Quem era Alberto Caeiro?
O autor de “O Guardador de
Rebanhos”, heterónimo de Fernando Pessoa, “nasceu” a 16 de Abril de 1889, numa
homenagem a melhor amigo de Pessoa: Mário de Sá-Carneiro.
O nome Caeiro é Carneiro sem
a carne, dado a um "pastor cujas ovelhas foram espiritualizadas em pensamentos”
até porque “A minha alma é como um pastor” e “o Rebanho é os meus pensamentos”.
O seu amigo do zodíaco era Sá-Carneiro.
Sá-Carneiro suicidou-se antes
de completar 26 anos e Alberto Caeiro também morreu jovem, com 26 anos, de
tuberculose (a doença que inquietava Pessoa desde a infância, por razões
familiares).
Pessoa escreveu sobre ambos
“Morre jovem o que os Deuses amam”. Pessoa concebeu Alberto Caeiro como o poeta
da Natureza, além de ser um vanguardista multifacetado, cuja “morte” prematura
leva Pessoa a transferir as ambições futuristas para Álvaro de Campos., como um
rebento de Alberto Caeiro, a partir de 1914.
A relação entre os dois
heterónimos reflecte-se nos nomes (Alberto e Álvaro), com semelhança fonética,
alem de Álvaro vir dos campos onde Alberto guardava os seus rebanhos
imaginários.
Álvaro de Campos nasce em
Tavira, em 1890, estuda engenharia naval em Glasgow, viaja pelo Oriente, viveu
alguns anos em Inglaterra, onde cortejava rapazes e raparigas por igual, até se
fixar em Lisboa.
Dos seu s primeiros poemas, o
destaque vi para a Ode Triunfal que celebra as máquinas e a idade moderna com
fôlego exuberante.
Com o passar os anos, os
poemas de Álvaro tornam-s mais curtos e melancólicos “Na passagem das horas”...
“Sentir tudo de todas as
maneiras,
Viver tudo de todos os lados,
Ser a mesma cousa de todos os
modos possíveis, ao mesmo tempo,
Realizar em si toda a
humanidade de todos os momentos
Num só momento difuso,
profuso, completo e longínquo".
O que hoje podemos escrever
sobre Álvaro e Alberto foi impossível até 1924. Se é verdade que Álvaro teve
projecto mediática imediata, só neste ano se conheceram o Alberto e o Ricardo
Reis.
Campos assinava cartas para
jornais, dava entrevistas e entrava em polémicas, opondo-se muitas vezes às
teses do seu criador (Pessoa). Álvaro Campos era tão “real” que intervinha na
vida diária do seu criador, substituindo-o em alguns encontros com Ofélia
Queiros que não gostava nada do engenheiro nem em pessoa (ou melhor, “em
Pessoa” nem nas cartas que dele recebia (cf. ZANITH, Richard, op.cit. pp.
99-108).
Os directores da Presença
(Gaspar Simões e José Régio) ficaram desgostosos quando foram ao café Montanha,
em Junho de 1930, na expectativa de conhecer o seu mais ilustre colaborador e quem
apareceu não foi Pessoa mas o engenheiro Álvaro de Campos. Mera brincadeira ou
mecanismo de defesa de Pessoa inseguro perante pessoas desconhecidas? Álvaro de
Campos existia para alem das páginas por si escritas.
Vamos ao terceiro heterônimo:
Ricardo Reis, que surge uns dia apos Campos, na personagem de medico que Pessoa
define como “Horácio grego que escreve em português”.
Reis era especialista em odes
métricas sem rima sobre a futilidade da vida e a necessidade de aceitar o
destino, muito contrários, à partida, ao espírito inovador do Álvaro e do
Alberto.
No entanto, este “portuense nascido” em 1887, denotava atenção ao
renascimento italiano que revalorizava o legado cultural da antiguidade. Como o
apelido sugere é monárquico e tem de exilar-se no Brasil, deixando-nos milhares
de papeis com poemas e textos soltos.
O intersecccionismo é um
movimento literário de vanguarda criado por Fernando Pessoa e que se
caracteriza pela inclusão alternada no poema de vários níveis simultâneos de
realidade: a interior e a exterior, a objectiva e a subjectiva, o sonho e a
realidade, o presente e o passado, o eu e o outro (cf. GUIMARÃES, Fernando - O
Modernismo Português e a sua Poética , Lello, Porto, 1999, pp.71-72).
O poema "Chuva
Oblíqua", de Fernando Pessoa (in "Orpheu" n.º 2, 1915), é o
exemplo mais significativo deste novo processo, porque nele se cruzam a
paisagem presente e ausente, o actual e o pretérito, o real e o onírico:
"Ilumina-se a Igreja por
dentro da chuva deste dia
E cada vela que se acende é a
chuva a bater na vidraça..."
No entanto, os três
heterônimos são a expressão do “sensacionismo”, um movimento nascido do
interseccionismo, que Pessoa define: “Caeiro tem uma disciplina: as coisas
devem ser sentidas tais como são. Para Ricardo Reis, as coisas devem ser sentidas, não só como são, mas de
modo a integrarem-se num certo ideal de medida e regra clássicas. Em Álvaro de
Campos, as coisas devem ser simplesmente sentidas”.
Este último é quem melhor
exprime o sensacionismo mas cabe a Caeiro chefiar o movimento... em 1916.
O sensacionismo deriva de
três movimentos: do simbolismo francês, do panteísmo transcendental português e
"da baralhada de coisas sem sentido e contraditórias de que o futurismo, o
cubismo e outros quejandos são expressões ocasionais, embora, para sermos
exactos, descendamos mais do seu espírito do que da sua letra" (cf.
PESSOA, Fernando - Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação, Lisboa, Ática, pp.
134-138).
Para este movimento, a única realidade em arte é a "consciência da
sensação" e baseia-se em três princípios artísticos: 1) o da sensação, 2)
o da sugestão, 3) o da construção" (id. ibid., pp.134-138).
No comments:
Post a Comment