Thursday, February 28, 2008

Braga: da varanda para as ruas


Da varanda para as ruas


Realizar uma volta pelo Centro Histórico de Braga, à procura da melhor prenda de Natal, alimenta-nos a memória de momentos que gostávamos intermináveis.

Enquanto caminhávamos, tantas, tantas vezes nos sentimos a desamarrar daqueles seres que num momento ou outro nos elevaram o olhar para um céu que se descobriu sobre o nossos olhos mas escureceu.

Zarpamos nesse ritmo que nos fez acreditar de novo que os sonhos são apenas pedaços de realidades a construir...
Algumas vezes recordamos os passos que demos em silêncio percebendo que chegou a hora de esquecer a história que, nos tais momentos, nos pareceu tão doce, tão certa, tão nossa...

Raramente acontece mas, às vezes, sentimos que aprendemos, vivemos e chegou na hora de deixar partir ou de simplesmente largar a nossa mão de um aperto cada vez mais frio e frágil...

Por isso, palmilhamos o caminho de regresso ao som das portas e embalados pelas varandas tendo deixado no ponto onde nos encontramos connosco as saudades e as dores de mais uma história que perdeu validade...

Outrora ali voltamos, inconscientes de que a vida continuará dolorosamente injusta e arbitrária...
Rezamos, junto aos Calvários da Semana Santa, ou entramos nas Igrejas só para olhar para a multidão de Cristos crucificados e perguntar-lhes: por que me fazes isto? Todos ficaram calados.

Tivemos outras vezes em que os nossos pés, descalços, semi-calçados e calçados percorreram diversas estações num percurso que nos leva e nos traz sem nunca largarem no tal ponto coisa nenhuma.

Imediatamente,vemos que têm razão os cegos, os doentes cancerosos desenganados, os desempregados, os sem-abrigo e comida. O problema deles não se compara à minha sofreguidão de encontrar a prenda desejada...

Naquelas caminhadas que nos levam ao mesmo lugar onde recolhemos o nosso próprio corpo num abraço que magoa mais do que acalma.
Ao olharmos o céu — ou para os Cristos das nossas igrejas — na procura de uma justificação que nos ajude a enterrar o que vemos já morto, ficamos a saber aquilo que não tivemos coragem de admitir...
Olhamos, sofremos nesta tirania de não termos a capacidade de nos fazer totalmente felizes...sem esquecer os outros.

É por falta de coragem que caem sobre nós todas as dores, por cobardia que todas as ilusões que se tornaram negras, todas as vezes em que nos foi difícil largá-las...

Pedaços de nós — mesmo os melhores — continuam de pé, porque existem simplesmente pessoas a quem nos custa largar a mão, histórias que nos custa admitir que não nos pertencem, pessoas que não nos incluem, temperamentos que não nos completam...

Esses mundos que se cruzam no nosso caminho como imperfeitos, mas que ainda assim daríamos muito para partilhar...mas o nosso coração velhaco não perdoa como os Cristos dos templos.

Continuamos a exigir que os outros sejam perfeitos como os cristos das catedrais, esquecendo-nos que os outros são apenas Pessoas que nos marcaram o coração com cicatrizes fundas que abrem de cada vez em que acreditar volte a ser um erro...
A não ser que estejamos dispostos a perceber que o erro é humanidade. A não ser que o egoísmo nos afaste do prazer do erro da amizade. Nas lojas do Centro Histórico não encontrei a prenda desejada: o perdão.

Decididamente, existem simplesmente alguns carinhos difíceis de largar pelo caminho, pétalas de flores que nos recusamos a tirar do coração, mesmo quando começam a murchar...

Obstinada e teimosamente, deixamos que fiquem sobre a mesa, secas, escanzeladas até que desfaçam sozinhas com uma rajada de vento... E choramos todos os dias atormentados de as ver aos poucos morrer, sem as querer substituir... porque nos recusamos a compreender e perdoar, mesmo à mesa da Ceia de Natal. Eternamente.

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