Wednesday, March 3, 2010

Cem anos de República no Minho (1)


A implantação do regime republicano, há cem anos, começou com as invasões francesas que fizeram sangrar o Minho há 200 anos e semearam o terror, destruição e custaram milhares de vidas no Minho.

Quatro anos de guerra deixaram o país em situação "miserável" — como escreve o historiador Oliveira Marques na sua "História de Portugal" ao sublinhar que aquelas invasões "devastaram boa parte de Portugal, sobretudo a norte do Tejo. A agricultura, o comércio e a indústria foram profundamente afectados, já sem falar das perdas de vidas, das crueldades habituais e das destruições sem conta".

A esta primeira das cinco causas que hão-de conduzir mais tarde cem anos à implantação da República, junta-se o saque de franceses e ingleses de um bom número de mosteiros, igrejas, palácios, levando consigo toda a casta de objectos preciosos, incluindo quadros, esculturas, móveis, jóias, livros e manuscritos de incalculável valor. Eram riquezas que faziam imensa falta a um país pequeno como o nosso.

A terceira causa resulta da presença, entre 1808 e 1821, dos ingleses que transformaram este reino numa colónia, enquanto a fuga da família real transformava Portugal numa colónia do Brasil.

O Brasil fora proclamado Reino, unido a Portugal, cuja Rainha D. Maria I, que morrera em 1816, deixara no poder um D. João VI que não manifestava desejo de regressar a Lisboa. Aqui começa o descrédito da Monarquia da qual nunca mais se vai levantar.

Os príncipes revelavam-se mais brasileiros que portugueses, uma vez que o mais velho saíra de Lisboa com apenas nove anos. A reg~encia do reino mantinha os métodos de governação indiferente aos novos ventos liberais que sopravam de França, trazidos pelos soldados e pela presença francesa.

Começava a germinar, um pouco por todo o país, o descontentamento contra o rei e contra os ingleses que se apoderavam do território, do exército e dos pontos fulcrais do Governo.

A situação económica do povo e da classe burguesa, devastada pelas invasões francesas e pelos pesados tributos aos ingleses, agravava-se sem horizontes positivos à vista.

Por toda a parte, havia sinais do fermento da revolução republicana que há-se florir cem anos depois.
Perguntar-me-ão os leitores: porque resistiu tanto tempo a monarquia decrépita ao avanço dos ideais republicanos, num país esvaído e pobre?

Com a presença dos ingleses, apenas 40 anos depois da revolução Francesa começam a despertar os ideais, devido à situação periférica do país em relação á Europa e ao atraso económico, financeiro, técnico, social e cultural do povo.
A onda de inovação não encontrou eco no povo mas apenas em alguns pilares da burguesia comercial dos principais centros urbanos porque o resto do país — com a nobreza e família real no "bem bom" do Brasil — retomava as actividades primárias na agricultura, permanecia no senhorialismo, sob omnipotência e omnipresença da Igreja Católica e do padre sobre as massas camponesas mais ou menos miseráveis e analfabetas.

A situação em que vivia o povo é bem descrita pelo bracarense A. Ménici Malheiro, quando diz em letra de forma, um dos grandes republicanos: "Dos arceispos, só um merece o nosso aplauso, por isso mesmo não foi canonizado: — D. Frei caetano Brandão, antigo bispo do Pará, onde fez um excelente lugar para a causa da humanidade, visto que, sob o ponto de vista religioso, não nos interessa.
Dos restantes, uns - muito poucos - merecem o nosso respeito, apenas, como homens, pelo que fizeram em benefício de Braga, a outros, que são a grande maioria, unicamente votamos a nossa mais revoltante indignação, pela falta de patriotismo, como Frei Bartolomeu dos Mártires, e pelo muito que fizeram sofrer os nossos pobres antepassados, explorando-os, vexando-os e, o que é mais, conservando-os mergulhados na mais profunda ignorância, para melhor tripudiarem sobre eles
".

E tanto é assim que o marechal Beresford, além de comandar a vida portuguesa e reorganizar o exército, foi ao ponto de restabelecer a Inquisição e o Juízo de Inconfidência e encheu as prisões de suspeitos da "pedreirada" — maçonaria.

As fainas comerciais entre Lisboa e o Brasil levaram algum tempo a reforçar a burguesia como agente político e social contra a monarquia (brasileira) até porque esta ajudava-os a levar a sua vidinha. "Não havia motivos suficientemente fortes para que a burguesia se sentisse muito lesada pela monarquia absolutista" — como assegura Joel Serrão no seu Dicionário de História de Portugal.

A revolução era ideia de desembargadores. alguns frades e foreiros apelidados de "maçons" pelo clero receoso de perder muitos dos seus direitos e regalias.

Ménici Malheiro refere, em Braga, havia "três classes: a dos cónegos capitaneada pelo arcebispo, a dos nobres, cuja nobreza hoje sobejamente conhecemos, e a dos servos ou párias, a quem só era dado trabalhar para as duas primeiras classes, rezar e, quando já velhos, estender as mãos dos conventos".

Novo revés para os ideais republicanos surge coma guerra civil entre liberais e absolutistas, entre 1832 e 1834, o que ajuda a explicar que a agonia e morte do absolutismo entre nós se apresentasse excessivamente longa.


A relativa precariedade da classe burguesa (porque dependente das benesses reais no Brasil) e a situação social do país, condenavam os militares (comandados por um britânico) a serem o fiel da balança nas situações revolucionárias e contra-revolucionárias que se anteviam entre liberais (D. Pedro) e absolutistas (D. Miguel).

Assim, estavam criados os ingredientes para novo conflito entre os portugueses, em 24 de Agosto de 1820, como eco da revolução liberal espanhola, aproveitando uma ida de Beresford ao Brasil para trazer de lá dinheiro para pagar as despesas militares. O país parecia não ter emenda, depois do desastre dez anos antes... como veremos na próxima crónica que não passará ao lado de Braga e dos arredores.

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