A purificação dos cultos religiosos na Galécia — conhecida pelo seu desalinhamento ortodoxo — atinge o auge com S. Martinho de Dume, o que o leva a escrever “De correctione rusticorum” que se afirma como um dos mais belos exemplos da catequese popular e mostra a sabedoria deste bispo bracarense.
Por esse tempo, os habitantes dos campos da Galécia adoravam astros, pedras, águas, espreitavam o futuro através dos voos de certas aves e do movimento das estrelas e usavam os ramos de loureiro à porta da casa para afastar os espíritos maus.
Acabar com estes cultos não foi fácil para a hierarquia cristã porque os cultos pagãos sobreviviam, tendo Martinho de Dume elevado a dignidade de certos santos cristãos para os contrapor aos cultos pagãos que ainda subsistem no século VIII.
Os concílios centram-se neste combate, incluindo o concílio de Braga, em 561, quando condenam a astrologia como prática religiosa e as restantes práticas pagãs. É um tempo difícil para a ortodoxia católica.
O II Concílio de Braga, em 572, impõe a visita dos bispos a todas a igrejas a fim de pregarem aos componenses (rústicos) e combaterem as práticas de idolatria.
É nesta acção purificadora dos costumes religiosos que se inclui toda a pregação de S. Martinho de Dume, numa altura em que aparecia uma das primeiras divisões dentro dios cristãos: o arianismo. Esta heresia inspira os reis visigodos e vai dar origem a momentos de grande tensão na Galécia.
Mal refeitos da derrota do arianismo em Mérida, com a ajuda de Santa Eulália, os cristãos da Península são fustigados pelo priscilianismo, um ascetismo que impunha o jejum dominical todo o ano, o desprezo dos bens deste mundo e o conhecimento aprofundado da Sagrada escritura.
Acusações de magia desacreditaram Prisciliano, enfraquecido pelo aparecimento do maniqueísmo mas o gnosticismo das suas ideias tiveram forte penetração nas aldeias da Galécia. O concílio de Saragoça condena o priscilianismo e dá origem a um purga de bispos, alguns deles, através da morte a que fora condenado Prisciliano. Morto o fundador, a heresia continuou tendo mesmo chegado a Braga, cujo bispo Profuturo é elogiado pelo Papa pelo seu combate ao priscilianismo que só é extinto com S. Martinho de Dume.
Os historiadores Idácio de Chaves e Paulo Orósio, de Braga, dão nos conta dos esforços da hierarquia para afastar os usos priscilianistas que tiveram grande culto no mundo rural da Galécia.
O debate em torno do arianismo alonga-se até ao século VI, sendo recuperado pelos povos germânicos, suevos e visigodos, ao ponto de, no tempo do rei Leovigildo, alguns bispos do Norte da Península (entre eles o do Porto) terem renegado o catolicismo.
No tempo de Recaredo, o arianismo resistia na Lusitânia. O bracarense Paulo Orósio dá conta do convívio pacífico entre católicos e arianos, até que, no século VI, surgem os primeiro conflitos na Galécia, entre o rei e bispos até ao grande confronto de Mérida, numa altura em que Prisciliano começava a divulgar a sua forma ascética de religião cristã: jejum todos os domingos, retiros no Advento e Quaresma, desprezo dos bens deste mundo e conhecimento profundo da Bíblia.
O priscialianismo constituiu o maior desafio do primeiro milénio ao catolicismo na Galécia, uma vez que singrava nas zonas rurais que escapavam à influência das cidades, mesmo depois da sua repressão pelo concílio de Saragoça e condenação à morte de Prisciliano, em Trèves. O bispo metropolita da Galécia torna-se o principal seguidor de Prisciliano após a morte deste em 387, como notam as acctas do concílio de Toledo e de Braga (561).
Para atestar a heterodoxia da Galécia, antes de S. Geraldo, no Norte de Portugal, Galiza e norte de Espanha convíviam o catolicismo urbano com o maniqueísmo, o origenismo e pelagianismo rurais, como tão bem descreve o bracarense Paulo Orósio, apesar dos esforços do bispo de Braga, Profuturo.
Mais, a heresia do origenismo terá sido trazida para a Galécia por uma peregrino de Braga, Avito, após uma viagem à Terra Santa, como escreve o historiador bracarense na sua obra dedicada a Santo Agostinho, Commonitorum, onde fala não só os priscilianistas e dos origenistas, bem como do pelagianismo.
Aliás, estas tendências religiosas da gnose e misticismo vão atravessar os séculos de presença dos árabes na Península Ibérica, como foi o caso do século VIII em que surge uma corrente religiosa anti-trindade, como foi a inspirada por Migécio para quem a Trindade era constituída assim: o Pai, David; o filho, era Jesus Cristo; e o Espírito Santo, era S. Paulo.
Depois surge o adopcionismo, segundo o qual Jesus Cristo era apenas Filho adoptivo de Deus, e filho de Maria.
É neste contexto de fragilidade que chegam os muçulmanos e começa a ficar completo o retrato da região que S. Geraldo vai encontrar quando chega a Braga.
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