O conselho de Henry More apontava para uma mulher
desvirginadora no seu caminho, bastando que ele não tivesse medo e há
descrições bastante pormenorizadas de mulheres que deviam resolver o “problema”
de Pessoa, ao ponto de se apontarem três filhos de três mães diferentes.
Pessoa acreditava nesta previsões do seu alter ego Henry More? Ou eram apenas as suas aventuras astrais que substituíam o amor terrestre
para amortecerem uma relação carnal?
Seja o que for, Pessoa continua a escrever até 1930,
por entre um ou outro conselho para Pessoa “acasalar”. Estes despertares
coincidiram com um acordar espiritual que fazem crescer “aversão às mulheres”
ao ponto de se consideram artisticamente incompleto por não ser completo
sexualmente.
Afinal, Pessoa vivia assustado pela solidão para não
ser o tal Deus suspenso do vazio e começa a interessar-se pela grandes
religiões como forma d encontrar a ligação da sua vida aos outros seres
humanos.
Daí a té se deixar seduzir pela Cabala, Rosa Cruz ou a
Maçonaria foi um pequenino passo, numa fase de grande incerteza e
vulnerabilidade intelectual, de alguém pedido que se agarra ao que houve para
agarrar.
Passara a grande explosão de Alberto Caeiro e o poeta
vivia sozinho, em quartos alugados, confrontando-se consigo mesmo.
Devorando jornais, Pessoa assistia ao descalabro do
mundo, com a I Guerra Mundial, em que defendeu a posição alemã, antes de Portugal
ter entrado no conflito.
Pessoa era uma personalidade profundamente abalada. À
guerra junta-se a trombose que atinge a mãe e ele sentia-se rodeado pela
ausência, morte e precariedade. Só o mundo espiritual e religioso lhe davam
algum conforto através do contacto com o “mestre” Henry More.
É nesta fase que Pessoas se aborrece com a mediunidade
como um menino larga os seus brinquedos, mas é provável que tenha acreditado
tanto nela como nos seus heterónimos ou na astrologia.
Pessoa assume-se como a criança que brinca com
amigos imaginários – os seus heterónimos – porque fingir para uma criança não é
muito diferente de acreditar. Não fosse o poeta um fingidor e não o fosse mais
ainda quando perde o dom de acreditar naquilo que ele próprio gerou.
Encomendou horóscopos astrólogos ingleses ou era
cliente que queria ser fornecedor? Elaborava horóscopos para desconhecidos ou
procurava fontes de receitas alternativas? Há mistérios pessoanos que
permanecem indecifráveis.
Nestas distracções da mediundade que “provoca um
desequilíbrio mental, nálogo ao produzido pelo alcoolismo”, Pessoa comete um
dos seus grandes erros: não se aperceber que o destino ia decapitar o “esfinge
gordo”, o seu maior amigo, Mário de Sá-Carneiro.
Explica também que chegados aos 30 anos, Fernando
Pessoa não tivesse publicado ainda nenhum livro, ao contrário de tantos amigos
menos talentosos? Era um projecto que adiava desde 1913 e anunciava aos amigos
mas “nada saía” mesmo que o jornal A Capital considerasse a Ode Marítima como a
“trapalhada mais extraordinária” mas “se torna forçoso reconhecer que há nela
qualquer coisa de superior ao resto e que o seu auto tem talento apesar da sua
maluqueira”?
Pessoa nunca se empenhou seriamente em que lhe
publicassem os livros por culpa sua: a sua exigência de perfeição absoluta
tornava difícil esse acto. Ele não queria ser mais um daqueles que frequentam
cafés, publicam uns versos e se tornam mais ou menos conhecidos e morrem
depois.
Publicar-se era para Fernando Pessoa uma “ignóbil
necessidade”. Daí que apenas o tenha feito em 1918, com Antinous e 35 sonnets.
A edição comprovou o seu receio: ninguém leu. Era na Inglaterra que ele
esperava ter êxito e abordara já várias editoras sem sucesso ou sequer uma
resposta.
Na Inglaterra, um jornal avalia Antinous e 35 sonnets
e coloca em causa a qualidade do inglês do poeta e o escasso interesse “pelo
valor do que os poemas têm para dizer”. Outro jornal acusava-o de “excessivo
artifício shakespeariano”.
O mesmo destino têm os mil exemplares de “English
poems”, inspirados em modelos gregos. Sobraram-lhe 900 exemplares. A sua aposta
– ou tentativa de emigrar – londrina falhava completamente. Nesta altura da
vida, Pessoa não sabia o que fazer: ficar ou sair de Lisboa para Londres,
deixar de escrever e criar uma empresa import-export. As ideias fervilhavam à
mesma velocidade que fracassavam no terreno. É no meio desta convulsão pessoal,
literária e económica que Fernando Pessoa desencadeia uma polémica de grandes
proporções.
Em 1922, publica uma edição aumentada de Canções de
António Botto, um livro de versos que celebrizava a beleza masculina. Para
promover o livro publica um artigo “António Botto e o ideal de estética em
Portugal”. O monárquico Álvaro Maia responde-lhe com “Literatura de Sodoma: o
sr. Fernando Pessoa e o ideal estético em Portugal”. Raul Leal contrapõe com
“Sodoma divinizada” e surge uma Liga de Acção de Estudantes de Lisboa contra a
“literatura de Sodoma”.
O livro de Botto e o artigo de Leal são apreendidos
pelo governdor civil de Lisboa enquanto é distribuído um manifesto contra “a
inversão da inteligência, da moral e da sensibilidade”.
Pessoa responde, numa folha assinada por Álvaro de
Campos: “Ó meninos, estudem, divirtam-se e calem-se”. Enceta depois um combate
escrito pela liberdade de expressão que contrasta com o seu sidonismo anterior.
Pessoa, após o assassínio de Sidónio Pais, glorificou-o com o poema “À memoria
do Presidente-Rei Sidónio Pais”, em 1920, prenúncio do regresso do Desejado D.
Sebastião. É a primeira manifestação de sebastianismo. Baseado nas profecias do
sapateiro de Trancoso (séc. XVI), Pessoa quer afirmar-se como Salvador da
literatura de Portugal, o super-Camões, ao mesmo tempo que desejava um
super-homem politico, um grande estadista, que pudesse salvar o país do caos em
que este se afundara.
Apesar do gosto pelo escândalo, Pessoa já não era
visto como um jovem irrequieto, desejoso de dar nas vistas. Tornara-se um homem
respeitado, recatado e de hábitos certos,
admitindo, em 1920, a possibilidadde de se casar com Ofélia Queirós, a
quem declara um “amor extremo”.
No entanto, nas cartas trocadas entre ambos, Fernando
Pessoa falava-lhe de assuntos corriqueiros. Costumavam passear a pé mas
Fernando nunca quis ir a casa dela e conhecer os seus familiares. A relação
ficou numa caixa, num compartimento, isolada do resto da vida de Pessoa, apesar
de ter tido grande importância para ele. Guardou as muitas cartas e postais de
Ofélia.
Ele queria amá-la mas faltava-lhe o essencial: a entrega. Quando o namoro
acabou, ele sentiu-se “aliviado e sem vocação para outras afeições”.
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