Assinalámos na última crónica que, apesar das pressões, a comunidade moçárabe resistiu e sobreviveu religiosa, linguística e culturalmente em todo o Norte de Portugal.
É que por trás da aparente serenidade com que aceitaram a humilhação invasora, despejados na periferia das cidades e nos campos, os moçárabes alimentaram pacientemente, ao longo de gerações, o anseio de libertação e levantavam-se em armas sempre que as conjunturas políticas permitiam.
Os custos de ordem religiosa e social foram pesados mas os prejuízos económicos não ficam atrás: obrigados a trabalhar nas suas antigas terras, mas em proveito dos novos donos, ainda tinham de pagar pesados impostos. Havia um imposto que devia ser pago por cada cristão ao fim de cada mês lunar (Jízia) para lhes garantir a liberdade religiosa. Até o seu pagamento era um ritual de humilhação: o cristão era agarrado pelo pescoço e o funcionário muçulmano gritava “o inimigo de Allá paga a jízia”.
A este imposto acresciam outros fixados pelos romanos de que os árabes mantiveram, como o Caraje, um imposto de 20% sobre os rendimentos.
No que se refere à liberdade religiosa, aos cristãos da Galécia e Norte de Espanha, o pacto impedia as cruzes nas igrejas, o toque dos sinos, rezar em voz alta mesmo nos funerais e os defuntos cristãos tinham de ser sepultados de cara tapada.
Mercê destas limitações, os bispos de Braga tiveram de se refugiar nas Astúrias até á reconquista por Fernando Magno. Os mosteiros foram arrasados e só no começo do século IX se revitalizaram em alguns locais, como Guimarães, Vairão, Lorvão, entre outros.
Uma das mais importantes manifestações da vitalidade religiosa dos moçárabes foi o culto dos santos de origem local, apesar de não poderem construir novos templos dentro das cidades, especialmente no território que viria ser Portugal.
Braga possui um exemplo emblemático desse culto, com a capela de S. Frutuoso, um dos poucos templos moçárabes do país, construído no século VI e reconstruído quatro séculos depois. Os Lisboetas concentraram-se em S. Vicente.
Se é verdade que a conquista da Península Ibérica pelos muçulmanos estancou a florescente cultura cristã implantada (numa confluência da cultura romana com a suévica e visigótica) caldeadas pela mensagem cristã, a islamização só acontece no IX e não chega a convencer o Norte da Península.
A arabização coincide com os primeiros passos da reconquista, de modo que a língua e cultura moçárabes mantiveram sempre ligações directas ao Latim, de tal forma que hoje ninguém duvida que os moçárabes detinham uma cultura mais elevada que os invasores.
A Reconquista surge como movimento de sobrevivência de uma cultura quando se apertava a islamização. Na arrancada militar, Afonso I (das Astúrias e Leão) arrasou o território que separava o rio Douro do rio Minho, como espaço barreira contra os muçulmanos. No século IX, a Galiza ficava dividida em duas zonas: a Galiza e Portucale. Portucale assume maior protagonismo no início do século X.
Apesar da islamização empreendida por Abderramão II (822-853), os mosteiros e as suas escolas foram as melhores cidadelas da cultura cristã, onde eram ensinadas as ciências, as artes liberais e a teologia.
No processo da Reconquista, foram os moçárabes quem estabeleceu laços étnicos, culturais e religiosos dos novos reinos com o passado romano-visigótico comum, com alguns matizes islâmicos.
A intolerância islâmica cresceu no século X, com os almorávidas e os mosteiros do Sul de Portugal começam a fechar, refugiando-se os monges no Norte cristão.
Começava o repovoamento das cidades como Braga, Viseu e Porto, quando D. Afonso VI entrega este território entre Douro e Minho ao Conde D. Henrique, no século XI, quando S. Geraldo chega a Braga, oriundo do Sul de França.
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