Wednesday, December 3, 2008

A (des)ilusão do luxo do lixo



No meio da actual crise que nos foi dada como presente pelos grandes grupos financeiros neste final de 2008, façamos o exercício de folhear um daqueles suplementos de artigos de luxo que os nossos semanários teimam em impingir-nos pelos olhos dentro.

Ficamos tão desconcertados como curiosos, com aquela modelo loura que se cobre de peles e tem um cachorrito nos braços.

O cachorro desafia-nos com olhos arregaladitos como a dizer-nos que está ali contrafeito. A única pobreza naquela foto deve ser a do fotógrafo que não se vê e da modelo que não tem direito a mostrar a cara.

De resto, luxo não falta no cenário que nos é proposto ao olhar, desde as malas de pele de todos os feitios e tamanhos, sobre a relva, aos pés da beldade. Um Mercedes descapotável e desportivo tem como cenário uma mansão para onde olha a dama.

Depois de nos fixarmos neste quadro durante alguns momentos, somos despertados para a pobreza, a tal realidade que, por mais que se oculte, não nos sai da memória de ontem e de hoje.

Os mesmos jornais que nos mostram a opulência do luxo para uma minoria são os mesmos que chamam a imensa maioria a dar de si nas campanhas de solidariedade, porque é politicamente correcto associar-se a estas iniciativas.

À medida que avançamos no suplemento e nos descrevem os luxos de outras marcas, vamos descobrindo que até o luxo é uma mentira, tendo em conta a multidão de artigos contrafeitos que aparecem no mercado.

Afinal, agora, nestas semanas que antecedem o Natal, não existe outra verdade que não seja a pobreza.

A pobreza daqueles que apenas têm o luxo de apreciar suplementos com artigos inacessíveis mas possuem a riqueza de se prontificarem a dar alguma coisa aos pobres, de entre o pouco que possuem.

A miséria daqueles que falsificam artigos de luxo e a pobreza daqueles que compram artigos falsos para ostentarem luxo falso contribuem, cada um a seu modo, para o empobrecimento da imensa maioria que mastiga a mágoa em silêncio e seca as lágrimas com as mãos calejadas de trabalhar de sol a sol... para confeccionar esses artigos com salários miseráveis.

Neste tempo de inverno, a maioria dos portugueses é convidada a fazer como o urso que, nos invernos, não tem que comer nem que caçar.

Todavia, até o urso tem mais sorte que a maioria de nós: pode hibernar e nós não. Ele espera que o Inverno passe. Nós não sabemos se a crise tem fim.

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