Friday, January 29, 2010

Franceses em Braga há 200 anos (28)


Na crónica anterior, recordamos como foram lançadas as sementes para a aliança entre o clero, as autoridades locais e o povo, no mesmo objectivo patriótico na região de Entre Douro e Minho, estimulando em cadeia o mesmo sentimento anti-francês para lá do Marão, como testemunho as grandes celebrações de que há documentação em Melgaço, Guimarães, Viana do Castelo, Braga e Póvoa de Lanhoso. Esta aliança foi decisiva na expulsão dos franceses há 200 anos.

Ao lado desta movimentação do povo em armas, há o trabalho desenvolvido pelas Juntas, onde igualmente a igreja estava presente, aliadas às hierarquias militares, uma vez que o exército Português estava praticamente sem efectivos de combate no terreno, para a formação dos milicianos. Os casos de Braga e de Viana do Castelo são paradigmáticos.

Os documentos que nos testemunham este movimento são os cartórios notariais ou então documentos oriundos dos mosteiros que, poucos anos depois, vão ser banidos. De alguns deles daremos conta na próxima crónica os quais atestam até que ponto o clero do Minho se envolveu de forma decidida e directa no combate aos franceses.

Já aqui recordamos que foi de expectativa e de reserva a atitude do clero, nos primeiros meses de presença em Portugal do exército invasor napoleónico e de hostilidade crescente, depois, até à expulsão de Massena. Junot, na primeira invasão, dera a conhecer a hipocrisia das suas intenções marcadas pelo engodo em que caiu o Patriarca de Lisboa, morto pouco depois de senilidade e desgosto.

É dessa fase intermédia o comportamento do Arcebispo de Braga que decidiu cumprir uma parte das decisões de Junot, ao contrário de muitos sacerdotes da arquidiocese, mas ignorou a vontade dos franceses no que respeita ao reconhecimento da rainha, continuando a celebrar missa solene no dia de aniversário da raínha.

Quando se dá a segunda invasão, por terras de Barroso e Lanhoso, em direcção ao Porto, com a batalha de Carvalho d'Este, em Covelas, já o sentimento popular anti-gaulês estava bem vivo, alimentado pelos ecos que vinham de Espanha.

Tanto é assim que em Junho de 1808, Braga proclamava-se a favor dos franceses mas encontrou no clero um agente da resistência patriótica, apesar das vozes em contrário de alguns afrancesados. Por força disso, o ambíguo D. José da Costa Torres, arcebispo de Braga, mandou descobrir as armas reais na fachada do paço e restaurou na missa a colecta pelo príncipe regente e sua família.

Na fronteira norte da dioceses (que incluía então o Alto Minho), Melgaço estava em rebelião aberta contra os franceses, assistindo no dia 9 de Junho ao te Deum e ao sermão de circunstância na igreja da vila com a presença das autoridades. A resistência aos franceses faz-se ouvir depois em Guimarães, liderada por Mons. Miranda, no dia 16, e no dia 18 de Junho, em Viana do Castelo.

A sintonia entre o clero, as autoridades locais e o povo, no mesmo combate patriótico era um facto em toda a região do Minho que se espalha em cadeia a Trás-os-Montes e ao Douro, apesar de alguma indecisão no Porto.
Ao lado desta movimentação do povo, há o trabalho desenvolvido pelas Juntas, onde igualmente a igreja estava presente e os casos de Braga e de Viana do castelo são paradigmáticos.

Na verdade, é a Junta de Viana que envia ao Arcebispo primaz de Braga a carta em que lhe dá conta da revolta e o convida a juntar, onde se destaca o monge beneditino Frei Francisco de S. Luís, do Mosteiro de Carvoeiro — como destaca o historiador Oliveira Ramos in "A resistência contra o expansionismo napoleónico".

São também os vianenses que exortam os portuenses à rebelião em nome do Príncipe regente e contactam o comando naval inglês estacionado em águas de Portugal.
Na carta endereçada pela Junta de Viana ao Arcebispo de Braga agita-se o argumento religioso de modo a dar importância à intervenção do clero para "dinamizar e sustentar a luta armada" porque repelir o jugo estrangeiro "constitui um dever sagrado pela exigência de fidelidade ao juramento político, fundado no religioso".

O Arcebispo de Braga mostra-se receptivo ao apelo e escreve aos "vereadores da Câmara de Braga a solicitar-lhes a adesão oficial, mostrando conhecer o que sucedera na região nortenha". A resposta da Câmara de Braga é positiva embora alerte que o "sucesso de causa tão justa e religiosa" deve contar com o apoio da Junta Suprema provisional do Porto.

Em Braga, coube ao arcebispo presidir à Junta provisória, sendo eleitos pelo clero o abade de Maximinos, Manuel José Leite, e o deão da Sé, Luís Furtado de Mendonça: A Junta de Braga merece o assentimento de Guimarães que acicata os ânimos ao pedir que "as forças não ficassem apenas na defensiva, mas passassem de imediato à acção" — escreve Bernardino da Senna de Freitas em "Memórias de Braga, II, Braga, ed. Imprensa católica, 1890, pp. 365 e ss.

Frades e padres seculares foram os primeiros a alistar-se em corpos de voluntários e às rendas do cabido de Braga, destinadas à defesa, juntavam-se listas abertas a donativos e subscrições públicas em que a participação dos clérigos era saliente.

Neste movimento de base religiosa contra os gauleses participaram também os conventos femininos: enquanto as religiosas do Convento de Santa Clara de Vila do Conde enviam a oferta de seis contos de reis em metal, todas as congregações femininas portuenses não só acodem com donativos como confeccionaåram muitos milhares de mochilas e tudo o mais que se destinava a vestuário dos soldados.

No meio deste fervor patriótico e religioso que raiou tantas vezes o apaixonado fanatismo, alguns acaram por ser vítimas inocentes da sua ambiguidade, provando mais uma vez que os conflitos com motivações religiosas não ficam a dever em selvajaria aos conflitos puramente militares. É a retaliação do povo aos colaboracionistas, suspeitos ou comprovados, pela intriga ou pela calúnia que enchem as prisões até de inocentes, entre eles alguns padres...

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