É verdade que é mais reconhecido
hoje pelas artes plásticas mas o grande triunfo de Almada Negreiros é o ter
conseguido extrair da sua época o seu estilo enquanto outros se limitaram a
tentar impor um estilo à sua época. Quantas vezes sucumbiram nessa caminhada
sisífica camusiana enquanto ele seguia o paradigma do renascimento.
É no seguimento, sem ficar preso a
Leonardo da Vinci, que Almada Negreiros não abandona o rigor racionalista mas
dá largas à expressividade emotiva e poética na pluralidade de centros de
interesse e formas múltiplas.
Sendo vanguardista, Almada
Negreiros vai aos clássicos buscar os seus modelos, sejam gregos ou italianos
de Quatrocentos, para buscar a comunhão dos futuristas como Picasso ou Matisse.
Na literatura, é em Almada
Negreiros que encontramos os sinais que anunciam a literatura surrealista com A
engomadeira, quase uma década antes do manifesto de Breton, com um texto
corrido sem pontuação, em Os saltimbancos anunciam a chegada de Jaymes Joice e
do seu Ulisses.
No Teatro, Almada bebe em
Pirandello della Miranda mas antecipa as peças de Ionescu e de Beckett.
Chega por hoje, para notarmos que
estamos perante um dos maiores criadores de sempre da cultura portuguesa?
Apesar de ser recebido de mãos abertas na Espanha e em França, ele optou sempre
por regressar a Portugal e aqui se fixar, em detrimento do sucesso que
granjeara além fronteiras.
O seu país foi a sua missão porque
“é preciso criar a pátria portuguesa no século XX”, conforme repetiu tantas
vezes.
O seu país nunca se mostrou – nem
mesmo hoje – preparado para um criador da sua envergadura. Uns chamavam-lhe
demente, devido à extravagância das suas atitudes na juventude.
Em Manifesto Anti-Dantas e por
extenso foi violento nos seus ataques aos mandarins culturais, esse “coio
d’indigentes, d’indignos, de cegos” ou essa “resma de charlatães e de vendidos”
que “só pode parir abaixo de zero”. Essa violência valeu-lhe o isolamento, sem
críticas, sem divulgação, editores e público.
Acresce que o patriotismo de
Negreiros não se encaixava nos conceitos da monarquia, da República e do Estado
Novo. Para ele um povo completo é aquele que “reúna no seu máximo todas as
qualidades e todos os defeitos. Coragem, portugueses, só vos faltam as
qualidades” – escreveu no Ultimatum futurista.
Quando o Estado novo lhe
encomendou os frescos para as novas gares marítimas, Almada deixou de fora as
cenas do passado glorioso e escolheu tradições populares e o sofrimento da
gente miúda.
O autodidactismo percebe-se na “Histoire de Portugal par coeur”
que parece um olhar ingénuo de uma criança. A ingenuidade e a infância eram
temas caros a Almada Negreiros. A primeira representa um estado de pureza em
que é possível a vida do poeta que se considerava um “menino d’olhos de
gigante”.
Renascer, reencontrar-se,
desaprender, reaver a ignorância, reaver a ingenuidade, recuperar a inocência,
aprender outra vez são ideias presentes nos textos de Almada, a começar em
“Nome de guerra”, uma obra fulcral da literatura nacional de novecentos.
Almada tentou mostrar sempre a
eterna candura de um incendiário inconsciente de o ser que “larga a cidade
masturbadora, febril, / rabo decepado de lagartixa/ labirinto cego de
toupeiras, / raça de ignóbeis míopes, tísicos, tarados, / anémicos, cancerosos
e arseniados” (cf. Cena de Ódio).
Surpreender,
chocar e contrapor, com ironia no sorriso e a malícia do olhar era tão natural
como respirar para Almada Negreiros, a começar com o seu “Manifesto
anti-Dantas”. Esta sua divisa contra o conformismo que era personificado por
Júlio Dantas acaba por ser assimilada por todos os portugueses ao longo do
século passado, sempre que alguma polémica surgia.
É
com esse “morra! Pim” que Almada Negreiros foge a qualquer tentativa de
classificação – sempre redutora de um génio – seja ela de saudosista,
simbolista. Futurista, interseccionista, sensacionista, cubista,
expressionista, abstraccionista ou… nada disso e tudo isso.
A sua
personalidade versátil levou-o em busca de novas formas de expressão como as
múltiplas personalidades do seu Fernando Pessoa, com quem colaborou na
“Orpheu”, ao lado de Mário de Sá-Carneiro ou Amadeu de Santa-Rita.
A sua
obsessão final foi a tentativa de unificar toda a produção artística, a partir
de parâmetros egípcios, gregos, bizantinos e florentinos que apontavam para a
eternidade e imutabilidade da arte, visível na análise aos painéis de S.
Vicente de Fora. Apogeu da pintura portuguesa do século XV, sob assinatura de
Nuno Gonçalves.
Ao
contrário de Pessoa, Almada Negreiros conhece a consagração popular em vida a
tal ponto que mesmo que os portugueses continuem sem conhecer a obra, a alma da
Almada foi por todos amada. Perdão, é por todos amada.
Ninguém
como ele sabia que “nascer é vir a este mundo, não é ainda chegar a ser” – como
escreveu em 1935 - até porque “um cordão umbilical não se falsifica. Ou há ou
não há”.
Almada
Negreiros é um dos resultados mais felizes da colonização portuguesa, nascido
na Roça da Saudade (que outro nome havia de ser), na Ilha de S. Tomé, em pleno
equador, a 7 de Abril de 1893 – há 120 anos.
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