Para Afonso Costa, a República era o “caminho que se abre a todos os povos sem excepção” para sua transformação profunda contra uma Igreja Católica “propagadora de superstição e destruidora da dignidade humana” através da “ascensão das classes trabalhadoras à vida política” (cf. Obras de Afonso Costa, Discurso Parlamentares 1900-1910, Europa-América, 1973, pp. 134-476).
No entanto, a obra republicana só era possível todos os obstáculos ao bom uso da razão, em particular o poder espiritual da Igreja católica, propagadora da superstição, destruidora da dignidade da Humanidade.
No entender de Afonso Costa, a República só tinha sucesso se Portugal se visse livre dessa “desastrada força de retrocesso social, o partido da treva, em que as ideias vivem soturnamente imobilizadas” (cf. idem, ibidem, p.421 e ss.)
Com esta ideia fixa, Afonso Costa via na República um instrumento de mudança social através da ascensão das classes trabalhadoras à vida politica, como acontecia já na Espanha, Itália, Inglaterra e Alemanha. A escola do socialismo integral e o socialismo de Afonso Costa foram devidamente escalpelizados em “A Igreja e a Questão Social” que defendia a nacionalização da riqueza pública “sem abalos nem violências”.
O socialismo de Costa, semelhante a que mais tarde se há-de chamar Social-democracia, só podia resultar do envolvimento de toda a sociedade e não apenas dos trabalhadores.
No entanto, estas ideias socialistas foram minimizadas nos últimos anos da monarquia porque Afonso Costa tinha prioridades e a primeira era a instauração da República, único regime capaz de assegurar as liberdades fundamentais, o poder civil acima de qualquer outro, o sufrágio universal e a justiça social.
Mas os portugueses não estavam preparados para isto, exceptuando a elite lisboeta e Afonso Costa há-de ver-se obrigado a “pôr na gaveta a democracia” para evitar o suicídio politico dos republicanos divididos em vários partidos (1913).
Para salvar alguma coisa, começa com a Lei da Separação da Igreja do Estado que levaria Guerra Junqueiro a proclamar que “a lei é estúpida, dignifica o padre e vai ferir o sentimento religioso do povo português”. Era a luta pela sobrevivência politica de Afonso Costa, encontrando um adversário forte que lhe desse luta e plateia.
A sobrevivência foi aliás a sua primeira luta ao nascer, em Seia, em 1871, “fraco, com escrófulas e achacado” filho de um casal que apenas se formalizou quando Afonso Costa estava criado (1885).
Afonso Costa foi abandonado à nascença e colocado na roda de expostos de Seia porque seu pai, Sebastião da Costa, não quis assumir os filhos à nascença, numa relação nebulosa com Ana, filha de uma tecedeira cega de Gouveia.
Naquele dia 6 de Março surge um tal “Afonso Maria de Ligório, exposto na roda (ou seja, abandonado), o qual foi encontrado por Maria da Assunção, à porta de sua casa” mas Afonso Costa escondeu sempre (enquanto pôde) a sua origem: “não só nasceu de pais incógnitos como também foi exposto”. Foi perfilhado por Sebastião Costa quando tinha dez anos mas o documento já não lhe chama Ligório e a madrinha é uma tal Cândida Lebre, a mesma que recolheu Afonso da roda dos expostos" (cf. Guimarães, Alberto, in A verdade sobre Afonso Costa, Lisboa, 1935, p.24, cit por Barros, Júlia Leitão, in Afonso Costa, Círculo de Leitores, Lisboa, 2002, p. 17).
Estará aqui a justificação para a violenta guerra pela retirada do Registo Civil à esfera do Igreja Católica?
O Afonso Costa, encontrado por Maria da Assunção, à porta de sua casa, teve uma infância “muito religiosa” apesar de ter a “singular mania de dar a comer aos porcos” as Cartilhas de Vintém (das primeiras letras).
A vida de Afonso muda aos nove anos, quando vai viver com os avós maternos, onde é educado pelo padre Ferrão, grande amigo do pai, fazendo dele “grande estudioso”, até aos 12 anos, altura em que vai para a Guarda, vivendo na casa de um amigo do pai, o Veiga, um farmacêutico que animava uma tertúlia crítica dos jesuítas e clericais.
O estudos iam de vento em popa mas acumulava provas de uma rebeldia difícil de domar que o levam para um colégio portuense mas nem aí porque o director do Colégio da Senhora da Glória escreve ao pai: “esgotei todos os meios brandos ao meu alcance sem obter que ele se habituasse à disciplina colegial. De vez em quando esquece-se de tudo e faz disparates” (c.f. A. H . de Oliveira Marques, op. cit. p.79).
Mas faltava pouco tempo para entrar na Universidade de Coimbra onde descobre a politica com o colega António José de Almeida, um quintanista de medicina, na sequencia do ultimatum britânico que obrigava os portugueses a abandonarem as suas pretensões em África.
A cedência do rei D. Carlos era tudo o que os universitários republicanos necessitavam para vir para a rua, com apoio de uma imprensa combativa. O radicalismo varria a academia coimbrã, em 1890, e no ano seguinte falha a primeira tentativa de instauração d regime republicano.
A aventura custou muito caro, pois o movimento apaga-se durante seis anos, interregno aproveitado por Afonso Costa se casar e ser pai. Prepara uma tese de doutoramento sobre “A Igreja e a questão social” que termina em 1895, desmascarando as intenções da encíclica Rerum Novarum que apenas servia para “o papado viver um pouco mais ainda”, impedindo a “marcha da civilização e da ciência combinadas para, pelo socialismo, transformarem melhoradamente a sociedade”, como escreve na sua tese.
No seu entender, a encíclica Rerum Novarum contem “inúteis, inoportunas e perigosas — as doutrinas; egoístas e muito retrógrados — os motivos; incorrecta — a forma; não científica — a ideia”.
Para ele, não havia outro caminho se não “o socialismo, cada vez mais revigorado e grandioso, aí está, brilhante e forte, prometendo salvar a sociedade, do mal do industrialismo”. Esta tese de doutoramento era um projecto politico.
Aos 28 anos é nomeado professor catedrático, consumando uma ascensão fulgurante na academia e uma notável promoção social que os alunos começaram a detestar por ser rigoroso: em 123 alunos apenas 73 foram aprovados, com observação cuidado ao ponto de escrever... fulano “coça no no...”.
É em Coimbra que “exposto de Seis em 1871”, Afonso descobre a política, com uma visão optimista sobre a humanidade apesar de sempre negar que “fosse filho natural, ilegítimo ou de pais incógnitos”.
A sua actividade politica — “comecei a guinchar”, com escreve numa carta à mãe — ressuscita no Parlamento, em 1900, antes de uma vitória dos republicanos nas urnas no mês de Fevereiro.
No Parlamento, Costa, eleito pelo Porto, onde instala consultório, inicia uma intensa actividade — entre derrotas e vitórias — de modo a reanimar o ideal republicano, durante vários meses, à frente do qual acaba por se alcandorar, perante o desânimo e demissão de figuras emblemáticas do PRP que sofre várias derrotas entre 1901 e 1905 que alimentam o seu anticlericalismo.
Em Abril de 1907, João Franco instala a ditadura que dá novo fôlego aos republicanos, numa altura em que Afonso Costa está doente “depois de tantas asneiras, doenças, operações, melhores, enfim me chapei” (cf. Correspondência política...p. 210).
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