Saturday, March 24, 2007

Diálogos com quem sonhou o novo Hospital de Braga



Falar com ele é perder a noção do tempo que passa tão depressa. A conversa é agradável e os temas vão surgindo como interpelação a quem o ouve, enriquecendo ambas as partes do diálogo (imperfeito por culpa do autor destas letras). É um encontro de velhos conhecidos, entre combatentes de outras batalhas travadas há muitos anos mas que parecem ter sido ontem.

Estamos a falar com e do médico anestesiologista António Gonçalves Ferreira é um arcuense dos quatro costados mas pede meças aos bracarenses de gema, quando se mostra inquieto com a cidade que o acolheu, onde foi director clínico do Hospital S. Marcos, há duas décadas atrás.

Depois, com um grupo de 24 médicos, fundou a Clínica de Santa Tecla onde as quotas eram desiguais mas os direitos iguais. É este mesmo que um dia sonhou o novo Hospital para Braga. Meteu os pés ao caminho e - recorda - “fui falar com o meu amigo Mesquita Machado. Coloquei-lhe o problema em 1985. Ele arranjou o terreno para o novo hospital. A Direcção Geral de Construções Hospitalares veio cá e aprovou o terreno. Quando aprovaram o terreno, eu disse-lhes – na viragem do século, venham cá inaugurar o novo Hospital de Braga. Foi o que se viu...

Não se viu quase nada – atalhamos nós – nem se saberá quando vai ser inaugurado, continuámos.
No seu consultório fala-nos de uma cidade que é a terceira do país, que tem crescido e “continua a crescer mas não está bem servida de farmácias, a partir das 19 horas”, período do dia em que as pessoas estão mais disponíveis para acorrerem àqueles estabelecimentos.

Que se pode fazer? – quisemos saber.

- Olhe, é fácil. Basta que o Irfarmed, o Governo Civil, a Câmara Municipal se reúna com os farmacêuticos de Braga e criem um esquema rotativo com três farmácias. Duas a funcionar entre as 15 e as 23 horas e outra aberta 24 horas. Eu já tenho falado com vários farmacêuticos e eles estão de acordo... mas ninguém coloca a questão. Qualquer vila tem uma farmácia de serviço e uma cidade com esta grandeza só tem duas, a partir das 19 horas.
Criava-se uma maior acessibilidade das pessoas. Às vezes, não entendo. O povo deixa andar, critica, mas não enfrenta as questões.

Sorri-nos e aponta.
A comunicação social também não discute isto mas isto é importante para o público.
De facto é... não somos perfeitos.

Veja lá. A partir das 19 horas, passa pelas farmácias que estão de serviço e vê filas enormes de pessoas à porta, às vezes à chuva e vento, às vezes mães aflitas com as crianças ao colo. Na mesma fila estão aqueles ou aquelas que vão apenas comprar uns cremes, porque é a hora em que podem, depois do trabalho, com pessoas em situação de alguma urgência a comprar medicamentos. Não há razão nenhuma que explique que nesta cidade que cresceu imenso só haja duas farmácias.
Mas nesta altura, o tema central é a reordenação das urgências....

É. Porque se contesta muito. As medidas podem estar certas mas não são explicadas. Já aconteceu o mesmo com as Maternidades. Não houve uma explicação prévia. Eu não percebo porque é que em cada distrito ou sub-região de saúde, ninguém teve a ideia de convocar para o Governo Civil os presidentes de Câmaras e apresentar-lhes a proposta, as soluções, a reflexão e depois tomar uma decisão partilhada por todos. As reformas entendem-se melhor se foram devidamente explicadas, Cometeu-se um erro e está a conflitualizar-se o país.

E bastava?
- Ajudava muito. Era preciso explicar a necessidade do novo mapa mas também há razões culturais e sociais que devem ser respeitadas. Olhe só aqui. O grande Centro de Saúde de Braga é o Hospital. A urgência do nosso Hospital é um martírio porque os Centros de Saúde não funcionam. Porque os médicos de família são uma falácia e não há nenhum cuidado em descontrair esta procura em massa dos cuidados de Saúde. Os Centros de Saúde não funcionam...

Porquê?
- Deviam estar abertos até ás 24 horas. Mas há outros problemas na nossa sociedade que contribuem para isto...
Mas votando aos centros de saúde que não funcionam...

Olhe lá, não existe uma Entidade Reguladora da Saúde? Ela devia fazer inquéritos – com objectivos pedagógicos – para saber como as unidades de saúde funcionam. Mas sabe o que fazem. Aqui há algum tempo, esta entidade veio avaliar a maternidade da Clínica de Santa Tecla. Quem veio? Uma jurista e uma clínica geral. Devia vir uma pessoa com formação na área da saúde materno-infantil. Esta entidade devia ter outras preocupações de avaliação da qualidade dos serviços médicos, com efeitos pedagógicos.

Em Espanha, por exemplo, os inspectores pedem o processo de um doente qualquer, fiscalizam-no, desde o diagnóstico até à terapêutica e se não está conforme as boas práticas, são chamados os médicos. É isto que permite ter cuidados médicos primários e hospitalares com seriedade e dignidade. Em Portugal, o cuidado do acto médico parece que é o que menos interessa. Por isso tornaram o cidadão um grande consumista de serviços e de medicamentos.

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