Tuesday, May 14, 2013

Os rostos da República: Fernando Pessoa (06)


Se nada de África perdurou na memória daquela irrequieta e simpática criança que era Fernando Pessoa. Há sempre uma excepção, para além do Luar. Mohandas Gandhi, futuro herói da independência da Índia.

Um juíz mandou-o tirar o turbante, em Durban, a seguir foi expulso de um comboio por querer sentar-se na primeira classe, para a qual comprara o devido bilhete, factos que o levam a encetar uma luta contra o racismo perpetrado sobre os emigrantes indianos.

Quatro mil brancos, com os seus criados negros tentaram, anos mais tarde, linchar Gandhi. Não se sabe que efeito tiveram estes gestos em Fernando pessoa mas manda a verdade escrever que, anos mais tarde, o autor de “A Mensagem” tenta um ensaio sobre a figura do resistente pacífico indiano, “a única figura verdadeiramente grande que há hoje no mundo”.

Porquê? Porque, “em certa medida, não pertence ao mundo e o nega”. Porque “ele não pode ser ridículo porque não pode ser medido pelas normas dos que o pretendem ridicularizar”.

Porque “o seu alto exemplo, inaproveitável pela nossa fraqueza, enxovalha a nossa ambiguidade” afirmando-se como “herói sem armas, dá ferrugem aos nossos numerosos gládios, espingardas e peças” e “paira acima da nossa bebedeira de conseguimentos”.

Fernando Pessoa regressa a Lisboa em Setembro de 1905, onde começa a assistir às primeiras aulas do Curso Superior de Letras (que em 1911 é integrado na Universidade de Lisboa), sendo encaminhado para uma carreira diplomática, acrescentando filosofia às cadeiras de letras e de história. É na disciplina de Filosofia que se empenha mais.

O seu melhor amigo de curso foi Armando Teixeira Rebello, que também vivera a infância na África do Sul porque a maior parte dos seu colegas eram “convencionais”.

De pressa se sentiu desiludido porque se uns eram convencionais, outros estavam “profundamente escravizados como qualquer outro escravo”. “Já não tenho esperança em qualquer amizade aqui: procurarei ir-me embora e o mais depressa possível”.

São extractos do seu diário, assinado por Charles Robert Anon, através de um carimbo. Os trabalhos escolares são redigidos em excelente português mas os poemas eram escritos em inglês nesta etapa da vida, imitando Cesário Verde w outros simbolistas.

Enquanto decorria o curso, sem entusiasmo, passava longos tempos na Biblioteca Nacional lendo Aristóteles e Kant, as religiões do mundo, psicologia e Charles Darwin, bem como autores clássicos franceses e ingleses.

Pessoa escrevia poemas e reflexões e amava Portugal cada vez mais e preocupava-se com os eu futuro político, aponto de elaborar um trabalho a justificar o regicídio português D. Carlos, perante o resto do mundo, em 1908.

O Sentimento patriótico de Pessoa foi exacerbado pela sua aversão à chamada ditadura de João Franco, apoiada por D. Carlos. O desejo de escrever em português e abandonar o pseudónimo Anon nasce com o desejo de militar contra a monarquia e é suscitado pela leitura de Folhas Caídas, de Almeida Garrett.

Com 19 anos, após vários heterónimos, Pessoa já via claramente o seu caminho: a escrita posta ao serviço da literatura, da humanidade, do país e da sua glória pessoal ou não tivesse ele escrito que “sempre foi um grande poeta pequenino, inda mamava e já fazia versos à ama, o maroto”. 

Em 1909, adulto e com dinheiro da herança nas mãos, Pessoa vai a Portalegre comprar uma tipografia para trazer para Lisboa para publicar algumas obras suas com heterónimos. O sonho foi de pouca duração e a tipografia praticamente não chegou a existir.

Restava a Pessoa ser correspondente estrangeiro de casas comerciais, cobrando um tanto por carta e trabalhar no horário que lhe convinha, Em 1911 começa a fazer traduções literárias do inglês e do espanhol mas nunca foi a solução para os seus gastos.

Literariamente a carreira avançava mas sem reconhecimento porque nada publicara em seu nome… concebia nesta altura duas das suas mais importantes obras Mensagem e Fausto. O título original da primeira era Portugal. O Fausto ocupou o escritor até à sua morte. Ficou para a posteridade, como o Livro do Desassossego, como um grandioso monumento de fragmentos.

Só em 1912, Fernando Pessoa faz a sua estreia como escritor com um ensaio “A nova poesia portuguesa”, publicado na revista Águia, dirigida por Teixeira de Pascoaes. Explica que Portugal está no limiar de uma época gloriosa da sua literatura, na qual apareceria o “Grande poeta”, que "remeteria para segundo plano a figura de Camões”.

Quem era o grande poeta? 

Era Pessoa… sem nada que lhe pudesse valer a fama porque “o prazer da fama futura é um prazer presente – a fama é que é futura. Eu, que na vida transitória não sou nada, posso gozar a visão do futuro a ler esta página (do Livro do Desassossego) pois efectivamente a escrevo; posso orgulhar-me, como de um filho, da fama que terei, porque, ao menos, tenho com que a ter”.

Ele sentiu que o seu génio criador estava prestes a dar fruto.


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