O maior artista, escreve Campos (perdão, Pessoa) terá
múltiplas personalidades (quinze ou vinte), exactamente como Fernando Pessoa
(um poeta fingidor) que tinha dias “monotamente agradáveis” em que se consolava
“com o pensamento astrológico de que não podia acontecer nada realmente grave”.
Mesmo que acabasse o dia “sem jantar porque não tinha
dinheiro” nada se comparava à “mistura de megalomania e ideias religiosas (que
de modo algum atacaram a lucidez)”…porque a astrologia era uma das razões mais
úteis para ocupar o seu tempo de leituras. Fernando Pessoa chegou mesmo a fazer
o horóscopo de Álvaro de Campos e de Ricardo Reis.
Nesse mesmo ano, Fernando Pessoa escreve
uma frase que deixa o mundo português escandalizado: “o desdobramento do eu é
um fenómeno em grande número de casos de masturbação” só possível explicar por
um adulto que “nunca fui senão uma criança que brincava” – conforme palavras
postas na boca de Alberto Caeiro, a 7 de Novembro de 1915.
Melhor dito,
Fernando Pessoa foi um bebé crescido num corpo adulto que jogava xadrez onde as
peças eram personagens criadas por si.
Em JUnho de 1914, no momento do parto de Álvaro de
Campos e de Ricardo Reis, Fernando Pessoa escreve à mãe, em Pretória, onde
afirma: “os meus amigos dizem-me que eu serei um dos maiores poetas
contemporâneos”.
Apesar disso, Pessoa sentia-se inquieto, apesar de
consciente do seu génio invulgar que ansiava pelo reconhecimento público que
receava.
Sentia que o rumo da sua vida estava a mudar, o que
era terrivel para quem entendia que “mudar é uma morte parcial; morre qualquer
coisa de nós” bem como “mudar é mau, é sempre mudar para pior”.
Pessoa falava muito das saudades de infância e estas
aumentaram com a idade, em reacção à morte que lentamente se aproximava dele,
dele como de toda a gente.
Pessoa tinha um medo de crescer. Podia viver para a
celeridade póstuma mas não se sentia preparado para a vida que o comum dos
homens leva “casado, fútil, quotidiano e tributável”.
Não era um homem de família, que justificava com as
suas ambições literárias e por ter um lugar seguro na família que o trouxera ao
mundo. Contudo, essa família desmoronara-se com o correr dos anos, passando
então a viver sozinho, numa série de quartos alugados todos eles entre os
bairros da Estfânia e dos Anjos.
Os apuros económicos – sem apoio familiar — não eram
novidade mas começaram a ser maiores, manifestando-se especialmente na década
de 1910. Para poder dedicar mais tempo à sua escrita, Pessoa recusava trabalhos
com horário fixo numa altura em que todos os amigos e familiares lhe tinham
emprestado dinheiro, às vezes montantes elevados.
Acrescem a estas dificuldades, a aflição durante toda
a sua vida adulta por crises de depressão, derivadas do seu exacerbado
sentimento de solidão, neceesidade sentida desde a infância. “Um amigo íntimo é
um dos meus ideais, um dos meus sonhos, mas um amigo íntimo é algo que nunca
terei” – confessava Fernando Pessoa, em 1917, profetizando está dolorosa
estranha forma de vida.
Numa carta escrita à mãe, em 1914, Fernando Pessoa
referia-se a Mário de Sá-Carneiro como o “meu maior e mais íntimo amigo”
traduzida em mais de 200 cartas e postais desta e quase nenhuma de Fernando
Pessoa. Era uma amizade literária
de troca de poemas e de textos ou a pedir a Pessoa que visitassem amigos
lisboetas que lhe deviam dinheiro.
Raramente Fernando Pessoa era banal nas poucas cartas
que restam para Sá-Carneiro que se revelava o mais inseguro dos dois e
neceesitava da aprovação de Pessoa para se libertar das suas depressões em que
“me dói a vida aos poucos, a goles, por interstícios. Tudo isto está impresso
em tipo muito pequeno num livro com a brochura a descozer-se”.
Antecipava-se um
momento dramático para Fernando Pessoa: a morte do seu amigo.
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