Palavras sobre bracarenses que fazem, porque há gente fantástica, não há? Há, a começar por ti.
Tuesday, April 1, 2008
De Arentim até as pedras falam
Arentim — deriva de Argentinim, prateada ou de prata — alarga-se em campos verdes riscados pelo rio Este e pela linha do comboio, colocados em anfiteatro demarcado pelos montes de Santo André e da Pedra Bela de onde s e olha cá para baixo e se vê o velho rio Este. Se olhar ao longe avista a cidade de Braga, à distância de uma légua. Se estiver bom tempo também se avistam as “lanchas no mar”.
A Câmara Municipal de Braga propõe agora aos habitantes das freguesias urbanas uma rota pelas freguesias. Eis o nosso humilde contributo, para que não vão passear sem nada nas mãos que os ajudem num itinerário.
No Monte de S. André terá havido uma capela com o mesmo nome mas existe um penedo “santo” que tem o feitio de uma cama onde dizem estar aí o Santo.
Outrora, este rio tinha águas cristalinas, muitos peixes e, junto aos açudes, os miúdos davam uns mergulhos no Verão, mas agora segue como doente incurável e alquebrado pela poluição visível nos trapos, plásticos e toda a forma de lixo deixada nas suas margens.
No século XVIII, escrevia-se que os peixes mais encontrados no rio eram as “vogas e trutas, escallos e bardos, a maior abundância escallos e som muito gostozos”.
Nessa altura o rio era atravessado através de uma “ponte de traves e paus na estrada que passa da vila de Guimarães para a vila de Barcelos, feita e conservada á custa da freguesia”.
Nascida à sombra de uma villa romana duvidosa ou de um certo e comprovado mosteiro, as pedras são encontradas aqui e ali no lugar do Assento e no Campo da seara — a merecer uma prospecção arqueológica quando houver dinheiro — e até serviram para construir, no século XVII a Velha igreja de Arentim.
O mosteiro de Argintym é mencionado em documentos de 1088, onde se fala do abade Aloitus, seguindo-se outros de 1188 onde já se escreve Arintin e 1477 onde o nome evolui para Aremtim. Em 1514, os documentos disponíveis escrevem Aremtym até que a Corografia Portuguesa de Carvalho da Costa escreve Arentim.
O crescimento de Arentim fica a dever-se à conhecida revolução do milho. Em 1758, as Memórias Paroquiais afirmam a existência de 80 casas e 230 habitantes contra as 270 famílias actuais com quase mil pessoas.
De Arentim, até as pedras falam e podem inspirar o seu tratamento museológico como boa forma de reutilização da Velha Igreja, abandonada há cerca de trinta anos.
No pequeno núcleo museológico instalado provisoriamente na sede da Junta de Freguesia, podemos ver um capitel coríntio dos tempos romanos e é um dos primeiros locais onde se encontraram peças de origem moçárabe.
Existem também dois modilhões de rolos que são os primeiros aparecidos em Portugal e datáveis do século X.
Por falar de pedras, convém fazer uma visita à velha igreja de Arentim, presumivelmente construída no século XVII e com um interior remodelado no século seguinte. Tem pouco valor artístico a sua torre sineira de 1879 (‘os sinos se achavam pendurados em uns paus quasi podres e que ameaçavam ruina o que seria não só de grave prejuízo, quebrando os sinos, mas além disso, indecência e vergonha para a freguesia’).
As alterações à sacristia datam dos anos 60 do século passado, mas encerra um enorme valor sentimental: foi ali que muitos dos habitantes de Arentim casaram, foram baptizados e frequentaram a catequese. Verifica-se que na sua construção foram usadas pedras do antigo mosteiro do lugar do Assento mas sai-se de lá um pouco triste com a sensação de abandono e descuido com que os moradores envolvem as ruas de acesso ao templo.
Do lado direito da porta principal da Igreja Velha pode observar-se uma pedra aparelhada de grandes dimensões que faz recordar a cultura castreja mas também foi utilizada em monumentos medievais.
Na sacristia da Igreja existem outras pedras visigóticas ou moçárabes, eventualmente vindas do antigo mosteiro, citado pela primeira vez nas doações que D. Afonso Henriques faz à Sé de Braga.
O templo original possuía três altares, o maior com a imagem de S. Salvador, outro com a imagem da Senhora do Rosário e um terceiro com a imagem de S. Sebastião e S. António. Em 1758, o pároco dizia que a Igreja pertencera aos Templários…
O povo de Arentim tem agora um novo templo, construído na década de 70, por estímulo do Padre David de Oliveira Martins, com um centro paroquial, onde após o 25 de Abril funcionou sede da Junta de Freguesia e o Grupo Cénico.
Na década de oitenta, uma estudiosa do Museu Martins Sarmento propôs que a Igreja Velha fosse transformada em museu da freguesia de Arentim. Esta igreja corre o risco de ser destruída ou degradada com funções em nada condignas. A comunidade não aceitaria a sua degradação sem protesto. Foi um edifício que congregou ao longo de três séculos a comunidade e o arcebispado, interessado na preservação do seu património não gostará de o ver destruído ou indignadamente degradado.
Por isso, Maria Isabel Fernandes sugeria a recuperação e reutilização da Igreja Velha em núcleo de arqueologia com o material que já existe e com o que encontrará quando se realizarem escavações no Campo da Seara.
E por que não se podem guardar aí os abandonados arados com dentes em pau ou em ferro, os malhos, limpadores de cereais, grades de dentes em pau ou em ferro de preparar a terra para as sementeiras, as sacholas, enxadas, alviões, sachos, engaços ou as carrelas, espadelas, vassouras de giestas ou codeços, sedeiros, jugos ou cangas de arcos ou brocha, cofos, cofinhos, forcalhos, rasas com rasão, etc.?
Capela a merecer classificação
No lugar da estrada existe a melhor pérola do património construído em Arentim: a capela da Senhora das Neves ou de S. Gonçalo, com um altar barroco que o povo diz ter vindo da Velha igreja, quando se fez a sua remodelação, no século XVIII.
A ASPA já pediu a sua classificação, ao IPPAR (então IPPC) em 1982 e até agora não foi tomada qualquer decisão.
A mesma estudiosa que citámos antes, aponta esta capela como escolha alternativa para um núcleo museológico vocacionado para a arte sacra como imagens das antiga Igreja, os oratórios, presépios, imagens em marfim ou madeira existentes em muitas casas da freguesia. Nas “Memórias Paroquiais” de 1758 escreve-se que a festa era celebrada a 5 de Agosto e que nesta capela havia uma imagem de Santa Catarina.
De acordo com um levantamento feito pela ASPA, a pedido do presidente da Junta de Freguesia, em 1980, Alcino Pinto Faria, no interior, esta capela possui boa talha, do segundo período do barroco, e o pavimento está recoberto por lajes de ardósia, o que “parece não ter paralelo no concelho”.
Foram realizadas naquela década obras de recuperação do telhado que estava em ruína total de modo a proteger a talha do altar principal de “excelente qualidade”.
Não estamos perante um grande monumento mas de um “modesto templo rural, construído numa época determinada (antes de 1769) e com personalidade própria que não deve perder”.
Os moinhos negreiros
Arentim possuía em 1758 oito moinhos negreiros no rio Este e alguns ainda se mantinham em funcionamento há pouco mais de uma década mas agora estão abandonados e em decomposição.
Não faz sentido levar as mós para um museu, longe do rio e sem qualquer utilização e onde não se ouvem as águas que correm, o barulho da roda a moer nem se vê o milho transformar-se em farinha.
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