“Nunca dei crença
àquilo em que acreditei”
Fernando Pessoa criava o novo
império, ao lado dos grandes impérios grego, romano ou cristão: Portugal,
através da língua e da cultura, e sobretudo da sua literatura, dominaria o
resto da Europa. Um império de poetas.
Foi em 1923 que Fernando
Pessoa se referiu pela primeira vez ao Quinto Império mas a doutrina vinha já
de 1912, quando Fernando Pessoa profetizou uma “Renascença portuguesa” que iria
nortear toda a cultura europeia.
Nessa nova ordem cultural, o
catolicismo era sepultado pelo "paganismo superior” que incluirá todos os deus
e todos os credos e a política devia deixar de existir.
Possuído pela necessidade de
sanear a República, ao eliminar todos os vestígios da velha monarquia, varria
todos os seus símbolos e rituais.
É em Janeiro de 1928 – pouco
antes da entrada de António Oliveira Salazar para o governo, como ministro das
Finanças — que Fernando pessoa entende a ditadura militar como um “intervalo”
necessário para o caminho de “salvação e renascimento”.
Aguardando a “hora que se
prometera” – que há-de concluir A Mensagem (“É a hora!”) — , Fernando Pessoa
assume que a existência dele próprio é o primeiro sinal de que o Quinto Império
está a chegar, a seguir ao “Estado de transição” ditatorial.
O Quinto império apenas chegará com a “segunda
vinda de Dom Sebastião” — ocorrida em 1888, a darmos crédito às profecias de
Bandarra. Nesse Quinto Império de poetas, Pessoa era o Super-Camões, arauto de
uma “Nova renascença” destinada a fazer com que Portugal irradiasse nova luz
para todo o mundo.
Sentindo tudo de todas as
maneiras e aceitando todos os deus e credos, Fernando Pessoa conferia a si
mesmo uma universalidade inédita e transformava-se, só por si, em toda a
geração literária.
Fernando Pessoa advertia não
ser defensor da ditadura – tolerada como medida temporária — até evoluir para a
negação completa desta doutrina, dedicando a Salazar um “desprezo
irreprimível”.
Afinal, em 1931, havia de escrever: “nunca dei crença àquilo em
que acreditei”.
Um ano antes, escrevera: “Merda! Sou lúcido”.
Em 1928 cria o último
heterónimo, Barão de Teive, e de todas as máscaras inventadas por Fernando
Pessoa, esta era a mais transparente e a mais inquietante.
O barão, desanimado por não
conseguir escrever nada de jeito, queima as prosas no fogão e resolve
suicidar-se. Mas, antes de dar este último passo, tenta explicar-se em “A
educação do estóico” sobre a “impossibilidade de fazer arte superior”.
O barão, além da frustração
literária, era sexualmente frustrado, sendo tão tímido com as mulheres que
ficava impotente.
Teive reunia várias condições
que o seu criador cobiçava mas as suas obras não saíam como ele sonhava e
irritava-se com a tibieza da sua vontade, com a sua castidade e com a sua
lucidez, que o leva a matar-se num gesto de orgulho.
Pessoa era mais complicado que o Barão de Teive. Sofria das mesmas frustrações mas não lhe escasseava a fantasia a escrita, o que lhe tirava o gosto do amor e das pequenas glórias mundanas com que os outros homens se iludem. A sua esperança residia na celebridade após a morte. Há que acelerar essa hora, organizando as obras, faze-las bem acabadas, o que não era o seu forte. Tinha medo de as acabar. Continuava inquieto, à procura, mas era urgente para Fernando Pessoa encontrar algo... um sentido, um bom caminho.
Mas ele continua sem saber se
“deitando dados
Se chega a qualquer conclusão.
Mas também não sei
Se vivendo
como o comum dos homens
Se atinge qualquer coisa”.
No começo de 1929, Fernando
Pessoa está a escrever O Livro do Desassossego, obra que estivera a cargo de
Vicente Guedes, antes de entrar em demência,uns dez anos antes.
Bernardo Soares já existia no
universo pessoano mas como autor de contos. Agora pessoa assume a biografia de
Vicente Guedes, que trabalhava num escritório e era um diarista muito lúcido.
A expressão dos seus
desassossegos era diferente, menos abstracta e impessoal, era sentido na pele,
nos factos mais corriqueiros do dia-a-dia.
Bernardo Soares era, segundo
Pessoa, meio heterónimo, uma mutilação da sua personalidade, ou seja, um
instrumento do qual Pessoa se servia para se auto-exprimir.
Álvaro de Campos, na sua
Tabacaria, escrita em 1928, já não se distinguia também do seu criador.
Neste momento da vida, a
saudade do passado e de tudo o que não vivera intensifica-se em Fernando
Pessoa, perdão, Bernardo Soares. Volta-se para locais de infância como Durban
ou Pedrouços e desperta, de novo, as afectividades, ao ponto de querer reatar
com Ofélia Queiros, no Outono de 1929, numa tentativa mal sucedida. Para ele
era impensável casar mas Ofélia insistia em cartas que se trocaram até Janeiro
de 1930.
O último poema de Álvaro de
Campos que considera as cartas de amor menos ridículas do que as pessoas que
nunca as escreveram é uma alusão a estas cartas para Ofélia.
É por esta altura que Pessoa
ressuscita Alberto Caeiro para escrever os seis poemas de Pastor Amoroso a
cantar a paixão por uma jovem loura e com dentes que “são limpos como as pedras
de um rio”.
Contraditoriamente, Bernardo
Soares defende a castidade no Livro do Desassossego num momento e depois admite
que as relações amorosas são um “complexo barulho que faço aos ouvidos da minha
inteligência, quase para não perceber que, no fundo, não há senão a minha
timidez, a minha incompetência para a vida”.
O Desassossego afectivo
aliava-se a uma forçada procura espiritual através de escritos sobre Cabala,
alquimia e ordens iniciáticas (Rosa Cruz, Maçonaria e Templários), tradições
esotéricas e a religião em geral e magia negra.
A simulação do suicídio de
Crowley, um editor inglês, mostra que Pessoa não se importava de dedicar tempo
e energia a uma burla, ao ponto de elaborar uma novela policial sobre este
desaparecimento que nunca aconteceu mas teve amplo eco nos jornais, dada a
conivência do jornalista amigo Augusto Ferreira Gomes.
Pessoa acreditava em tudo,
sem ter fé em nada. Estava aberto a tudo, absorvia tudo e servia-se de tudo
para depois fazer o seu caminho, sem se submeter a nenhum credo ou dogma.
Pessoa preferiu não viver
como o “comum dos homens”, passou a vida inteira na procura da verdade, quando
não a inventava na sua escrita mas nunca chegou a uma certeza, a não ser que a
sua certeza fosse esta:
“Tenho o corrimão da escada
absolutamente seguro,
Seguro com a mão —
O corrimão que não me
pertence
E apoiado ao qual ascendo...
Sim... ascendo...
Ascendo até isto:
Não sei se os astros mandam
neste mundo...”
No início de 1933, Pessoa
parecia mais velho do que os seus 44 anos. Não a-guentava a solidão, mais
pesada com a passagem dos anos em que não se preocupara em ser ou não feliz.
Isto reflecte-se na sua
po-esia e chega a ser pungente no Livro do Desassossego, numa altura em que
contnuava a escrever cartas comerciais em francês e inglês ou dava explicações
desta última língua.
Bebia mais, fumava muito e
estava cansado e concorre pela primeira vez a um posto de trabalho, no Museu
Biblioteca de Cascais.
Não foi escolhido por falta de perfil e carácter
adequados, apesar do extenso curriculum que apresentou.
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