Terminamos a última
crónica, introduzindo a ideia de que o ano de 1958, com o regime abalado pelo
“terramoto delgadista” nas eleições presidenciais, constituiu um alçapão para a
credibilidade da Igreja Portuguesa, liderada pelo Cardeal Conçalves Cerejeira.
Muitos católicos
ergueram-se contra a Igreja e o regime de Salazar percebia que se quebrara a
“frente nacional” em que se alicerçava o regime. A fraudulenta derrota de
Humberto Delgado mostrou a evolução da sociedade portuguesa urbanizada e
industrializada que corroera a base rural maioritária de Portugal tradicional e
católico.
Em pena campanha
eleitoral, 28 católicos, entre os quais o presidente e vice-presidente da
Juventude Universitária Católica (JUC), dinamizadas por Cerejeira, ergueram-se
contra a censura que impedia a publicação de textos sobre as relações pouco
evangélicas entre a Igreja e o regime de Salazar. Essa censura contribuiu para
uma “completa falta de esclarecimento doutrinário de grande parte dos nossos
católicos” – defendeu o censurado e preso Francisco Lino Neto.
Este católico foi
transformado em ícone por uma fotografia onde surgia coberto de sangue após a
PIDE reprimir os apoiantes de Delgado na Estação de Santa Apolónia. Outros
católicos, como Alçada Baptista, Francisco Sousa Tavares e Sophia de Mello
Breyner Andresen apoiaram a candidatura do General Sem medo, dando origem ao
movimento dos católicos progressistas liderados por Bénard da Costa, presidente
da JUC, entre outros grandes pensadores e criadores do século XX português.
O regime não recupera do
grande susto quando o bispo do Porto, Ferreira Gomes, envia a Salazar um
pró-memória onde formula críticas ao Estado Novo. Delgado escreve a Cerejeira a
pedir que intervenha contra a “burla eleitoral” e a ausência de liberdades para
os católicos, recebendo como “resposta apenas o silêncio” (cf. PIMENTEL, Irene
Flunser, in Cardeal Cerejeira, Ed. Círculo de Leitores, Lisboa, 2002, pp.154 a
160).
Mas há um facto que não
deixa calado Cerejeira, quando um militante comunista, Raul Alves, se suicida
ao lançar-se do terceiro andar da sede da PIDE, em Lisboa.
A embaixatriz do
Brasil denunciou a Cerejeira este caso e os “gritos aflitivos a que ela
assistia”, pois morava em frente à sede da Polícia Política. Cerejeira aceitou
as “mentiras” oficiais: “tratara-se de uma tentativa de fuga e a única culpa da
PIDE era a de não ter exercido a suficiente vigilância sobre o preso por se
tratar de um comunista de baixa categoria”.
São alguns dos exemplos
– como pedido de amnistia para Raul Rego. Em 1968 – que foram empolados pelos
seus biógrafos para demonstrar uma não fundamentada preocupação quanto aos
presos políticos porque a prova da verdade estava para chegar: um capelão da
Armada, implicado no golpe da Sé, em 1959, é entregue por Cerejeira. Ou seja, O
cardeal colaborava com a PIDE mesmo que a repressão atingisse os “seus padres”.
O pior é que o Cardeal
não podia ignorar o que se passava na PIDE, tendo sido informado pela própria
sobrinha, presa em 1963, que os “detidos eram sujeitos a tortura do sono e se
ouvia à noite pancadas, gritos e corpos a cair” (cf. Arquivo da PIDE/DGS, pc.
do GT n.º 688. Cerejeira soube do padre que enviou à prisão de Caxias para
visitar a sobrinha que "os presos políticos não eram tratados com tolerância,
humanidade nem de maneira cristã”.)
Outra postura lamentável
de Cerejeira foi a sua postura face à Censura, uma vez que a Concordata não
permitia que a imprensa Católica a ela ficasse sujeita. NO entanto, o Estado
violou várias vezes esse acordo internacional, como aconteceu com o Bispo da
Beira ou o processo dos Bairros de Lata.
O Bispo do Porto,
Ferreira Gomes, desabafou que o Patriarca tenha colaborado com a censura ao
rejeitar um pedido de publicação de um esclarecimento, no “Novidades”, sobre a
recusa de uma audiência solicitada em nome da Campanha de Delgado.
É nesse ano que aparece
o célebre discurso jubilar em Coimbra em que o antigo professor condena os
“cristãos que punham máscaras a desfigurar o rosto autêntico do cristianismo, acrescentando-lhe
etiquetas". Afirmava-se a dissidência dos “católicos progressistas”, tema de
violenta crítica de Salazar numa Intervenção das Nações unidas, em Dezembro de
1958.
Nessa intervenção,
Salazar ameaça romper com a Concordata à qual os bispos respondem que a "hierarquia sempre dera provas de respeito pelas autoridades públicas mas, que,
como cidadãos, os leigos eram livres de optar por qualquer actuação no plano
político, económico, social ou cultural”.
Esta posição dos bispos
portugueses anima os leigos católicos e alguns padres que não se revêem nas
ideias de Cerejeira e origina a célebre carta “As relações entre a Igreja e o
Estado e a Liberdade dos Católicos”.
Os autores – Abel
Varzim, Silva Botelho, Teixeira da Fonte, Perestrelo, Costa Pio, etc. – foram
reprimidos pelo regime, perante o silêncio do Patriarca. Tinham sido
assassinados, no Porto, dois opositores, pela PIDE que perseguiu os autores do
texto.
É o início do seu
descrédito total. Nem Salazar estava a seu lado, como se vê na inauguração do
Monumento a Cristo Rei, em 1959, enviando a “marioneta” Américo Tomás, a quem
ordena discrição nas cerimónias.
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