico Dias
Nogueira, actual Arcebispo Emérito de Braga, respeita a vontade das maiorias.
O Cardeal não escondia a
preocupação com a “crescente atracção que o comunismo exercia sobre muitos
militantes católicos, desesperados com as injustiças sociais e a ausência de
liberdade do Estado Novo”.
Numa tentativa de equidistância, o Cardeal
Cerejeira, depois de atacar à esquerda, assestou baterias sobre a direita,
condenando certo anticomunismo “por defender privilégios e combater o comunismo
não tanto pelos seus erros, como pelas duas verdades e concordando com os críticos
da economia liberal e da miséria imerecida” – expressão de Ferreira Gomes - dos
trabalhadores” (cf. NOGUEIRA, Eurico Dias, “Louvor e sufrágio por um lousadense
ímpar”, in Lusitania Sacra, p. 233.).
Aquele que um dia
desabafou que “o rio Ave passara por Lousado só para me saudar quando nasci” é
chamado a participar, em 1962, na abertura do Concílio Vaticano III liderando
uma representação portuguesa conservadora, em que "Sebastião de Resende,
Ferreira Gomes mostraram posições mais abertas ou, como Eurico Nogueira e
Vieira Pinto, atitudes mais progressistas” (cf. NOGUEIRA, Franco, in Salazar,
Atlântida Editora, Coimbra, Vol. V, pp. 429-444).
Salazar não escondia a
sua preocupação, especialmente com a encíclica Pacem in Terris, de Abril de
1963, que abria largas perspectivas ao progressismo, que ele definiu como um
“desatino”. Uma intervenção cirúrgica retém Cerejeira em Portugal, após a morte
do Papa João XXIII, em Junho, mas não o impede de emitir uma nota pastoral
contra o monopólio educativo do Estado, relembrando que o sistema escolar
português estava longe de dar cabal cumprimento aos princípios constitucionais
e concordatários de liberdade de ensino.
Neste documento rebate
as acusações crescentes de que a Igreja apenas se preocupa com os filhos dos
ricos mas novo problema estala nas relações entre Cerejeira e Salazar: o papa
Paulo VI anuncia uma visita à Índia, para o presidir ao Congresso Eucarístico
de Bombaim e não exclui uma visita a Goa. O Papa enfurece Salazar que ameaça
Cerejeira de denunciar a Concordata.
Assustado, o cardeal
encontra-se duas vezes com o Papa que, por fim, lhe assegura não ir a Goa nem
desejar que a viagem fosse considerada um acto menos amistoso para Portugal.
Salazar sossega mas mandatou Franco Nogueira para dizer ao Núncio Apostólico em
Lisboa, “de uma maneira brutal”, “esperar morrer sem ver no país um Papa que
tanto agravara Portugal”.
O recado do ministro
deixou o Papa magoado e os bispos portugueses sentiram-se consternados, quando
ainda se encontravam no Concílio, enquanto a censura dava ordens para não
deixar publicar qualquer menção à visita do Papa à Índia, o que leva António
Ribeiro, colaborador religioso da RTP, mais tarde Patriarca, deixar a estação
ao ser-lhe vedada a realização de um programa sobre o acontecimento.
A censura cortou o
discurso do Papa no jornal católico Novidades e ameaçou suspender o
jornal. Estas proibições foram secundadas por Cerejeira “sob pena do governo
cortar relações com a Santa Sé”.
Quinze padres de Setúbal não aceitaram o
recado do Cardeal e em Évora quatro foram presos pela PIDE.
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