O suicídio de Sá-Carneiro, no ano seguinte, contribui para unir o grupo mas o génio de Fernando Pessoa já estava imparável, na renovação da literatura portuguesa, através de várias revistas como Centauro, Exílio, Portugal Futurista. Esta acabou por ser apreendida pela polícia antes de ser distribuída por razões políticas ou morais.
Apesar das contrariedades, Fernando Pessoa procurava levar o projecto de Orpheu para a frente e anuncia a saída do número 3, em 1916, com colaborações que incluíam “dois poemas ingleses meus, muito indecentes”, versos de Pessanha e poemas inéditos de Sá-Carneiro, A cena do ódio de Almada Negreiros e quatro hors-textes “do mais célebre pintor avançado português, Amadeo de Sousa-Cardozo” (quadro acima).
Todavia, a revista apenas consegue estar pronta em
Julho do ano seguinte mas “entrará então, misteriosamente, numa dormência
prolongada” (cf. ZENITH, Richard, op. cit. pp. 88 a 98).
No entanto, é difícil sobrestimar o papel desempenhado
pela revista Orpheu na introdução do modernismo em Portugal, quanto mais não
seja por ter conseguido romper com a ideia fixa de que convinha seguir modelos
e padrões consagrados lá fora.
Orpheu era um grito a clamar por renovação que –
diga-se – seguiu um caminho praticamente paralelo ao modernismo inglês, tendo
ocupado um lugar de relevo no panorama português.
Enquanto os companheiros de Orpheu procuravam
revolucionar as letras portuguesas, uma nova ideia fermentava no espírito de
Fernando Pessoa. Em quatro meses, no ano de 1914, surgiam três heterónimos
propriamente ditos de Pessoa e, dois anos depois, cada um deles tinha uma obra
merecedora de figurar em qualquer Olimpo da poesia universal.
A revolução pessoana era, afinal, mais profunda,
genuína e surpreendente do que a outra revolução, visível, que levara à criação
de Orpheu.
Fernando pessoa nunca questionou a grandeza de Alberto
Caeiro, Álvaro de Campos ou de Ricardo Reis, mas duvidava, da sinceridade e do
valor de movimentos como o paulismo, o interseccionismo e o futurismo.
A sua revista Europa acabou por sair rebaptizada de
Orpheu e mudeou decisivamente o rumo da literatura portuguesa.
Para Pessoa, introduzir o modernismo não era um feito
extraordinário. Agora, "ser-se um poeta absolutamente genial era, e será sempre,
um feito impossível de realizar por vontade e esforço humanos. Ser vários
poetas absolutamente geniais, então, era de uma absoluto ineditismo” (ZANITH,
Richard, in op. cit. Pp. 99- 107).
Agora se sabe, através da análise dos manuscritos
pessoanos, que a história do dia triunfal de 8 de Março de 1914, quando Alberto
Caeiro “apareceu” em Fernando Pessoa que ele escreveu, como se um jacto fosse,
numa “espécie de êxtase”, mais de 30 poemas de “O Guardador de Rebanhos”.
É a obra poética mais sublime de Pessoa que escreveu
metade dos seus 49 poemas em duas semanas daquele prodigioso mês de Março.
Alberto Caeiro, o primeiro alicerce do célebre tripé de heterónimos a surgir,
era um poeta do campo, sem estudos, mas reconhecido pelos outros como “mestre
que pregava a percepção directa das coisas, sem filosofias”.
Para Caeiro,
O essencial é saber ver;
Saber ver sem
estar a pensar;
Saber ver quando se vê;
E nem pensar quando se vê
Nem ver
quando se pensa.
Caeiro era o “único poeta da natureza” que dela fazia
“pura filosofia” nascida num “instante de nirvana poético, uma impossibilidade
consubstanciada em versos transparentes, belos e precisos como o cristal”.
O próprio Pessoa ficou “deslumbrado” quando escreve a
um amigo: “se há parte da minha obra que tenha um ‘cunho de sinceridade’, essa
parte é… a obra de Caeiro” que excede o que o “eu racionalmente podia gerar
dentro de mim”.
Quem era Alberto Caeiro? Daremos a resposta a seguir.
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