Se nada de África perdurou
na memória daquela irrequieta e simpática criança que era Fernando Pessoa. Há
sempre uma excepção, para além do Luar. Mohandas Gandhi, futuro herói da
independência da Índia.
Um juíz mandou-o tirar o turbante, em Durban, a seguir
foi expulso de um comboio por querer sentar-se na primeira classe, para a qual
comprara o devido bilhete, factos que o levam a encetar uma luta contra o
racismo perpetrado sobre os emigrantes indianos.
Quatro mil brancos, com os seus criados negros
tentaram, anos mais tarde, linchar Gandhi. Não se sabe que efeito tiveram estes
gestos em Fernando pessoa mas manda a verdade escrever que, anos mais tarde, o
autor de “A Mensagem” tenta um ensaio sobre a figura do resistente pacífico
indiano, “a única figura verdadeiramente grande que há hoje no mundo”.
Porquê? Porque, “em certa medida, não pertence ao
mundo e o nega”. Porque “ele não pode ser ridículo porque não pode ser medido
pelas normas dos que o pretendem ridicularizar”.
Porque “o seu alto exemplo, inaproveitável pela nossa
fraqueza, enxovalha a nossa ambiguidade” afirmando-se como “herói sem armas, dá
ferrugem aos nossos numerosos gládios, espingardas e peças” e “paira acima da
nossa bebedeira de conseguimentos”.
Fernando Pessoa regressa a Lisboa em Setembro de 1905,
onde começa a assistir às primeiras aulas do Curso Superior de Letras (que em
1911 é integrado na Universidade de Lisboa), sendo encaminhado para uma
carreira diplomática, acrescentando filosofia às cadeiras de letras e de
história. É na disciplina de Filosofia que se empenha mais.
O seu melhor amigo de curso foi Armando Teixeira
Rebello, que também vivera a infância na África do Sul porque a maior parte dos
seu colegas eram “convencionais”.
De pressa se sentiu desiludido porque se uns eram
convencionais, outros estavam “profundamente escravizados como qualquer outro
escravo”. “Já não tenho esperança em qualquer amizade aqui: procurarei ir-me
embora e o mais depressa possível”.
São extractos do seu diário, assinado por Charles
Robert Anon, através de um carimbo. Os trabalhos escolares são redigidos em
excelente português mas os poemas eram escritos em inglês nesta etapa da vida,
imitando Cesário Verde w outros simbolistas.
Enquanto decorria o curso, sem entusiasmo, passava
longos tempos na Biblioteca Nacional lendo Aristóteles e Kant, as religiões do
mundo, psicologia e Charles Darwin, bem como autores clássicos franceses e
ingleses.
Pessoa escrevia poemas e reflexões e amava Portugal
cada vez mais e preocupava-se com os eu futuro político, aponto de elaborar um
trabalho a justificar o regicídio português D. Carlos, perante o resto do
mundo, em 1908.
O Sentimento patriótico de Pessoa foi exacerbado pela
sua aversão à chamada ditadura de João Franco, apoiada por D. Carlos. O desejo
de escrever em português e abandonar o pseudónimo Anon nasce com o desejo de
militar contra a monarquia e é suscitado pela leitura de Folhas Caídas, de
Almeida Garrett.
Com 19 anos, após vários heterónimos, Pessoa já via
claramente o seu caminho: a escrita posta ao serviço da literatura, da
humanidade, do país e da sua glória pessoal ou não tivesse ele escrito que
“sempre foi um grande poeta pequenino, inda mamava e já fazia versos à ama, o
maroto”.
Em 1909, adulto e com dinheiro da herança nas mãos,
Pessoa vai a Portalegre comprar uma tipografia para trazer para Lisboa para
publicar algumas obras suas com heterónimos. O sonho foi de pouca duração e a
tipografia praticamente não chegou a existir.
Restava a Pessoa ser correspondente estrangeiro de
casas comerciais, cobrando um tanto por carta e trabalhar no horário que lhe
convinha, Em 1911 começa a fazer traduções literárias do inglês e do espanhol
mas nunca foi a solução para os seus gastos.
Literariamente a carreira avançava mas sem
reconhecimento porque nada publicara em seu nome… concebia nesta altura duas
das suas mais importantes obras Mensagem e Fausto. O título original da
primeira era Portugal. O Fausto ocupou o escritor até à sua morte. Ficou para a
posteridade, como o Livro do Desassossego, como um grandioso monumento de
fragmentos.
Só em 1912, Fernando Pessoa faz a sua estreia como
escritor com um ensaio “A nova poesia portuguesa”, publicado na revista Águia,
dirigida por Teixeira de Pascoaes. Explica que Portugal está no limiar de uma
época gloriosa da sua literatura, na qual apareceria o “Grande poeta”, que
"remeteria para segundo plano a figura de Camões”.
Quem era o grande poeta?
Era Pessoa… sem nada que lhe
pudesse valer a fama porque “o prazer da fama futura é um prazer presente – a
fama é que é futura. Eu, que na vida transitória não sou nada, posso gozar a
visão do futuro a ler esta página (do Livro do Desassossego) pois efectivamente
a escrevo; posso orgulhar-me, como de um filho, da fama que terei, porque, ao
menos, tenho com que a ter”.
Ele sentiu que o seu génio criador estava prestes a
dar fruto.
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