Palavras sobre bracarenses que fazem, porque há gente fantástica, não há? Há, a começar por ti.
Thursday, January 24, 2008
António Lopes: "brasileiro" pouco camiliano
Quatro anos antes de morrer foi contemplado com uma oferta singular — um mosntruoso e admirável exemplar de couve-flor. Oitenta anos após a sua morte, António Ferreira Lopes é o povoense mais ilustre do século XX, pelo que fez em vida e após a morte pela terra da Maria da Fonte, de quem é conterrâneo. Os amigos e admiradores do padre José António Dias podem não gostar, mas António Lopes teve a generosidade de colocar a sua fortuna ao servio da sua terra enquanto o antigo presidente da Câmara Municipal fazia obras com o dinheiro dos munícipes. É uma diferença substancial.
De facto, rezam as crónicas que Delfim José Rodrigues colheu na sua Quinta da Infesta, em Geraz do Minho, um espectacular exemplar de couve flore, por altura das festas de S. José. A singularidade deste pé de couve-flor deu origem a uma exposição no Hotel Central, onde alguns visitantes chegaram a oferecer cem escudos. Recorde-se que estávamos em 1924. A gigantesca couve-flor acabou por ser oferecida a António Ferreira Lopes.
António Lopes é um dos quase milhão e meio de portugueses que emigrou para o Brasil entre 1855 e 1945. A sua vida não se encaixa no perfil "criado" por Camilo Castelo Branco e outros escritores portugueses, mas constitui uma das figuras marcantes da história do concelho de Póvoa de Lanhoso.
CAUSAS
DA EMIGRAÇÃO
PARA O BRASIL
Os camponeses do século passado, quando obtiveram a propriedade plena dos seus campos, viram-se constrangidos por um forte endividamento imposto pela exigência de investimentos domésticos para aquele efeito.
Endividamento que se desenvolveu já no contexto de importantes alterações nas práticas de crédito, com a substituição das tradicionais confrarias que emprestavam pequenas quantias a juros módicos e sem prazo (com dívidas que se arrastavam ao longo de gerações).
Mas as crises agrícolas sucediam-se: primeiro as pragas da vinha, depois a concorrência ultramarina nos cereais e na carne de bovinos, à medida que se revolucionam os transportes e as condições de conservação (situação que eliminou a importante exportação nortenha de gado para os países do Norte, em especial a Inglaterra).
Nestas conjunturas, só com uma sábia gestão se superava o limiar da sobrevivência nas casas a-grícolas, roçando-se a indigência nas unidades mais pobres, com a ameaça hipotecária sempre a pairar. Dessa gestão emergia a necessidade de distribuir os diversos filhos para profissões exteriores à empresa agrícola e nesses destinos o mais provável era o da emigração para o Brasil, pois uma economia em crescimento, como era a brasileira, onde se radicavam familiares e conhecidos, sempre apresentava maiores expectativas de inserção positiva.
Ensinar as primeiras letras aos rapazes, mandá-los tirocinar no comércio do Porto e outras cidades e vilas (Guimarães, Braga, Vila do Conde, Póvoa de Varzim) ou, em alternativa, ensinar-lhes um ofício tradicional vulgarmente ligado à construção — pedreiro, carpinteiro, estucador, marceneiro, etc.), eis preocupações genéricas nas famílias do Minho interior, numa acção pre-paratória e selectiva da emigração. Preocupações desenvolvidas na esperança de uma melhor inserção do emigrante na sociedade brasileira e nos eventuais refluxos monetários que viessem, de algum modo, ajudar a família remanescente em Portugal.
CONTEXTO
HISTÓRICO
O retorno do emigrante com algum pecúlio que pudesse ser investido na exploração agrícola era a situação mais desejada, ainda que o acto de emigrar se configurasse frequentemente como um acto de conflitualidade intra-familiar, acto paternal decidido em tenra idade do emigrante (a moda etária fixava-se nos 13/14 anos no Porto oitocentista) que implicava uma selecção dos mais fortes e activos dos filhos para os "impor" para fora de casa.
Camilo Castelo Branco, conciceu com estas situações. Sempre perspicaz na sua ironia, traduzia melhor que ninguém o sentido desses destinos familiares: "Em geral à grande fecundidade dos casais minhotos presidia a ideia de gerar rapazes para a rua da Quitanda como outrora no tálamo dos lavradores abastados se pensava muito em fazer frades beneditinos."
UMA CARICATURA
A fuga ao serviço militar desempenhava um papel crucial nestas práticas emigratórias: dadas as condições de grande desigualdade na obrigação de prestar recruta (que durava cerca de seis anos), e que, até aos anos 80, podia ser contornada por apresentação de substituto ou pagamento para remissão da obrigação, legitimava socialmente as famílias mais pobres a enviarem cedo os filhos para o Brasil, antes da prestação das primeiras garantias do seu cumprimento (a fiança).
Para nós, a figura do "brasileiro", enquanto emigrante de retorno, também não pode reduzir-se à caricatura literária que nos
ficou dos textos de Camilo Castelo Branco, um labrego do Minho caldeado em adereços tropicais e montes de libras.
Os que cá ficavam, esperam que o filho regresse rico do Brasil. Se ele não tem sucesso não retorna, fazendo-se constar que está muito rico. Se tem o sucesso esperado, regressa à terra para confirmar as expectativas depositadas.
Se se instala na cidade, participa na vereação, é mesário das confrarias, benemérito das instituições, viajante, letrado, capitalista, o que justifica a sua falta de ocupação. Vai ao clube, lê os jornais em lugar público, veste-se de branco, traz um óculo que utiliza em todas as ocasiões, é procurado para dar conselhos, papel em que se insinua e cultiva. É conhecedor dos segredos do sucesso, padrinho dos filhos que tem secretamente.
Faz doações para a igreja, mas diz-se não religioso. Aparece reconhecido na toponímia da cidade e após a morte, faz-se perpetuar em retratos a óleo, na galeria dos doadores e beneméritos da Confraria ou da Misericórdia local.
Em relação à imagem do “brasileiro”, é comum culpar Camilo Castelo Branco pela criação do cliché, o que consiste em produzir um outro injustiçado. Ora, se é verdade que Camilo apregoou aos sete ventos o estereótipo dos brasileiros de torna-viagens, não é menos verdade que ele não os inventou, o que comprova que já havia uma imagem socialmente compartilhada desses personagens. Interessante mencionar que Castelo Branco descreve, no romance A neta do Arcediago, uma mulata brasileira sensual e depravada que, em Portugal, deu à luz o vilão da história. Escrito em 1856, esse romance espelha uma visão já então corrente sobre o Brasil e as brasileiras. Mas Camilo não pára por aí e passa, no romance ‘A corja’, a usar a palavra Brasil como adjectivo negativo em si. A maneira de falar é “abrasileirada”,12 os homens são cheios de brasilei-rismos, e qualquer coisa, quando abrasileirado, significa conduta desonesta e pérfida.
Camilo Castelo Branco tinha uma rivalidade pessoal com um “brasileiro”, Manuel Pinheiro Alves, marido de Ana Plácido, uma paixão que foi literalmente fatal. Devido a essa paixão, Camilo foi levado à prisão por Pinheiro Alves.
PERCURSO DE ANTÓNIO LOPES
António Ferreira Lopes nasceu a 14 de Abril de 1845 no Lugar de Oliveira (outros dizem Várzea), freguesia de Fontarcada, concelho da Póvoa de Lanhoso.
Em 1857, parte para o Brasil, após a morte da mãe. Em terras brasileiras, António Lopes emprega-se numa casa de cereais. «As suas qualidades de trabalho e honestidade são tão apreciáveis que, três anos depois, entra para sócio [da firma Câmara & Gomes] e contrai casamento com a Ex.ma Sr.ª D. Elvira Câmara», filha do patrão, referia no jornal “Maria da Fonte” na sua edição de 29 de Janeiro de 1928. Em 1888, António Lopes voltou à Póvoa de Lanhoso e nessa altura comprou o prédio co-nhecido por Casas Novas, mandando reconstruí-lo «com todos os preceitos da arte e elegância», dividindo o seu tempo entre Vichi e Póvoa de Lanhoso.
ARQUITECTO
DO TEATRO CIRCO
Para dirigir as obras solicitou os serviços de um «reputado arquitecto de Braga, Moura Coutinho que, em Braga projectou, por exemplo, o imponente e fantástico Teatro Circo.
Este constrói a capela à qual encosta um único corpo de edifício, o da direita. Quanto ao da esquerda, a norte, perfeitamente simétrico, esse será edificado alguns anos mais tarde por um mestre-de-obras local. É então destinado a ser habitado por uma sobrinha recém-casada a quem António Lopes dedicava grande afeição. A Norte, abre-se um grande portão para os jardins e para as traseiras da casa.» (...) «A disposição da Capela com as suas duas torres e, de ambos os Lados, os seus e-difícios simétricos, evoca os conventos barrocos e rococó da Alemanha do Sul e da Áustria. E no entanto trata-se de uma casa de Brasileiros, construido na última década do séulo XIX.» (...)
A partir desta altura, António Lopes começa a adquirir os prédios que formavam o antigo Largo da Fonte, hoje chamado Largo António Lopes.
«Ali edificou o teatro, ali se organizou a corporação dos Bombeiros Voluntários, cujo material e fardas foram adquiridas unicamente a expensas suas; ali criou um formoso jardim, com um esplêndido coreto, e mais além essa obra inigualável de caridade — O Hospital», como testemunha o jornal “Maria da Fonte” de então. A sua vida e obra, foram soberbamente descritas por Paulo Freitas no numero sete do boletim “Santa Causa Povoense”, há quase oito anos.
O Director da Casa da Botica, sustenta nesse texto que, para compreender a personalidade e alma de António Lopes, basta ver o seu testamento. No documento, «é possível aferir não apenas a indelével marca que deixa na Póvoa de Lanhoso e nas suas instituições (presentes e futuras), como as sensibilidades da sua personali- dade como homem, como Amigo e sobretudo como Povoense».
Ao falar da Póvoa de Lanhoso, António Ferreira Lopes aparece como o po-voense mais homenageado, dado que foi ogrande benemérito das instituições de maior relevância no concelho, designadamente do Hospital que tem o seu nome, dos Bom-beiros Voluntários locais, do Theatro Club, entre muitas outras.
Ele viveu “O Sonho Brasileiro” mas não foi avarento, deixando marcas profundas no seu concelho mostrando-se sensível aos problemas sociais do seu tempo. Fundou o hospital, que tem o seu nome, organizou a corporação de Bombeiros Voluntários e edificou o Theatro Club.
Além de incentivar a criação da Misericórdia para administrar o hospital, o testamento de António Lopes garante a continui-dade e o funcionamento das estruturas criadas e deixou legados nomeadamente para a edificação de um novo tribunal e Paços do Concelho, de uma nova escola e atribuição de bolsas de estudo, para a Banda Musical, para a cons-trução da estrada do Pilar e donativos para instituições de solidariedade.
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