Palavras sobre bracarenses que fazem, porque há gente fantástica, não há? Há, a começar por ti.
Thursday, November 6, 2008
Alimentar-se do pão dos mortos
Malcolm Lowry no seu livro "Debaixo do vulcão" — Relógio d'Artes Editores — descreve-nos de forma ímpar uma herança cultural do México, consagrada já como Património Oral e imaterial da Humanidade.
Construídos com caixas de cartão ou madeira, decorados com folhas de papel negro e amarelo (a simbolizar a união entre vida e morte), com flores brancas e amarelas (flor dos mortos), os altares possuem quatro candeias sobre um açafate de flores aromáticas que representam os quatro pontos cardeais, uma lâmpada de incenso para purificar o ar, as abóboras (como as de Halloween) e um arco a simbolizar a entrada no mundo dos mortos, um alguidar de água fresca, uma cruz ou retrato do defunto.
No meio deste espectáculo lindo para os olhos dos vivos, estes regalam-se com os alimentos oferecidos aos defuntos que são saboreados pelos vivos, especialmente o "pão dos mortos", um pão de milho ou de trigo com formas humanas ou em forma de rosca (regueifa), adornado com açúcar vermelho (cor de sangue) e recheado de frutos secos
ou réplicas de ossos humanos.
À volta destes altares fazem-se bailes e entoam-se canções em que a visita da Catrina (a morte) é alvo de chacota e a morte — com o passar dos séculos — inspirou um ritual de festas, um carnaval de cores, odores, sabores e amores, através dos quais vivos e mortos convivem durante uns dias.
Como estão a ver, é coisa de de pouco valor ou interesse para quem só pensa em dinheiro, poder e relevância social e título académico (que inveja a quem o tem realmente) e que não olha a meios para atingir os fins, através da humilhação dos vivos.
É esta uma herança acerca dos mortos e os mortos não contam para as estatísticas apesar da hipocrisia engravatada os mandar dedicar um mês — Novembro — para terem mais um pretexto a justificar a crapulice com os vivos.
Para os mexicanos, ainda hoje, a morte não é o fim da existência humana mas um caminho de passagem para algo melhor. Por isso, no dia 2 de Novembro concede-se ao morto a licença para visitar os seres mais queridos do seu mundo terreno. Nesta tradição, o morto é o hóspede mais ilustre que se deve agasalhar e homenagear, iluminando-o com todo o tipo de atenções.
É uma festa divinal para aqueles que já tivemos entre nós, traduzida em magníficas obras da arte popular. É uma das tradições mais vivas dos mexicanos: estes altares de oferendas aos mortos podem ser apreciados em qualquer sítio, desde uma Faculdade de Filosofia a restaurantes, mercados, praças e aeroporto da capital.
Esta relação festiva com a morte só é possível quando as consciências se mostram tranquilas — conclui Malcolm Lowry.
Quando isso não acontece, tentamos esconder a morte debaixo do vulcão, com medo que os mortos apareçam a acusar-nos daquilo que fazemos aos vivos, a nosso lado, em casa, no lazer, no trabalho, na escola, na oficina e na nossa rua ou aldeia.
Hoje, neste mês de Novembro dedicado aos defuntos, seja mexicano: alimente-se com o pão dos mortos e não viva debaixo do vulcão a devorar o pão a que os vivos têm direito.
O nosso tempo pede que o vivo seja o hóspede mais ilustre que se deve agasalhar e homenagear, mimando-o com todo o tipo de atenções.
Vivamos o dia de hoje como se tivéssemos a certeza que vamos morrer amanhã pra termos direito a um altar onde a nossa imagem é inspiradora de festa e alegria e os nossos não se envergonhem de nós.
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