Tuesday, May 14, 2013

Os rostos da República: Fernando Pessoa (05)


A mãe acabou por levar Fernando para Durban, (na foto, o edifício da Town Hall) na África do Sul, em Janeiro de 1896. 
O poeta tem oito anos de idade. São estes sete anos e pouco de vida que impedem Fernando Pessoa de ser um poeta inglês, devido à sua grande ligação afectiva a Portugal.

De facto, durante as décadas de vida que passou em Lisboa como adulto, Fernando Pessoa quase nunca se referiu aos nove anos que esteve na África do Sul, a não ser para justificar porque dominava também a língua de Shakespeare.

Doía-lhe recordar aqueles anos ou sentiu-se em Durban alheio, um peixe fora de água? Ou ressentia-se do novo ambiente familiar?

Talvez tudo isso, mas a experiência pessoana em África foi essencialmente livresca, até porque se sabe muito pouco dos primeiros anos, onde estudou num colégio de freiras irlandesas.

Muito menos se sabe se mantinha fervor religioso, porque aos 17 anos já se declarava anti-católico até ao fim da vida. Apesar de admitir um “espírito religioso" com a consciência da “terrível importância da vida, essa consciência que nos impossibilita de fazer arte meramente pela arte”.

Pessoa chega mesmo a falar da “terrível e religiosa missão que todo o homem génio recebe de Deus” e assim se entende que, para ele, a obra literária devia servir a Humanidade e também Deus ou o Destino.

Nem mesmo as belezas naturais de Durban parecem ter causado grande impressão em Pessoa, porque nunca lhes faz alusão.

No entanto, esta estadia  possibilitou que absorvesse a língua e cultura inglesas como uma esponja que “secava” os livros que lia e estudava, através de um ritmo escolar estonteante. 

Em 1899, destaca-se como aluno em francês e inglês ao colocar-se em 48.º lugar entre 673 candidatos à School High Certificate, de 15 anos, quando ele tinha treze.

Foi esta diferença de idades que dificultou a sua integração social. Acanhado quanto baste, Pessoa não cultivava amizades e preferia divertir-se com jogos solitários ou a ler romances de mistério e aventura, com primazia para Charles Dickens.

Em 1901 surgem umas férias prolongadas do pai adoptivo em Portugal, permitindo viagens a Fernando, de Lisboa a Tavira e Ilha Terceira,onde permanece cm uma tia Anica, irmã da mãe.

É este ano de férias em Portugal que salva Pessoa para a literatura portuguesa, com os primeiros poemas, entre eles, “Quando ela passa”. Este poema demonstra que os primeros alicerces da sua produção poética em português estavam bem assentes.

No regresso a Durban, é matriculado numa escola de contabilidade que só funcionava à noite, pelo que Pessoa tinha os dias livres para se dedicar à sua paixão antiga – a leitura – e à nova – a escrita.

Pessoa não acaba as suas obras porque o seu espírito transbordava como um vulcão de nova s idéias e projectos que os distraíam dos que estavam em curso.

Era já um perfeccionista na escrita porque a vida lhe parecia irremediavelmente imperfeita, ao ponto de considerar que “só uma obra pequena podia atingir a perfeição”. 

É assim que é na poesia que Fernando Pessoa consegue completar as obras iniciadas.
Em 1903 o seu ensaio de inglês, na admissão à Univesidade do Cabo, recebe o prémio Queen Vitória Memorial Prize. Estamos na véspera do seu primeiro alter-ego (heterónimo), Charles Robert Anon, que prefigurava a o irreverente Álvaro de Campos.

É em Durban que se alimenta a grande admiração por Mahatma Gandhi que, ali, iniciou a sua caminhada anti-imperialismo britânico. Winston Churchill, correspondente de guerra, esteve ali preso pelos bóeres, quando Pessoa tinha 11 anos.

Embora anglófilo, Pessoa não sentia qualquer lealdade patriótica para com a Inglaterra e o seu império. Para isso contribuíram as leituras de Shakespeare, Milton, Lord Byron, Alexander Pope, Thomas Carlyle e Edgar Allan Poe.

Em 1905 embarca para Lisboa definitivamente, deixando África e Durban em pleno esquecimento em toda a sua obra, a não ser dois meses antes de morrer, ao ouvir  Un soir à Lima”, música que sua mãe tocava ao piano, em Durban.
Esta musica 
lembra-me da nossa sala, quente
Da África ampla onde o luar está
Lá fora vasto e indiferente” 
e conclui com uma alusão a 
“todo o luar de toda a África inundar
A paisagem e o meu sonho”.

Fernando Pessoa, em 47 anos de vida, ficou muitas vezes à janela, pouco participante do que acontecia em redor mas intimamente presente, gravando tudo o que via e sentia no fundo indelével da memória, ou da alma.

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