Thursday, February 28, 2008

Alberto Vieira: a simplicidade não é simples de fazer



É ceramista desde há 21 anos e todos os anos executa, pelo menos, um presépio, mas Alberto Vieira é um artista com imensa actividade espalhada através de uma dezena de exposições individuais e cerca de quarenta mostras colectivas.

A simplicidade deste vilaverdense, nascido em Pico de Regalados mas radicado em Braga desde a Juventude, não contradiz a qualidade atestada por inúmeras distinções, das quais destacamos o primeiro prémio em várias edições do Concursos de Design Cerâmico nas Caldas da Rainha, ou o primeiro lugar no concurso para a escolha da mascote do Europarque, na Vila da feira, há 12 anos.

Da Coreia guarda gratas recordações devidas à menção honrosa no World Ceramic Biennale 2003, enquanto a Valência foi buscar o Prémio Deputació na VI Bienal Internacional de Cerâmica Manises. No ano passado arrebatou o prémio especial do júri da VI Bienal de Artes plásticas da Marinha Grande.

Mas os prémios que mais o engrandecem são aqueles que enriquecem os espaços públicos de Braga ou de vila Nova de Cerveira, para além das esculturas presentes nos Museus de Olaria de Barcelos, de Cerâmica das Caldas da Rainha ou ainda do Museu Alberto Sampaio (onde esteve presente durante o último Verão) e no Mosteiro de Tibães.

Todavia, a sua arte está intimamente associada aos presépios que faz desde há vinte e um anos, reunidos em livro, numa iniciativa recente da Fundação Bracara Augusta.

Tudo isso é justificação suficiente para a entrevista:

Correio do Minho — Como nasceu a ideia de publicar este livro dos 27 presépios?

Alberto Vieira —
A ideia apareceu na Fundação Bracara Augusta, através da dra. Maria do Céu Sousa Fernandes que tem acompanhado o meu trabalho. Fazia este ano vinte anos de presépios. É sobretudo um registo destes vinte anos de trabalho nesta área específica dos presépios. Pode-se perguntar porque apareceram vinte e sete presépios, sendo uma compilação de vinte anos de trabalho, acontece porque houve anos em que foram feitos mais que um presépio. O livro é sobretudo uma compilação desse trabalho desses vinte anos e isso significa que cada ano tenho vindo a fazer um presépio diferente, tenho vindo a fidelizar sobretudo coleccionadores e também é uma das razões porque continuo a fazer presépios. As pessoas criam expectativas e esperam sempre todos os anos por um novo modelo. A Fundação Bracara Augusta, sabendo deste meu trabalho, propôs-me fazer este livro e eu aceitei e estou muito satisfeito. Tenho que agradecer sobretudo à doutora Maria do Céu Sousa Fernandes que teve a iniciativa e à Fundação que patrocinou o livro, juntamente com outras empresas que tornaram possível esta edição de mil exemplares. Marca um período de trabalho e é importante ter esse registo em livro, para a pessoa e em termos de futuro para se saber o que fiz.

CM — Que tipo de presépios podemos encontrar neste livro?
AR —
Como disse Eduardo Madureira na apresentação do livro, o meu trabalho na área dos presépios é um bocado eclético. É difícil descrever por palavras aquilo que lá está. São resultados de influência de muitos países, de muitos estados de alma, de muitos contextos e cada um é um bocado diferente, nos materiais, na abordagem estética, nas cores, na textura, que resulta de diferentes contextos em que foram feitos. É uma minha forma de trabalhar, tentar reinventar e redescobrir algumas coisas.

CM – Existe alguma justificação ou explicação para esta inclinação de fazer presépios, a uma média de um por ano e em alguns anos mais que um?
AR —
Não encontrei. Tenho uma formação católica como quase toda a gente, tenho referências muitos fortes em relação a esta época do ano e ao presépio, mas eu não encontrei uma resposta que satisfizesse em termos de ter consciência de saber porque é que faço presépios.

CM — Mas há uma mensagem nos seus presépios?
AR –
Eu acho que há uma mensagem em tudo o que a gente faz. Não pretendo dar uma mensagem especial com os presépios, até porque os presépios são eles próprios uma mensagem, Toda a gente sabe o que é um presépio, desde a antiguidade, portanto, não vale a pena estar a colar-lhe grandes mensagens. Essa ideia já existe na cabeça das pessoas, é um triângulo amoroso, pode ser muitas outras coisas ou o que ele representa.

Por exemplo, aquele modelo de família que está ali, para uma sociedade ocidental, é um modelo que acaba por ser um paradoxo. É um modelo que nós adoptamos e nem sequer é muito igual àquilo que nós temos de família. Aquele pai que está ali não é o pai daquela criança. A sociedade ocidental adoptou como modelo aquela família e esse paradoxo tem piada porque o nosso modelo de família não é assim, em termos gerais. Tem esses lados mais ou menos singulares. O presépio, em si, não tem grande piada, não é mais que isso, mas as pessoas podem ver ali outras coisas, com mensagens subliminares que as pessoas podem descobrir e tem essa liberdade.




CM — O professor vem do Pico de Regalados. Qual foi o seu percurso até ao tempo presente?
AR -
Fui uma criança normal, com a minha infância na aldeia. Depois, a família aumentou, somos seis filhos, e quando houve necessidade de começarmos a estudar, tivemos de vir para Braga. Instalamo-nos em Braga. Eu com 16 anos, fiz a primeira exposição de pintura mas quando era criança o meu desejo era ser arquitecto, fazer muitas coisas.

As coisas foram surgindo naturalmente, fiz o meu curso, na Escola Industrial Carlos Amarante concorri para dar aulas de trabalhos manuais e foi o que fiz aos 18 anos, depois fiz um curso de complemento de formação específica na área da pedagogia, e a cerâmica surge assim quase sem eu fazer nada por isso. Descobri que era um material plástico, com muitas potencialidades, com uma facilidade muito grande em ser transformada para podermos concretizar as ideias e os projectos. Aderi à cerâmica e fui fazendo umas coisas.

Entretanto, surgiram outros materiais e tenho alguns trabalhos que fui fazendo com madeiras, com ferro, aços, pedra, conforme o cliente, muitas vezes. Trabalhos de grande dimensão e mais pequenos,

CM — Disse-nos que em pequeno queria ser arquitecto mas sempre teve um certo fascínio pelas artes plásticas. É uma inclinação familiar ou existe outra razão para explicar esse gosto.
AR —
Esta opção não tem explicação. Não sei porque é que acontece e o meu caso é um bocado o paradigma disso porque na minha família não tenho tradições artísticas. O meu pai foi muitos anos empregado de mercearia, a minha mãe era modista. Soube já quando era adolescente que tinha um avô que era ourives. Não sei se tem alguma relação ou não tem.

Mesmo a minha formação não é também na área das artes plásticas ou coisa que o valha, digamos que esta minha necessidade — não sei se posso dizer assim — por me expressar neste trabalho, não está na minha formação académica, está naquilo a que alguns chamam auto-didactismo. Acho que ninguém é autodidacta, estamos envolvidos num mundo, numa série de coisas que vão acontecendo e nós estamos sempre a aprender com os outros. Estamos abertos a todo o tipo de influências e isso é que nos vai formando.

CM — porque escolheu a cerâmica?
AR —
Há coisas de infância que ainda hoje recordo que eventualmente me fizeram despertar para a cerâmica. Lembro-me do fascínio que tinha pelos bonequinhos até do presépio, que se montava nas casas. Havia também um prato que ofereceram aos meus pais, em baixo relevo e eu achava aquilo fascinante quase transcendente. Lembro-me de desfazer um tijolo para tentar fazer uma massa, pensava eu que era possível, uma pasta; porque também me lembro muitas vezes de estar à mesa à espera da sopa e com o miolo do pão fazer uns bonequinhos, O meu pai não gostava nada mas eu fazia umas carinhas e uns bichinhos. Era muito pequenino.

Eu não acredito muito nessa coisa do destino, mas acaba por ser natural em mim no que eu faço. Eu nunca procurei, foi surgindo, não sei porque estou a fazer isto e não outra coisa. Há muitas coisas que surgem na vida das pessoas por acaso e as pessoas vão conhecendo.

O meu percurso artístico é um bocado isso, nunca foi planeado, nunca me sentei a pensar... agora vou fazer isto ou aquilo. Se surge uma bienal, eu participo, se surge um concurso eu participo, se surge uma proposta ou projecto de trabalho, se puder faço, ou se surge uma encomenda também faço, é assim. As coisas têm me corrido bem.

CM — Dá para viver das encomendas?
AR —
Acho que podia viver deste trabalho. Já tenho os filhos formados, o período das dificuldades já passou mas eu também gosto muito de dar aulas.

CM - … E tenta conciliar as duas coisas…
AR —
Consigo, tenho que roubar muitos fins-de-semana ao meu descanso, trabalhar aos sábados e domingos, sobretudo nesta altura do natal. Acontece-me sempre e tenho uma relação com o trabalho muito forte.
Não estou quieto.




CM – Mas não pode ser definido apenas como um ceramista?
AR —
Custa-me um bocado a aceitar esses rótulos, mas, pronto, as pessoas têm de ser identificadas por alguma coisa. Não temos de pôr isso à frente da pessoa. Acho que em Portugal se faz demais. O dr. é muito importante e o eng. Também é. Acho que isso é muito bacoco e provinciano, as pessoas terem de se apresentar com mais alguma coisa à frente do nome.

CM — Estamos a tentar definir o seu trabalho principal.
AR —
Não, eu faço trabalhos em vidro, escultura, muita coisa, aquilo que eu acho que posso fazer no interesse da minha evolução, através de cursos, de reciclagens, para diversificar a actividade para além da cerâmica. A gente não saber quase nada.

CM — Costuma fazer exposições regularmente?
AR —
Ainda este ano houve uma exposição com alguma dimensão no Museu Alberto Sampaio, em Guimarães, que esteve aberta ao público nos meses de Julho e Agosto. Foi no âmbito do projecto Museu à Noite, eu tive uma exposição que esteve lá nesse período e foi muito visitada.

CM — Está prevista mais alguma?
AR —
Por agora não. Estou a trabalhar para o Natal, a acabar o presépio deste ano. Há muita gente a coleccionar presépios. Há grandes coleccionadores. Eu tenho um cliente que é possuidor da maior colecção de presépios da Península Ibérica.

CM — Quantos exemplares faz de cada presépio?
AR —
Costumo fazer trinta mas este ano vou fazer uma tiragem de 45. Os presépios são numerados, com assinatura do artista e as pessoas já sabem que estão a comprar um presépio de uma série que tem mais X presépios. Há mais gente a querer presépios e por isso fiz uma tiragem maior.

CM — Qual é o traço diferenciador ou identificativo do presépio deste ano?
AR …—
Não sei explicar. Só mostrando. É muito simples e eu acho que cada vez mais temos de fazer as coisas mais simples. É isso que temos de fazer na vida. Simplificar a todos os níveis para melhorar a nossa qualidade de vida, a nossa relação com a Terra, com o mundo e com as pessoas. Essa ideia da relação com a natureza não é nova, só que a gente esquece-se muito. Outros transformam-na num negócio, comos e vê agora com a reciclagem.

CM — Como artista plástico, como está a arte em Portugal?
AR –
Acho que está bem e recomenda-se. A arte sempre esteve bem mas em termos comerciais, estamos numa encruzilhada muito grande. Está tudo inventado. A questão é essa. Há artistas que ainda consegue fazer qualquer coisa que nos crie admiração ou espanto. Se calhar o talento é isso. Há tanta gente a trabalhar que é muito difícil ser-se original e as linguagens já foram quase todas experimentadas.

Neste momento, o que prevalece é um certo caos organizado, uma certa mistura de tudo, que funciona muito bem. É isso que eu estou a assistir. A minha filha, acabou Belas Artes há dois anos, e o aquilo que ela faz é um bocado o que eu sinto: a pintura no sentido mais tradicional do termo não existe. Pintar com o pincel, é uma coisa que para os jovens artistas não faz muito sentido. Está–se a criar muito a ideia de que é preciso reaproveitar aquilo que é considerado lixo, a ideia da reciclagem está muito presente na arte. Ainda bem que assim é.

Hoje faz-se a arte de quase tudo, de quase todo o tipo de materiais, e há coisas com resultados fabulosos, ideias fantásticas.
Em termos comerciais, parece-me que se está a fazer uma selecção natural. Houve um período em que toda a gente vendia, o mercado era forte e havia uma tendência muito grande para comprar arte. Acho que agora só se está a vender aquilo que é de pessoas com algum estatuto, que têm uma certa protecção do mercado.

O mercado da arte é muito complicado. É assim uma espécie de economia paralela, nãos e percebe muito bem como funciona. Em termos da cidade de Braga, é o que sempre foi.

É um grupo de compradores e são quase sempre os mesmos mais alguns amigos e família. São quase sempre as mesmas pessoas e eu acabo por concluir que é melhor trabalhar para um grupo de pessoas que aprecia e nos vai dando valor do que querer uma atitude mais abrangente e universal.

É preferível nós termos o nosso publicozinho - uma expressão que já ouvi aí — e estarmos bem com essas pessoas.
Se a gente puder dar alguns saltos lá por fora, é óptimo, até porque são desafios que por vezes nós pensamos que estamos preparados e não estamos.

Já me tem acontecido concorrer a bienais - por exemplo na Itália — e não ser aceite. Esta coisa de que a gente chega a um certo ponto e pensa que já é artista não é assim.

CM — existe algum momento mais feliz na sua carreira?
AR —
Não sei. É um bocado difícil. Não tenho trabalhos preferidos porque eu acabo de fazer uma coisa e já estou a pensar noutra, se for capaz. Há uma coisa que eu não posso negar: eu gosto de me surpreender com o meu trabalho. Se eu for capaz de fazer isso, eu acredito naquilo que estou a fazer. Ao surpreender-me a mim também vou surpreender as outras pessoas. É um bocado essa atitude que eu tenho em relação aquilo que faço.

Não posso negar que há um trabalho ou outro que eu posso achar que fui mais feliz ou resultou melhor. Isso acontece. A atitude que eu tenho é acabar uma coisa e fazer de conta que já não existe. Não gosto de remoer sobre o que está feito, pois não ando para a frente; há sempre a hipótese de encontrar defeitos. Isso vai inibir-nos.

CM — Em termos europeus, como está?
AR —
Eu não posso esquecer que vivo num mundo fechado para a arte. Eu vivo em Braga porque quero e não me posso queixar de nada. Podia ir para outro sítio qualquer mas o problema é a quantidade de gente, quando se quer ir para fora expor. Estou-me a lembrar de uma bienal que participei na Coreia.

A primeira vez que participei, concorreram quatro mil pessoas para seleccionar 150 - está a ver como isto é. Depois são todos bons e de todo o mundo, porque os prémios são fabulosos. O prestígio daquelas bienais é muito grande…

CM – Não intenção de realizar uma exposição em Braga?
AR –
É uma questão de me propor e eu aceito. Fiz uma boa exposição aquando do bi-milénio em Braga, fui artista permanente da Galeria Mário Sequeira, continuo a trabalhar para a BeloBelo.

Não estou descontextualizado da cidade, mas gostava de fazer uma coisa de grande dimensão, com várias figuras. É uma ideia que anda a ser trabalhada, com uma exposição muito próxima das pessoas, na rua, à mão das pessoas, sem elas terem aquela inibição que é dar um primeiro passo para entrar numa galeria, que muita vezes é difícil.

Percebo que haja muita gente que não entra nas galerias porque não se identifica com aquele mundo, ou que é uma coisa que está fora do seu alcance. Criou-se um bocado essa ideia que o artista está for a da nossa vida normal e do quotidiano.

É preciso desmontar isso tudo, quando as pessoas perceberem que os artistas são iguais a elas, são pessoas de carne e osso, que comem e vivem como elas, com problemas e alegrias, vai ser mais fácil.
Para já é tudo um embuste porque se cria muitas vezes uma certa imagem de que o artista é especial, de outro mundo que tem direito de dizer disparates e andar distraído. Eu não aceito isso.

CM — de bater com a cabeça nos postes…
AR –
é. Eu nunca aceitei isso. Temos que pensar, viver, sacrificar-se como as outras pessoas. Depois também há aquela ideia de que para o artista é tudo fácil, de fazer, de ganhar dinheiro. São chavões, são coisas terríveis, que não correspondem aquilo que se passa. Por exemplo, a inspiração, muitas vezes é trabalho, trabalho, trabalho. Se deixarmos de trabalhar, deixamos de evoluir.

É como um pianista. Para ser cada vez melhor pianista, tem de trabalhar todos os dias. Nós muitas vezes trabalhamos, só por trabalhar, por fazer coisas, a tentar evoluir e fazer mais e melhor. Temos que andar um bocadinho mais atentos às coisas e aos pormenores e transformar aquilo que vemos em objectos conceitos e coisas.

CM — Como define os seus trabalhos?
AR —
Eu sei reconhecer e tenho noção daquilo que fiz e sei que tenho muita estrada para andar.

CM — A simplicidade é uma das suas características?
AR —
A simplicidade não é o que é mais simples de fazer. A ideia de simplicidade é sintetizar muitas coisas pelas quais já andamos. Para fazer essa síntese é preciso andar por vários, sítios, fazer várias tentativas. Não é uma obsessão para mim, a simplicidade, mas procuro que faça parte do meu trabalho.

CM — Gosta muito do branco…
AR —
depende das épocas. Se vier cá para o ano, estou a fazer tudo preto. Não tem explicação óbvia, imediata. Há imensas variantes e factores que influenciam as nossas escolhas e por isso não sou capaz de definir o meu trabalho.

Não gosto de fazer sempre a mesma coisa, sou eclético. Não estou muito preocupado em catalogar-me. O meu trabalho é identificável. As pessoas sabem que é meu e isso já não é meu. Significa que há as pessoas chamam estilo. Já pode sastifazer-me mas há muita coisa que eu quero aprender.

Faço o melhor que posso e o melhor que sei neste momento. Não estou agarrado a modelos, a ícones, a estilos, porque surge muito do que eu sou.

O pintor pinta-se e eu sou um bocado assim, eu não escondo nada do que eu sou. Não tentei criar uma fórmula, se calhar é um erro, mas é uma opção.

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