Monday, February 19, 2007

Basto: “Um buraco no Inferno" e a Graça... da Senhora



Através da leitura de 260 páginas, António Ribeiro propõe-nos no livro “Um buraco no Inferno”, uma viagem à segunda metade do século XVIII — com cenários da Inquisição extinta dois séculos antes — até ao Vale de Bouro, a meio caminho entre Celorico e Mondim de Basto.

É aí onde existe uma grande devoção “às Senhoras da Graça, da Hora, da Guia e das Necessidades, todas irmãs”, mas a “Senhora da Graça era mãe delas todas” (cf. p. 79).

Estamos diante de uma laboriosa, atenta e inovadora reconstrução do percurso singular de um lavrador de aldeia que arquitectou, em meados do século XIII uma nova forma de pensar o mundo e do seu fim extraordinário.
Este lançamento da Palimage Editores (www.palimage.pt) inclui-se na colecção “Raiz do tempo” que conta já com mais dez volumes e vai agradar com toda a certeza àqueles que admiram a capacidade da imaginação humana.

Antes de mais, é obrigatório dizermos que este livro merece ser lido — ou não se passasse ele numa freguesia da arquidiocese de Braga de então — e anuncia um novo e promissor historiador”.

O livro permite-nos reconstruir a teia complexa de relações humanas numa remota aldeia de Portugal de Setecentos onde ainda não tinha chegado a “re-cristianização dos campos” empreendida pela Igreja após o Concílio de Trento.

António Ribeiro propõe-se fornecer ao leitor “aspectos do quotidiano que frequentemente são negligenciados por uma historiografia demasiado estrutural” que despreza pequenos factos que “não deixam de constituir traços de toda uma forma de pensar e viver”.

Conforme escreve José Pedro Paiva, no prefácio da obra, Este “Padre Eterno” construiu uma crença baseada nos textos cristãos que incluía um dilúvio de areia que vai consumir o mundo e uma reforma que propunha o fim do inferno, através de um buraco aberto no seu cume, através do qual a Senhora da Graça libertava os condenados.

Uma história irrepetível

João Pinto, o lavrador desta história irrepetível (como de resto são as histórias individuais), vive num meio rural onde se crê que o espírito dos mortos visita frequentementte o mundo dos vivos para os humilhar.
O herói desta novela histórica constrói um novo mundo a partir das leituras que fazia e do que ouvia, quer aos padres quer aos leigos do seu tempo.

Acresce que ele não vive só neste livro, uma vez que este autodidacta consegue reunir à sua volta um grupo de adeptos, fascinados pelos conhecimentos que exibia e pelas suas ideias e vivia na esperança de encontrar tesouros, ou não fosse o nosso lavrador heresiarca exímio — com fama e proveito — nos exorcismos que anteviam uma vida melhor. Para fazer nascer uma seita, João Pinto possuía todos os atributos neste livro que nasce de uma dissertação de Mestrado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

Aliava a estes ‘dogmas’ a fama de ser um excelente feiticeiro, o que nos atira para o célebre moleiro Menocchio perseguido pela Inquisição e celebrizado por Carlo Ginsburg.

Ou seja, “parte-se do nome e de uma história individual para a colocar em contexto e procurar uma reconstrução da arqueologia das crenças que gerou, sobretudo a partir de livros que se sabe que João Pinto — um humilde lavrador de espírito bem vivo e sagaz — leu”.

Um jovem
nazareno

António Ribeiro nasceu na Nazaré em Janeiro de 1974 e licenciou-se em Historia pela Universidade de Coimbra, concluindo há quatro anos o Mestrado em História Moderna, com a dissertação que dá titulo a este livro “Um buraco no Inferno”.
Actualmente, prepara o doutoramento em História Moderna na mesma universidade, desenvolvendo uma investigação acerca do imaginário místico português, nas vertentes erudita e popular.

O arquivo inquisitorial (sobre visões, aparições e fenômenos análogos) constitui o seu ponto de partida, nos séculos XVI a XIX.
A capa de “Um buraco no Inferno” é a belíssima representação do Purgatório pintada por Josefa de Óbidos, existente no Convento de Cós, Alcobaça.

1 comment:

Anonymous said...

ler todo o blog, muito bom