Monday, September 17, 2012

Os rostos da República: Manuel Cerejeira (06)


A campanha eleitoral, em 1945, com a participação de católicos no Movimento de Unidade Democrática (MUD) marca o começo de mudança na imagem de Cerejeira que começa a ser acusado de “amarrar a barca de Cristo à barca de César”.

Cerejeira sente-se obrigado a vir dizer que a Igreja “estava acima e fora da política concreta de regimes, sistemas, governos, partidos, programas, pessoas enquanto estes respeitem a liberdade da Igreja e os princípios fundamentais da ordem moral, social e política”.

O Estado Novo não atentava contra o altar e esta atitude gerou críticas de ambos os lados, especialmente o MUD porque ele não criticava o Governo e omitia a falta de liberdades e a miséria em que viviam os trabalhadores.

Cerejeira há-de recordar dez anos depois os desgostos dos anos quarenta. Um dos casos foi o movimento pacifista Metanóia, no qual estiveram activos os irmãos Sá da Costa e o padre Joaquim Alves Correia, autor de um artigo censurado e de um livro. Cerejeira desautorizou o livro e calou-se quando o autor foi forçado ao exílio, em 1946.

Também a atitude do seu amigo Francisco Veloso e do padre Abel Varzim, assistente da LOC, não deixaram de marcara o Cardeal. A intervenção de Cerejeira nas eleições de 1946 desagradou a Salazar que recusou ir a Fátima.

Também a reforma da educação primária e secundária arrefeceu as amizades entre os dois num momento em que aparece na cena política portuguesa o Partido Comunista Português. Em 1947, Álvaro Cunhal piscava o olho aos trabalhadores católicos mas condenava a Hierarquia pelo apoio quedava ao regime e mandatar o clero a pregar “o ódio aos comunistas” e se colocar ao lado do Estado Novo, “um cardeal milionário, com acções na Mabor, sempre ao serviço dos ricos, querendo falsamente fazer-se passar por pobre” (cf. Arquivo da PIDE/DGS.)

A Acção Católica começava a distanciar-se do regime e a denunciar a precária situação dos trabalhadores, com o Padre Abel Varzim a insurgir-se contra “o abandono por parte do Estado dos operários à avidez de muitos miseráveis patrões”.

O seu jornal “O Trabalhador” era extinto em 1948 e o padre Abel Varzim é afastado dos cargos que ocupava. Cerejeira abandonava o padre crítico avisando os militantes da Acção católica que não lhes cabia lutar pela emancipação total da classe operária.

Começava aqui o afastamento crescente entre a Igreja e os trabalhadores “tocados pelo fermento revolucionário” e as acusações de comprometimento da Igreja com o Estado não cessavam de crescer, mesmo no seio dos católicos, entre os quais se contavam Orlando de Carvalho, do CADC de Coimbra.

Fazendo passar a ideia de que Norton de Matos era anticlerical, o Estado Novo consegue novo fôlego nas presidenciais de 1949. Calando a oposição através da Censura, Cerejeira refugia-se dentro da Igreja e só voltou a falar da política na ocupação indiana de Goa, Damão e Diu. Os problemas da Igreja nas Colónias ou dos movimentos operários tiveram a indiferença como resposta do Cardeal... que ia perdendo qualquer autoridade moral diante dos portugueses e dos católicos insatisfeitos com o endurecimento do velho regime, durante a década de 50.

Impondo Fátima ao país, cultivando a pompa e circunstância, satisfazendo o seu apetite por longas viagens, aquele que tinha sido uma referência dos portugueses contra os apetites vorazes do regime caíra em progressiva decadência...ostentada em miríades de sessões solenes banais e encenadas para amortecer a queda do regime.
Anunciava-se um ano de 1958 de verdadeira crise para a Igreja portuguesa, com o abalo causado pela campanha do general Humberto Delgado que aglutinou à sua volta muitos católicos que se ergueram contra este Estado Novo.


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