Tuesday, May 14, 2013

Os Rostos da República: Fernando Pessoa (03)



Em Fernando Pessoa encontramos uma das mais belas definições do artista, ou seja, “aquele que exprime o que não tem” ou aquele que “exprime o que sobrou do que teve”. Fernando Pessoa tinha ideias políticas e religiosas – muitas delas defendidas com ardor, mas a Verdade e a Vida eram o fogo que inspirava a sua obra e que esta, por sua vez, buscava.

Fernando Pessoa, retratado acima por Felizardo Cartoon, afirma-se assim como um “polemista apaixonado” que era frequentemente “as duas coisas em simultâneo” ou não tivesse ele escrito, em Aniversário, em 1930: “no tempo em que festejavam o dia dos meus anos, eu era feliz e ninguém estava morto”.

Ele chegou a defender, com argumentos imbatíveis posições políticas ou teorias improváveis ou que não compartilhava, quanto mais não fosse “pelo prazer de errar”.

Sou um pobre recortador de paradoxos, mas possuo a qualidade de arranjar argumentos para defender todas as teorias, mesmo as mais absurdas” – dizia ele, em 1916. O melhor exemplo é “O banqueiro anarquista”, segundo o qual, o banqueiro, "na sua busca de liberdade é o verdadeiro anarquista”. 

Questionava assim, de forma corrosiva a viabilidade e a sinceridade dos princípios anarcas.

Para os saudosos da monarquia, Pessoa apoiava-os num dia e no dia seguinte troçava deles. Era a forma que encontrara para se exprimir contra o governo que estivesse no poder.

Foi antimonárquico até à medula, enquanto existiu rei e depois tornou-se um crítico severo da República que não lhe parecia muito melhor. Talvez por isso, ele é um dos mais fervorosos apoiantes do caminhense Sidónio Pais, apenas depois de ter sido assassinado, em 1918.

Manda a verdade dizer – ou agora se percebe – que Fernando Pessoa nunca se pronunciou contra a ditadura militar instaurada em 1926 e depositou algumas esperanças em António Oliveira Salazar, enquanto ministro das finanças.
Em 1935 torna-se “resolutamente antifascista, quando se apercebeu dos fortes limites à expressão individual impostos pelo Estado Novo” (cf. ZENITH, Richard, in op. cit. pp. 11 a 15).
Pessoa, fossem quais fossem as mudanças políticas, sempre defendeu o direito do indivíduo a exprimir-se livremente, na palavra escrita e falada e no próprio estilo de vida, sendo bastante avançado para o seu tempo.

É essa postura que o leva a reeditar Canções, do assumidamente homossexual António Botto, ou então Sodoma Divinizada, do ainda mais assumido e ousado Raul Leal.

Quando um grupo de estudantes conservadores lançou uma campanha contra a “literatura de Sodoma”, provocando a apreensão dos dois livros pela polícia, Pessoa contra-ataca com duas folhas volantes em que criticava a pretensa moral dos estudantes e defendia com paixão os seus autores.

Ao contrário do seu amigo e vanguardista Almada Negreiros, Pessoa não gostava de afrontar os burgueses com roupas ou atitudes extravagantes ou actos chocantes, pois preferia aparecer através da palavra escrita.

O escândalo e a polémica eram o seu deleite, ao ponto de o terem apelidado de literato do manicómio. Com o nome de Álvaro de campos, em 1917, publica um manifesto “MERDA” em que atacava o governo português e os outros aliados como os alemães.

Pessoa protagonizou uma série de controvérsias e acontecimentos que deram origem a notícias mais ou menos sensacionalistas. Muitos levavam à letra tudo o que Pessoa dizia e escrevia, nunca percebendo o espírito deste criador-fingidor.

A repartição da sua obra por vários seres inventados começou com uma brincadeira de infância e os heterónimos mostram que Pessoa, de certa maneira, nunca quis crescer.

Preferiu “evitar responsabilidades, brincar, experimentar, imaginar, fazer de conta isto ou aquilo, não sendo de facto um homem normal e adulto como os outros” (cf. ZANITH, Richard, in op.cit, p. 15). Ou não? Ele nascera já adulto, "com precoce ambição literária, um forte sentimento patriótico e a assumida missão de ajudar a sua pátria amada através do seu dom da palavra”? (cf. IDEM, Ibidem).

De facto, ele queria ensinar e incutir cultura entre os compatriotas, ajudando-os a possuir “convicções profundas” que só as têm as “criaturas superficiais”. “Os que não reparam para as coisas são sempre da mesma opinião, são os íntegros e os coerentes. A política e a religião gastam dessa lenha e é por isso que ardem tão mal ante a Verdade e a Vida” – escreveu ele em “Crónicas da vida que passa”.

Escreveu sempre, desde o primeiro poema aos sete anos, até ao leito de morte. Importava-se com a intelectualidade do homem, e pode-se dizer que a sua vida foi uma constante divulgação da língua portuguesa: nas próprias palavras do heterónimo Bernardo Soares, "a minha pátria (sic) é a língua portuguesa". 
O mesmo empenho é patente no poema:

Agora, tendo visto tudo e sentido tudo, 
tenho o dever de me fechar 
em casa no meu espírito e trabalhar, 
quanto possa e em tudo quanto possa, 
para o progresso da civilização 
e o alargamento da consciência da humanidade.

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