Saturday, September 20, 2008

João dos Anjos: a alma da "Confiança"


João dos Anjos é quase uma emblema da Confiança, fábrica de perfumaria e saboaria, mítica fábrica confiança, se calhar uma das mais lucrativas em Braga na primeira metade do século XX e continua a laborar embora “amputada de certos produtos”.

Num tempo de competitividade feroz, a Confiança de hoje continua a fabricar “bons produtos, como há 50 anos, em que eram apreciados no mercado português e lá fora” e a vida de João dos Anjos confunde-se com a história da empresa.
João dos Anjos destaca os perfumes TS ou Veleiro, com uma base de alfazema que é muito agradável quer para senhora quer para homem e nos sabonetes o Alfazema”.

Nasceu na rua Nova de Santa Cruz em 1894, e João dos Anjos testemunhou os momentos altos desta empresa que chegou a produzir oito mil caixas de perfume por mês e quatro mil caixas de sabonete por mês, em finais da década de 30. Pastas dentífricas e pó de arroz eram também fabricados nesta empresa cuja marca social é notável com assistência medica aos trabalhadores e seus familiares bem como salário integral mesmo que o trabalhador faltasse por doença.

João dos Anjos começou a sua vida de 60 anos ao serviço da Confiança aos 11 anos, a 7 de Outubro de 1932, quando completou a quarta classe (“era quase um doutro naquele tempo”). “Fui para atender o telefone mas ele nem sempre tocava naquela altura e ia vagueava pela fábrica nos sectores de actividade desde sabão, sabonete, pó-de-arroz, pasta de dentes a perfumes, e essa atenção resultou. Eu 1944 eu sabia tudo e comecei a estar ligado a todos os produtos que saíam da Confiança”.

“Comecei a fazer de tudo e de nada. Até fazia caixas para sabão. Naquele tempo o sabão não era feito a vapor, mas a fogo directo que punha as gorduras a ferver. Comecei a fazer sabão” — recorda João dos Anjos o homem que estreava todas as máquinas novas que chegavam à Confiança.

“Eu fazia tudo o que havia dentro da Confiança, compor uma água de colônia, fazer a base dos sabonetes, porque era o mais importante porque agora as bases vêm feitas, são importadas” – acrescenta.

Entre as muitas histórias, João dos Anjos como os períodos difíceis da empresa como foi a chegada a Portugal do sabão de Offenback, em cores rosa (de Coimbra para cima) e azul (de Coimbra para baixo) e o nascimento da CUF que fabricava um sabão que “era uma maravilha para as lavadeiras”. Não havia lixívias e o sabão era rei e a “única coisa que tirava nódoas era o sol, era corar”.

“O TS é uma criação minha, um compunha os perfumes que levavam três ou quatro essências, entre elas a rosa da Bulgária que é caríssima. Cheira tão mal tão mal mas dá um aroma e fixação que é difícil de sair.

O contacto permanente com os perfumes era tal que “em minha casa ninguém comia nada daquilo onde eu punha a mão. A minha bata estava sempre suja”. Eu estava em toda a parte da fábrica.

A Confiança tinha três sectores principais: o do sabão, dos sabonetes e dos perfumes. Dentro deste, tinha as pastas de dentes, o creme de barbear (“fui eu que criei o Belopele e depois TS e depois Veleiro”).

A década de trinta foi a altura de maior modernização da Confiança, seguindo-se anos de grande esplendor. “Nós tivemos nessa altura uma creche e um medico para os trabalhadores e suas famílias. O medico dava baixa e a empresa pagava os dias de baixa como se os trabalhadores viessem trabalhar”.

Entre os visitantes ilustres, João dos Anjos lembra-se de várias visitas do presidente da Câmara e até do Marcelo Caetano.
“Eu estava em toda a parte a acompanhar a visita do presidente do Conselho, recorda João dos Anhos. Explicando ao governante como funcionava e o que produziam as máquinas, ao ponto de Marcelo ter desabafado para os donos da fábrica: “este rapaz está em toda a parte”.

Aposentado há 17 anos “sofre com a possibilidade do desaparecimento da Fábrica Confiança. Eu saí em 1992, com 60 anos de trabalho” e recorda ainda o último trabalho que fez: “inaugurar a linha mais moderna de tiragem de sabonetes, que tinha ido comprar a Espanha, que ainda hoje funciona com qualidade e é do melhor que há na Península Ibérica.”

A nossa conversa com João dos Anjos que “nunca teve horário de trabalho” não termina sem homenagem aos seus companheiros de trabalho porque ainda hoje, quando acorda tarde, fica preocupado porque “vai chegar atrasado à fábrica”.
“Sempre foram gente muito honesta, gente muito séria e grandes trabalhadores” — conclui João dos Anjos, um grande apreciador do fado.

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