Friday, June 20, 2014

Lanhoso e San Joan de Rey: novos forais venturosos (5)


A carta de foral assemelha-se a um acordo, entre, por um
lado, a autoridade que a outorga e que aí exerce alguma forma de jurisdição, e, por outro, a comunidade de habitantes aí instalada, o que faz dela um documento estável e valioso. 

O foral carateriza-se por determinados elementos essenciais. É uma carta testemunhada pelas partes envolvidas, que estabelece os princípios funcionais de uma determinada povoação; é orientadora e sistematizadora de condutos sociais e institucionais; é norma aceite por uma população de um aglomerado social.

Aplica-se em determinados limites territoriais, refere-se às relações pessoais e económico-sociais internas dos moradores entre si, e da entidade outorgante com estes.  

O conteúdo de cada foral não é, em muitos casos, original, na medida em que estes documentos se inscrevem em modelos que inspiram a sua orientação. Na maioria das vezes, o mesmo texto-matriz é usado em mais do que um foral, consoante a zona a que se reporta. Esta situação aconteceria devido às afinidades que existiriam entre os diferentes núcleos concelhios.


Os forais são documentos muito antigos no reino de Portugal, estando já documentados desde a fase do Condado Portucalense e em alguns casos, até mesmo anteriormente, desde o reinado de Fernando Magno, em meados do séc. XI, tendo em conta que se conhecem exemplares outorgados a localidades que se situam no atual território português. 

Os primeiros forais concedidos tiveram como principais objetivos o fomento do povoamento das terras conquistadas aos Mouros, mas também, nas terras que já haviam sido tomadas, a definição de direitos e deveres dos habitantes de uma terra para com a entidade outorgante, assim como, a determinação de alguns aspetos do direito local.

D. Manuel foi um rei centralizador, inovador, e reformador, de acordo com as palavras do seu mais recente biógrafo. Aquando da sua morte deixa um reino diferente daquele que conhecera durante a sua vida. Procedeu a inúmeras reformas, tanto no plano interno como no externo, sem, com tal, pôr em causa a sua casa e os seus súbditos. Não se limitou simplesmente a receber uma enorme herança, como foi também um continuador ativo das políticas que foram desencadeadas pelos seus 

antecessores. Como foi já referido, há nas suas políticas um caráter reformista, assim como inovador. Algumas das intervenções por si efetuadas são de uma grande profundidade, subsistindo algumas delas com fortes traços até aos nossos dias. Como refere José Manuel Garcia, (...) estamos perante um dirigente que levou a cabo um ambicioso e vasto conjunto de reformas, bem revelador da sua preocupação em criar um Estado moderno, com uma gestão eficaz que pudesse assegurar o progresso possível nas condições de vida das suas gentes, como destaca o estudo de Diogo Freitas do Amaral (in D. Manuel I e a Construção do Estado Moderno em Portugal. Lisboa, Edições Tenacitas, 2003, p. 13. 

Na linha de pensamento deste autor, assiste-se no reinado de D. Manuel I, a passagem de um Estado medieval, para um Estado dito Moderno, tendo na figura do monarca o seu protagonista. 

A cronologia do período em análise é compreendida entre os anos de 1511 (foral da Vila de Ponte de Lima) e 1520 (foral da Terra de Celorico de Basto), correspondendo à data do primeiro e último foral a ser outorgado para a região do Entre Douro e Minho.

O proémio do foral novo da cidade de Lisboa, redigido por Damião de Góis, é o exemplo maior das motivações e objetivos que D. Manuel definira para a reforma destes documentos e seu respetivo enquadramento:
 "(...) que vendo nós quomo offiçio do Rei não he outra cousa senão Reger bem e governar seus subditos em Justiça, e Igualdade ha qual não he somente dar ha cada hum ho que seu for mas aJnda não leixar acquirir nem levar nem tomar ha ninguem senão ho que a cada direitamente pertençe e visto Isso mesmo quomo ho Rei he obrigado por ho carrego que tem nas cousas em que sabe seus vassalos Reçeberem aggravos e males lhes tolher, e tirar posto que pollos dapnificados requerido não seja querendo nós satisfazer no que a nós for poçível com ho que somos obrigados vindo a nossa noticia que asim na nossa çidade de lisboa quomo em muitos lugares de nosso Regnos, e senhorios por serem hos foraes que tinham de mui longos tempos e hos nomes das moedas, e jntrinsico valor dellas se nom conheciam, e por asim nom poderem ser entendidos asim por muitos delles estarem em latim, e outros em lingoagem antiga, e desacustumada se levava e pagava por eles ho que
verdadeiramente se não devia pagar, e querendo todo Remediar quomo com toda clareza e verdade se faça (...)". 

Deste trabalho, podemos reter que os 63 forais no entre Douro e Minho revelam que, em cerca de um terço das localidades, há informação sobre a cobrança legítima de direitos senhoriais. Por outro lado, e com menor expressão, são registados os direitos concelhios propriamente ditos. 

Esta situação, embora possa causar fortes interrogações, pode explicar-se tendo em conta sobretudo duas questões. A primeira delas, a tardia cronologia de concessão destes documentos, altura em que o funcionamento governativo, de pendor administrativo e fiscal, dos municípios já se encontrava internamente assumido e regulamentado, em simultâneo, por diretivas legislativas constantes nas ordenações do reino. 

A sublinhar a relevância desta circunstância, não podemos menosprezar a aceitação in loco de normas de conduta comunitárias, muitas vezes, reconhecidas por práticas consuetudinárias. Por sua vez, a segunda explicação reside na entidade que outorga o foral, ou seja, o monarca. 

Neste sentido, importava, acima de tudo, explicitar a propriedade e os direitos que a coroa possuía nos diferentes locais, bem como clarificar os direitos senhoriais. Como já sublinhou Maria Helena da Cruz Coelho, os senhorios seriam de muito mais difícil controlo do que os próprios municípios, onde a atuação de diferentes oficiais régios (como corregedores e juízes de fora) ajudariam a garantir a tutela do monarca.

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