Monday, September 17, 2012

Os rostos da República: Manuel Cerejeira (03)


A assistência religiosa aos soldados na frente de guerra foi uma bandeira, em 1917, liderada por Cerejeira.

É um ano grandioso para os católicos, com as aparições de Fátima, e de grande excitação, com a revolta de Sidónio Pais.
Sidónio é recebido em Coimbra por uma comissão da qual faz parte Oliveira Salazar e no jantar compareceu também Manuel Cerejeira.

Percebe-se desta profunda amizade de juventude que Cerejeira sempre tenha recusado qualificar de totalitário o regime, realçando antes o facto deste, através da Constituição de 1933, reconhecer à Igreja e às famílias um espaço de actuação na educação.

Em 1918, Cerejeira doutorou-se em Ciências Históricas e Geográficas, com uma dissertação sobre Clenardo – uma vítima da Inquisição - e o Renascimento em Portugal que obteve vinte valores, tendo um dos membros do júri sublinhado o “talento Formosíssimo e brilhante, a vastidão dos seus conhecimentos, o seu espírito científico, superiores qualidades de método e exposição”.

Com Sidónio, a questão religiosa é atenuada, com regresso dos bispos exilados e reatamento das relações com o Vaticano.
Cerejeira prepara-se para ser professor na área do seu doutoramento, usando-a para legitimar o papel universal e nacional da Igreja pelo que o homem moderno não devia adorar o Estado, a raça, a nação ou classe. Aquilino Ribeiro, António Sérgio ou Ferreira de Castro contam-se entre os seus admiradores e Fernando Namora chegou a descrevê-lo como “homem de letras de alta estirpe” com um “temperamento receptivo à novidade”.

No entanto, Namora distingue as duas fases da vida de Cerejeira, a “do jovem brilhante universitário de Coimbra” e a “do intelectual revestido de pesadas funções de cardeal de Lisboa”, num período de comprometimento com a ditadura, com “rumores de divergências crescentes” entre o guia da Igreja e o Chefe de Estado Novo (cf.  Moreira das Neves, in “Sentados na Relva”).

Nesta altura, Cerejeira e Salazar continuavam a viver e a almoçar muitas vezes juntos, notando-se cada vez mais a diferença de temperamentos. À simpatia, alegria e sentimento do primeiro, o segundo respondia com dureza, sobriedade e organização reservada e fria.

Cerejeira dizia que Salazar “tinha durezas joaninas (D. João II) e fraquezas femininas” enquanto o segundo o definia como “um bárbaro literário”.

Em 1925, ambos integram a direcção coimbrã do Centro Católico Português que consegue eleger quatro deputados aquando da renúncia de Manuel Teixeira Gomes, que abre caminho à intentona organizada a partir de Braga, pelo Marechal Gomes da Costa, para impor a ditadura e extinguir a I República.

O Patriarcado de Lisboa foi envolvido no golpe e o CCP começa a colaborar com a ditadura, enquanto Cerejeira se dedicava a uma produtiva fase de investigação histórica e publicava uma das suas obras mais emblemáticas “A Igreja e o pensamento contemporâneo”, uma tentativa de reconciliar a ciência com a religião.

Dois anos depois, ele e Salazar, trocam Coimbra por Lisboa, para iniciar a “época de ouro” das suas vidas.

Quem sou eu? De mim não sou nada; e se tirardes o que Deus na sua misericórdia pôs em mim, só encontrareis de próprio o pecado. Mas, se olhais à obra da graça em mim, reconhecereis que sou o novo Apóstolo que vos é enviado em nome do Senhor, ao qual foi dada a missão de governar a sua Igreja”, em Portugal. Estas palavras  destacam-se da sua primeira saudação ao clero e fiéis de Lisboa, em 1930.

A ditadura tinha satisfeito os católicos ao separar os sexos nas escolas e assinar acordo com Vaticano referente ao Padroado no Oriente. Cerejeira tinha 40 anos e era o quase patriarca mais jovem na história de Lisboa. É Cerejeira quem pressiona Salazar a aceitar o cargo de ministro das Finanças em Abril de 1928, deixando assim “rebentar o vulcão de ambições” e “ser útil à Igreja”.

Cerejeira lembra a Salazar que ele está no posto de ministro como “emissário dos amigos de Deus” e felicita-o quando ele apresenta o seu primeiro orçamento para 1929.

No comments: