A carta de
foral assemelha-se a um acordo, entre, por um
lado, a
autoridade que a outorga e que aí exerce alguma forma de jurisdição, e, por
outro, a comunidade de habitantes aí instalada, o que faz dela um documento
estável e valioso.
O foral
carateriza-se por determinados elementos essenciais. É uma carta testemunhada
pelas partes envolvidas, que estabelece os princípios funcionais de uma
determinada povoação; é orientadora e sistematizadora de condutos sociais e
institucionais; é norma aceite por uma população de um aglomerado social.
Aplica-se em
determinados limites territoriais, refere-se às relações pessoais e
económico-sociais internas dos moradores entre si, e da entidade outorgante com
estes.
O conteúdo
de cada foral não é, em muitos casos, original, na medida em que estes
documentos se inscrevem em modelos que inspiram a sua orientação. Na maioria
das vezes, o mesmo texto-matriz é usado em mais do que um foral, consoante a
zona a que se reporta. Esta situação aconteceria devido às afinidades que
existiriam entre os diferentes núcleos concelhios.
Os forais
são documentos muito antigos no reino de Portugal, estando já documentados
desde a fase do Condado Portucalense e em alguns casos, até mesmo
anteriormente, desde o reinado de Fernando Magno, em meados do séc. XI, tendo
em conta que se conhecem exemplares outorgados a localidades que se situam no
atual território português.
Os primeiros forais concedidos tiveram como
principais objetivos o fomento do
povoamento das terras conquistadas aos Mouros, mas também, nas terras que já
haviam sido tomadas, a definição de direitos e deveres dos habitantes de uma
terra para com a entidade outorgante, assim como, a determinação de alguns
aspetos do direito local.
D. Manuel
foi um rei centralizador, inovador, e reformador, de acordo com as palavras do
seu mais recente biógrafo. Aquando da sua morte deixa um reino diferente
daquele que conhecera durante a sua vida. Procedeu a inúmeras reformas, tanto
no plano interno como no externo, sem, com tal, pôr em causa a sua casa e os
seus súbditos. Não se limitou simplesmente a receber uma enorme herança, como
foi também um continuador ativo das políticas que foram desencadeadas pelos
seus
antecessores.
Como foi já referido, há nas suas políticas um caráter reformista, assim como
inovador. Algumas das intervenções por si efetuadas são de uma grande
profundidade, subsistindo algumas delas com fortes traços até aos nossos dias.
Como refere José Manuel Garcia, (...) estamos perante um dirigente que levou a
cabo um ambicioso e vasto conjunto de reformas, bem revelador da sua
preocupação em criar um Estado moderno, com uma gestão eficaz que pudesse
assegurar o progresso possível nas condições de vida das suas gentes, como
destaca o estudo de Diogo Freitas do Amaral (in D. Manuel I e a Construção do
Estado Moderno em Portugal. Lisboa, Edições Tenacitas, 2003, p. 13.
Na linha de
pensamento deste autor, assiste-se no reinado de D. Manuel I, a passagem de um
Estado medieval, para um Estado dito Moderno, tendo na figura do monarca o seu
protagonista.
A cronologia
do período em análise é compreendida entre os anos de 1511 (foral da Vila de
Ponte de Lima) e 1520 (foral da Terra de Celorico de Basto), correspondendo à
data do primeiro e último foral a ser outorgado para a região do Entre Douro e
Minho.
O proémio do
foral novo da cidade de Lisboa, redigido por Damião de Góis, é o exemplo maior
das motivações e objetivos que D. Manuel definira para a reforma destes
documentos e seu respetivo enquadramento:
"(...) que vendo nós quomo offiçio
do Rei não he outra cousa senão Reger bem e governar seus subditos em Justiça,
e Igualdade ha qual não he somente dar ha cada hum ho que seu for mas aJnda não
leixar acquirir nem levar nem tomar ha ninguem senão ho que a cada direitamente
pertençe e visto Isso mesmo quomo ho Rei he obrigado por ho carrego que tem nas
cousas em que sabe seus vassalos Reçeberem aggravos e males lhes tolher, e
tirar posto que pollos dapnificados requerido não seja querendo nós satisfazer
no que a nós for poçível com ho que somos obrigados vindo a nossa noticia que
asim na nossa çidade de lisboa quomo em muitos lugares de nosso Regnos, e
senhorios por serem hos foraes que tinham de mui longos tempos e hos nomes das
moedas, e jntrinsico valor dellas se nom conheciam, e por asim nom poderem ser
entendidos asim por muitos delles estarem em latim, e outros em lingoagem
antiga, e desacustumada se levava e pagava por eles ho que
verdadeiramente
se não devia pagar, e querendo todo Remediar quomo com toda clareza e verdade
se faça (...)".
Deste
trabalho, podemos reter que os 63 forais no entre Douro e Minho revelam que, em
cerca de um terço das localidades, há informação sobre a cobrança legítima de
direitos senhoriais. Por outro lado, e com menor expressão, são registados os
direitos concelhios propriamente ditos.
Esta
situação, embora possa causar fortes interrogações, pode explicar-se tendo em
conta sobretudo duas questões. A primeira delas, a tardia cronologia de
concessão destes documentos, altura em que o funcionamento governativo, de
pendor administrativo e fiscal, dos municípios já se encontrava internamente
assumido e regulamentado, em simultâneo, por diretivas legislativas constantes
nas ordenações do reino.
A sublinhar a relevância desta circunstância, não podemos
menosprezar a aceitação in loco de normas de conduta comunitárias, muitas
vezes, reconhecidas por práticas
consuetudinárias. Por sua vez, a segunda explicação reside na entidade que
outorga o foral, ou seja, o monarca.
Neste sentido, importava, acima de tudo,
explicitar a propriedade e os direitos que a coroa possuía nos diferentes
locais, bem como clarificar os direitos senhoriais. Como já sublinhou Maria
Helena da Cruz Coelho, os senhorios seriam de muito mais difícil controlo do
que os próprios municípios, onde a atuação de diferentes oficiais régios (como
corregedores e juízes de fora) ajudariam a garantir a tutela do monarca.
No comments:
Post a Comment