Monday, April 19, 2010

Cem anos de República no Minho (3)



Apresentamos na crónica anterior algumas razões que explicam a lentidão da implantação dos ideais franceses em Portugal, cuja primeira tentativa aconteceu em 1820 e se traduziu na sua maior derrota, a independência do Brasil.

Depois vem nova reacção miguelista com a "abrilada" em 1824 e no ano seguinte Portugal reconhece a Independência do Brasil, um ano antes da morte de D. João VI, aproveitada por miguelistas que obrigam os liberais a fugir para França e Inglaterra.

D. Maria II tem sete anos de idade e D. Pedro IV, do Brasil, entrega o poder a D. Miguel que é aclamado rei em 1828, cargo que exerce até 1832, ano em que é destituído por D. Pedro, até D. Maria II atingir a maior idade. Foram anos difíceis para Portugal, com guerra civil e violenta repressão ideológica dos liberais sempre que "tentavam erguer a cabeça".

Novo revés para os ideais republicanos surge com a guerra civil entre liberais e absolutistas, entre 1832 e 1834, o que ajuda a explicar que a agonia e morte do absolutismo entre nós se apresentasse excessivamente longa.

A relativa precariedade da classe burguesa (porque dependente das benesses reais no Brasil) e a situação social do país, condenavam os militares (comandados por um britânico) a serem o fiel da balança nas situações revolucionárias e contra-revolucionárias que se anteviam entre liberais (D. Pedro) e absolutistas (D. Miguel), adiando a implantação dos ideais da República.

Nesse cenário, Braga e todo o Minho abraçam a causa miguelista devido, em primeiro lugar, à matriz religiosa do discurso político de D. Miguel, com a sua componente messiânica, factor que aliado à prática da hegemonização política (a partir de 1828) contribuem para a resistência miguelista entre 1836 e 1846.

Em Braga, os anos vividos entre 1828 e 1834 foram de grande agitação, com a Igreja Católica a colocar-se ao lado dos absolutistas de forma escandalosa — aos olhos do nosso tempo. Braga foi uma das cidades onde o miguelismo teve maior implantação mas onde a resistência liberal foi mais sacrificada, por três razões fundamentais apontadas no parágrafo anterior.

A matriz religiosa do discursos do miguelismo coincidia com os interesses de uma Igreja Católica feudalizada em que a ameaça de uma revolução à francesa — cujos ideias tinham sido disseminados por soldados durante as invasões e outras associações — perturbava os responsáveis eclesiásticos. Estes estremeceram de espanto e de horror face não só às atrocidades revolucionárias sofridas por diversos membros do clero francês mas sobretudo devido aos demolidores efeitos polí´ticos e sociais de um programa "descristianizador".

Valores e "verdades consagradas desde a Vinda de Cristo eram alvejadas com ousadia "diabólica" pela "deusa Razão" o que constituía uma ameaça concreta para a igreja romana. O recurso à defesa era entendido não só como um direito mas também como imperativo de sobrevivência. A contra-revolução miguelista teve assim no regaço católico o terreno propício para vingar, ao associar-se à denúncia do "assalto da impiedade à cidade de Deus".

A motivação do apoio do clero e D. Miguel não era apenas económica mas ideológica: estava em causa a sobrevivência de uma religião multissecular e esta ideia era vigorosamente defendida nas visitações feitas pelos clérigos de Braga às aldeias de Póvoa de Lanhoso, Barcelos, Famalicão, Vila Verde, Vieira do Minho, Esposende, Viana do Castelo, etc.

A militância era expressa nas prédicas litúrgicas e nas conversas paternais saturadas de miguelismo sucede a uma atitude de "esperar para ver" durante o liberalismo, como o comprova a Carta pastoral do Arcebispo D. Frei Miguel da madre de Deus, que secundava o apelo do Chantre da Sé, Dr. João José Vaz pereira, em 1823 e especialmente entre 1828 e 1834. "Em Braga e pode dizer-se que em todo o vasto território da respectiva arquidiocese (entre Ave e Minho) foi intenso o empenho da Mitra no sentido da mobilização pastoral dos párocos e da sensibilização dos crentes para o perigo das paixões e das más doutrinas, resvalando a partir de 1828 (chegada ao Poder de D. Miguel) na apologia veemente do "nosso legitimo Rey o senhor Dom Miguel Primeiro".

O arcebispo de Braga colocava em "primeiro lugar a fidelidade, e obediência devidas ao Soberano e as Leis, obrigação aliás reconhecida por Jesus Christo Nosso Senhor e Devino Salvador" (cf. Fundo de Visitas e devassas, Arquivo Distrital de Braga, nos Capítulos de visita da Igreja de S. Pedro de Riba d'Ave, fl. 3).

Porquê? O Arcebispo justifica: "este Reino ve o seu sollo manchado naõ so com incredulos, mais com inimigos declarados da Religiaõ Santa e da sua Santa Igreja, da qual se achaõ separados por meio de hum scisma e o mais escandalozo, e com armas na maõ para firmarem o império da Anarquia e da erreligiaõ".

Num apelo final, o arcebispo de Braga pede ao povo que "naõ cece de orar pella vida i conservação do nosso legitimo Rey O Senhor Dom Miguel Primeiro cuja falta seria para nos mal e ainda maior que os orrores da peste".

Este discurso foi profusamente divulgado, em 1832, através de frades e de párocos "zelosos" cumpridores das circulares enviadas, expondo-se assim à retaliação dos Rebeldes do Porto (liberais), inevitável após 1834.

Para salvaguardar os seus ideias, a Igreja voltou a ser cúmplice de métodos miguelistas — que atingiram membros do clero — que recorriam à espionagem, as milícias que reprimiam os "liberais", com devassas, processos ilegais (como aconteceu com o padre Caetano Pipa, pároco de Adaúfe em que o povo obrigou o Arcebispo a dar o dito por não dito depois de o ter suspenso sem ou ouvir), sem esquecer a forca, o fuzilamento, o degredo para África ou as prisões na Metrópole.

É mais um período negro da História da Igreja em Braga e no resto do país que é reforçado com a malograda revolta do Porto, havendo conhecimento de incidentes vários no Minho, até ao eclodir da guerra civil em 1832.

Nesse tempo, escreve A. Minici Malheiro, Braga não era mais que "uma cidadela medieval, onde a vilanagem de roupeta e sandálias campeava como senhores feudais sobre bandos de imbecis imundos, fanatizados, narcotizados, como Endemiões condenados ao sono eterno, especialmente após a deportação dos valentões para a Índia".

Por sua vez, "o Povo de Minho, na sua maioria, continuava mergulhado na mais profunda ignorância do mundo, dos homens, das coisas, de si mesmo, supersticioso e hipócrita, o que só muito a custo se foi desvanecendo, graças à propaganda dos liberais do constitucionalismo", entre os quais pontificava o grande empresário Manuel Joaquim Gomes, a quem Braga deve hoje a pérola que é o elevador do Bom Jesus do Monte.

Nota: foto extraída de www.delcampe.net

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