Monday, December 2, 2013

Os rostos da República de A a Z (17)


“Nunca dei crença
àquilo em que acreditei”

Fernando Pessoa criava o novo império, ao lado dos grandes impérios grego, romano ou cristão: Portugal, através da língua e da cultura, e sobretudo da sua literatura, dominaria o resto da Europa. Um império de poetas.

Foi em 1923 que Fernando Pessoa se referiu pela primeira vez ao Quinto Império mas a doutrina vinha já de 1912, quando Fernando Pessoa profetizou uma “Renascença portuguesa” que iria nortear toda  a cultura europeia.

Nessa nova ordem cultural, o catolicismo era sepultado pelo "paganismo superior” que incluirá todos os deus e todos os credos e a política devia deixar de existir.

Possuído pela necessidade de sanear a República, ao eliminar todos os vestígios da velha monarquia, varria todos os seus símbolos e rituais.

É em Janeiro de 1928 – pouco antes da entrada de António Oliveira Salazar para o governo, como ministro das Finanças — que Fernando pessoa entende a ditadura militar como um “intervalo” necessário para o caminho de “salvação e renascimento”.

Aguardando a “hora que se prometera” – que há-de concluir A Mensagem (“É a hora!”) — , Fernando Pessoa assume que a existência dele próprio é o primeiro sinal de que o Quinto Império está a chegar, a seguir ao “Estado de transição” ditatorial.

O Quinto  império apenas chegará com a “segunda vinda de Dom Sebastião” — ocorrida em 1888, a darmos crédito às profecias de Bandarra. Nesse Quinto Império de poetas, Pessoa era o Super-Camões, arauto de uma “Nova renascença” destinada a fazer com que Portugal irradiasse nova luz para todo o mundo.

Sentindo tudo de todas as maneiras e aceitando todos os deus e credos, Fernando Pessoa conferia a si mesmo uma universalidade inédita e transformava-se, só por si, em toda a geração literária.
Fernando Pessoa advertia não ser defensor da ditadura – tolerada como medida temporária — até evoluir para a negação completa desta doutrina, dedicando a Salazar um “desprezo irreprimível”. 

Afinal, em 1931, havia de escrever: “nunca dei crença àquilo em que acreditei”. 
Um ano antes, escrevera: “Merda! Sou lúcido”.
Em 1928 cria o último heterónimo, Barão de Teive, e de todas as máscaras inventadas por Fernando Pessoa, esta era a mais transparente e a mais inquietante.

O barão, desanimado por não conseguir escrever nada de jeito, queima as prosas no fogão e resolve suicidar-se. Mas, antes de dar este último passo, tenta explicar-se em “A educação do estóico” sobre a “impossibilidade de fazer arte superior”.

O barão, além da frustração literária, era sexualmente frustrado, sendo tão tímido com as mulheres que ficava impotente.
Teive reunia várias condições que o seu criador cobiçava mas as suas obras não saíam como ele sonhava e irritava-se com a tibieza da sua vontade, com a sua castidade e com a sua lucidez, que o leva a matar-se num gesto de orgulho.

Pessoa era mais complicado que o Barão de Teive. Sofria das mesmas frustrações mas não lhe escasseava a fantasia a escrita, o que lhe tirava o gosto do amor e das pequenas glórias mundanas com que os outros homens se iludem. A sua esperança residia na celebridade após a morte. Há que acelerar essa hora, organizando as obras, faze-las bem acabadas, o que não era o seu forte. Tinha medo de as acabar. Continuava inquieto, à procura, mas era urgente para Fernando Pessoa encontrar algo... um sentido, um bom caminho.
Mas ele continua sem saber se 
deitando dados
Se chega a qualquer conclusão. 
Mas também não sei
Se vivendo como o comum dos homens
Se atinge qualquer coisa”.

No começo de 1929, Fernando Pessoa está a escrever O Livro do Desassossego, obra que estivera a cargo de Vicente Guedes, antes de entrar em demência,uns dez anos antes.

Bernardo Soares já existia no universo pessoano mas como autor de contos. Agora pessoa assume a biografia de Vicente Guedes, que trabalhava num escritório e era um diarista muito lúcido.
A expressão dos seus desassossegos era diferente, menos abstracta e impessoal, era sentido na pele, nos factos mais corriqueiros do dia-a-dia.

Bernardo Soares era, segundo Pessoa, meio heterónimo, uma mutilação da sua personalidade, ou seja, um instrumento do qual Pessoa se servia para se auto-exprimir.

Álvaro de Campos, na sua Tabacaria, escrita em 1928, já não se distinguia também do seu criador.

Neste momento da vida, a saudade do passado e de tudo o que não vivera intensifica-se em Fernando Pessoa, perdão, Bernardo Soares. Volta-se para locais de infância como Durban ou Pedrouços e desperta, de novo, as afectividades, ao ponto de querer reatar com Ofélia Queiros, no Outono de 1929, numa tentativa mal sucedida. Para ele era impensável casar mas Ofélia insistia em cartas que se trocaram até Janeiro de 1930.

O último poema de Álvaro de Campos que considera as cartas de amor menos ridículas do que as pessoas que nunca as escreveram é uma alusão a estas cartas para Ofélia.

É por esta altura que Pessoa ressuscita Alberto Caeiro para escrever os seis poemas de Pastor Amoroso a cantar a paixão por uma jovem loura e com dentes que “são limpos como as pedras de um rio”.
Contraditoriamente, Bernardo Soares defende a castidade no Livro do Desassossego num momento e depois admite que as relações amorosas são um “complexo barulho que faço aos ouvidos da minha inteligência, quase para não perceber que, no fundo, não há senão a minha timidez, a minha incompetência para a vida”.

O Desassossego afectivo aliava-se a uma forçada procura espiritual através de escritos sobre Cabala, alquimia e ordens iniciáticas (Rosa Cruz, Maçonaria e Templários), tradições esotéricas e a religião em geral e magia negra.

A simulação do suicídio de Crowley, um editor inglês, mostra que Pessoa não se importava de dedicar tempo e energia a uma burla, ao ponto de elaborar uma novela policial sobre este desaparecimento que nunca aconteceu mas teve amplo eco nos jornais, dada a conivência do jornalista amigo Augusto Ferreira Gomes.

Pessoa acreditava em tudo, sem ter fé em nada. Estava aberto a tudo, absorvia tudo e servia-se de tudo para depois fazer o seu caminho, sem se submeter a nenhum credo ou dogma.

Pessoa preferiu não viver como o “comum dos homens”, passou a vida inteira na procura da verdade, quando não a inventava na sua escrita mas nunca chegou a uma certeza, a não ser que a sua certeza fosse esta:
Tenho o corrimão da escada absolutamente seguro,
Seguro com a mão —
O corrimão que não me pertence
E apoiado ao qual ascendo...
Sim... ascendo...
Ascendo até isto:
Não sei se os astros mandam neste mundo...

No início de 1933, Pessoa parecia mais velho do que os seus 44 anos. Não a-guentava a solidão, mais pesada com a passagem dos anos em que não se preocupara em ser ou não feliz.

Isto reflecte-se na sua po-esia e chega a ser pungente no Livro do Desassossego, numa altura em que contnuava a escrever cartas comerciais em francês e inglês ou dava explicações desta última língua.

Bebia mais, fumava muito e estava cansado e concorre pela primeira vez a um posto de trabalho, no Museu Biblioteca de Cascais. 

Não foi escolhido por falta de perfil e carácter adequados, apesar do extenso curriculum que apresentou.


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