Thursday, September 30, 2010

Cem anos de República no Minho (15)

Deixamos para trás – como preciosa herança de D. Maria II, Mouzinho da Silveira ou Barjona de Freitas - três décadas de grande ascensão industrial. Mas Portugal é assim: o período de ouro degenera em crise e, neste caso, fomentou a emigração para o Brasil e alimentou o levantamento republicano.

Os românticos Almeida Garrett, Alexandre Herculano ou Júlio Dinis deram-nos um intervalo de crescimento e de sonhos que abriu as portas à turbulência anunciada por Camilo cuja cegueira iluminava o realismo de Eça de Queirós, aconchegado nas Farpas de Ramalho Ortigão.

O antigo regime dos frades e dos nobres dava lugar à sociedade dos barões. Almeida Garret diz-nos isso mesmo em “As viagens da minha terra” quando escreve: “frades… frades… Eu não gosto de frades. (…) Não os quero para nada, moral e socialmente falando”.

No entanto, “é muito mais poético o frade que o barão” – prosseguia o fundador do romantismo português que se interrogava: “como havemos nós de matar o barão?” porque os barões “são a moléstia deste século, não os jesuítas”.

Estas palavras a traduzem a afirmação dos burgueses na sociedade portuguesa bem descritos em “A morgadinha” de Júlio Dinis em que o professor primário, o médico e o padre constituem a oligarquia política corrupta que falsifica os resultados eleitorais perante a profunda ignorância das maiorias rurais e a contra-ofensiva do clero regular.

É verdade que Júlio Dinis valoriza o trabalho agrícola n’”Os Fidalgos da Casa Mourisca” mas todo o seu ideário acaba vergado ao caudal da obra do temperamental Camilo Castelo Branco cuja obra retrata com cruel simplicidade as últimas prepotências de uma sociedade ainda feudalizada.

A persistência dos morgadios e velhos preconceitos e classe no Entre Douro-e-Minho são eloquentemente ridicularizados em grande parte da obra do Cego de Seide com a antipatia genética ao Brasileiro, ao espírito burguês, à caça ao lucro e do dote, com uma vida que nenhum outro ficcionista voltou a captar (cf. António José Barreiros, in História da Literatura Portuguesa, Vol. II, Ed. Pax, Braga, p-406). Quase todas as grandes obras de Camilo – de sarcasmo social – se passam no período entre as Invasões francesas e a governança de Mouzinho da Silveira, que desferiu um golpe fatal em muitos usos e costumes dependentes do morgadio, as classes sociais altas e os seus vínculos.

As mudanças no ensino primário e secundário, com Passos Manuel, enriquecido com escolas superiores, as transformações da sensibilidade nas artes (veja-se o Palácio do Buçaco ou o Campo pequeno) de que são expoentes “O Desterrado” de Soares dos Reis ou “A Viúva” de Teixeira Lopes, o surgir de grandes pintores (como Alfredo Keill e Visconde de Menezes), o aparecimento de poetas como Teixeira de Pascoaes são consequência de um período de ouro que é interrompido nas últimas décadas do Século XIX e precipita a República.


Nos anos posteriores a 1868, com o apogeu dos transportes e dos meios de comunicação, compagina-se a crise da agricultura, o surto de emigração? De facto, eram inauguradas as pontes D. Maria Pia no Porto e D. Luís, o comboio avançava velozmente pelo território, fazendo a ligação com a Galiza, em Valença, em 1886, e entre o Minho e o Algarve, no ano seguinte.

O silvo agudo da locomotiva acordou os portugueses para outra verdade: o progresso não se resume a estradas e comboios. Os produtos externos fustigaram os preços dos que eram produzidos em Portugal e os comboios serviam para levar farinhas produzidas de graça com cereais estrangeiros – como nota Oliveira Martins. Com os comboios esquecemos as nossas terras com propriedades vastíssimas e extensos morgados por cultivar que aceleraram mais um surto de emigração para o Brasil e a desertificação do país.

Os cereais americanos – especialmente o trigo - mataram progressivamente a agricultura portuguesa que se vocacionou para a criação de gado e pastagens: como a história se repete! O alargamento da produção florestal foi outra consequência com espécies que sejam rápidas no crescimento. A viticultura do Douro sofreu forte abanão e o mesmo acontece com a generalidade da vinha portuguesa. Aos portugueses jovens restava o “salto” para o Brasil. Metade dos agricultores portugueses emigraram em 1890 (cf. Joel Serrão em Dicionário da História de Portugal, art. “Emigração”).

Portugal batia no fundo: “em todo o Portugal, à excepção do Porto, a banca e o negócio, as manufacturas e todas as empresas industriais de alguma importância, estão quase exclusivamente nas mãos de estrangeiros” – escrevia o francês Charles Vogel, num artigo publicado em 1890.

São estes empresários que regeneram o tecido industrial português e descobrem o filão têxtil e dos lanifícios, com a invasão maciça de teares que aproveitam as ramas de algodão oriundas do Ultramar. Portugal deixava de ser um país rural e passava a ser um território industrializado dominado por grandes empresas de capital estrangeiro que devoravam as pequeninas empresas.

Daqui ao capitalismo financeiro das grandes fortunas, foi um pequenino passo. E como sempre, o passo para uma crise financeira também é pequenino e aconteceu em 1891 com a crise cambial do Brasil. Que mais era preciso para justificar a primeira tentativa de revolução republicana?

Os “brasileiros” bem instalados preferiram continuar a mandar dinheiro para cá a mandar ir as filhas e as mulheres. Foram as suas remessas que permitiram a Portugal sair do naufrágio em 1891, depois do levantamento da escravatura no Brasil e da queda do preço do café. Que teve de fazer, em 1892, o ministro Dias Ferreira, quando a dívida pública absorvia metade das receitas do país?

Cortou 12,5% nos salários dos funcionários, aumentou 15% os impostos, enquanto a moeda é desvalorizada (deixando de ser comparada com o ouro) acompanhada de inflação galopante que atingia os mais pobres. Mais de 12 mil portugueses emigravam nessa altura para o Brasil, em cada ano.

Nós, portugueses, nunca mais aprendemos, mesmo passados cem anos do desaparecimento de um regime que governara Portugal desde a Cidade Berço.

Tuesday, September 7, 2010

Cem anos de República no Minho (14)


Prometemos na crónica anterior lembrar hoje os momentos principais da herança da rainha D. Maria II, num impulso regenerador que acelerou os ideais liberais e deu a machadada fatal no absolutismo miguelista enraizado nos espaços rurais minhotos, gerando os conflitos da Maria da Fonte e da Patuleia.

É um dos poucos momentos de ouro da História de Portugal no século XIX , cuja primeira metade é consumida em guerras (invasões francesas e revoltas populares regionais) e perda do Brasil, além de uma factura pesada a pagar aos ingleses.

Antes da sua morte, a Rainha D. Maria II deixou uma bela herança aos portugueses ao promulgar o Acto adicional de 1852 que regula a escolha dos deputados da Nação por eleição directa, generaliza o acesso ao voto pelos portugueses, acima dos 21 anos, e exclui apenas os criados de servir, os criminosos, os condenados e os contumazes.

Todavia, a maior conquista foi a abolição da pena de morte para os crimes políticos e era dado um primeiro passo para a fiscalização de dinheiros públicos e administração do Ultramar. Este movimento da Regeneração conseguiu, de uma penada legal, unir a lata, média e pequena burguesia, que se assim se consolida no poder por cerca de meio século. Foi a revolução dos Códigos (Civil, Penal, Fiscal, Comercial e Administrativo, com o fim dos “morgados”, por exemplo) que constituem a espinha dorsal dos actuais, como tão bem descreve Victor de Sá em “Época Contemporânea Portuguesa, I Vol, .

Consulte-se a história de qualquer povo – citamos o bracarense Ménici Malheiro – “e lá veremos sempre os esfarrapados, arvorando a bandeira vermelha das suas reivindicações contra a tirania dos poderosos. São eles que tudo constroem e nada possuem e em todos os movimentos libertadores ocupam a parte mais perigosa da barricada”. Mais uma vez, Portugal não saía da cepa torta e a mesma classe ia impor-se ao povo até 1910… ou até agora?

Oliveira Marques, na sua História de Portugal, Vol. II, pp. 67 e 103, assegura que o Acto adicional de 1852 uniu cartistas e setembristas; a expansão industrial, financeira e comercial sossegava os interesses de industriais, banqueiros, comerciantes e proprietários. O resultado, escreve, foi que “até ao surto do Partido Republicano não houve, em Portugal, oposição efectiva às instituições, às formas de governar e às políticas ou estruturas económicas e sociais”.

Esta “firme manutenção do poder por uma burguesia unificada iria durar meio século e impedir quaisquer veleidades de rebelião por parte das classes inferiores” como as dos “patas ao léu” ou da Maria da Fonte (1846 e 1847). Passaram três reinados (D. Pedro V, D. Luís e D. Manuel II) e Mouzinho da Silveira dispôs das condições ideais para lançar as bases do Portugal liberal, seguindo de perto o modelo francês na organização administrativa do território. O país foi dividido em distritos, que englobavam um certo número de concelhos, e estes eram constituídos por paróquias. Em cada distrito há um representante do governo nomeado pelo Rei. Os concelhos elegiam uma Junta administrativa.

As funções judiciais e administrativas não podiam misturar-se como antes acontecia, com o regime das Ordenações que são revogadas em grande parte.

O Código Administrativo de 1878 substitui os concelhos municipais por Câmaras municipais, de eleição local, confirma o essencial da reforma de Mouzinho da Silveira que reformulou o sistema judicial, criando os círculos e estes subdivididos em comarcas e estas últimas compunham-se de julgados ou freguesias. Um Supremo Tribunal da Coroa era assistido por um Procurador e no Tribunal de segunda instância (posterior Relação) existia um procurador do Rei. Os juízes eram escolhidos pelo Rei e apenas nos julgados eram eleitos.

Continuamos a herança de D. Maria, com o Código Penal, de 1852, que vai durar longas e longas décadas na sua essência, enriquecido com a abolição da pena de morte (1867) e da escravatura (1869), por Barjona de Freitas que também promulga outra peça fundamental para a organização do Estado: o Código Civil (1867) que substituía as… Ordenações Filipinas!

Pasme o leitor, como este país evoluía tão pouco em tanto tempo… de derrubamos os “Filipes” em 1640! No entanto, no século XIX, um punhado de portugueses (Alexandre Herculano, Fontes Pereira de Melo, Mouzinho da Silveira, Barjona de Freitas e D. Luís) foi capaz de desapertar os nós górdios de um país sufocado pelo “cacete miguelista” pois não “havia canto que não cheirasse a sacristia” pois era uma choldra onde nem “registo civil” de nascimentos, de casamentos (agora também civis), óbitos e paternidade dos filhos existia.

Mas há um vício que nunca mais combatemos: o défice das contas do “reino” ou da “República”. Já em 1822, ano em que se põe cobro “à desarrumação, sigilo e confusão”, começam a conhecer-se os contornos do défice e dão-se os primeiros passos para uma reforma fiscal.

Foi Também Mouzinho da Silveira quem lança as bases para as finanças públicas contemporâneas mas já então “grande parte das receitas se perdiam no pagamento de altos juros de dívida pública e nos prémios de ouro de pagamento externo, não sendo empregues em fins reprodutivos” e os impostos incidiam mais sobre o consumo que sobre os rendimentos na sua origem (cf. CASTRO, Armando, “Fazenda Pública”, in Dicionário da História de Portugal, onde descreve a existência de um Tribunal do Tesouro, outro Tribunal de Contas e uma Junta do Crédito Público, que tutelavam o Ministério das Finanças).

Que flagrante actualidade mesmo sem a crapulice das agências de “rating”… que abre o apetite para falarmos da revolução económica dos liberais, na última metade do século XIX, sem esquecer a cultura e artes, a educação e universidades.

São três décadas de grande ascensão industrial que degeneram em crise, fomentam a emigração para o Brasil e alimentam o levantamento republicano. Os românticos Almeida Garrett, Alexandre Herculano ou Júlio Dinis deram-nos um intervalo de crescimento e de sonhos que abriu as portas à turbulência anunciada por Camilo cuja cegueira iluminava o realismo de Eça de Queirós, aconchegado nas Farpas de Ramalho Ortigão.

Cem anos de República no Minho (13)


Nas semanas anteriores, com uma incursão através da versão camiliana de "A Brasileira de Prazins", lembramos tempos em que a morte voltava a ensombrar o Minho, pouco mais de trinta anos depois daquela "imprudente e louca resistência que o povo pretendeo fazer aos franceses nas serras do Carvalho d'Este", a 19 e 20 de Março de 1810.

Pode parecer pouco importante, para os nossos leitores, mas a história de Portugal encarregou-se já de afirmar que este movimento popular foi o precursor e apressou a mudança qualitativa na vida política portuguesa oitocentista (cf. VÁRIOS, História de Portugal, textos e documentos, III volume, Porto editora, 1986), ou não tivesse estado associado a ele Alexandre Herculano (cujo túmulo está nos Jerónimos, na foto ao lado.

Camilo Castelo Branco escreveu um livro com o título Maria da Fonte, que trata minuciosamente deste assunto. São também interessantes os Apontamentos para a historia da Revolução do Minho em 1846 ou da Maria da Fonte, pelo padre Casimiro. Na Biblioteca do Povo e das Escolas, o n.º 167 é a história da Revolução da Maria da Fonte, por João Augusto Marques Gomes.

Um dos primeiros trabalhos do romancista Rocha Martins intitula-se Maria da Fonte, protesto que foi a semente de um dos mais longos movimentos revolucionários portugueses, pela vasta participação de camadas populares e faz despoletar a chamada revolta da Patuleia.

Tal como a revolta da Maria da Fonte, também a Patuleia é uma revolta de origens camponesas, com a qual se solidarizaram artesãos, operários e estudantes, contra os cabrais e os saldanhas. A insurreição dos "pata ao léu" não tem ideologia e o seu esmagamento significa o primeiro passo para a perda da independência económica de Portugal. Depois da perda da independência económica, caminhávamos a passos largos para que, "no fim do século a própria independência política virá a ser gravemente ameaçada" — como escreve Miriam Halpern Pereira.

Luís Dantas, no seu livro «A Revolta da Maria da Fonte», Edições Ceres, Ponte de Lima, 2001, dá um excelente contributo para quem quer conhecer melhor estes tempos difíceis para Portugal que atrasaram durante décadas a modernização administrativa e política de Portugal.

Outra obra que pode e deve ser consultada é a de Paixão Bastos, Maria Luiza Balaio ou Maria da Fonte, editada pela Câmara Municipal da Póvoa de Lanhoso, em 1996, e nos ajuda a perceber os contornos deste amplo combate pela liberdade e pela justiça social, muito mais do que um protesto contra a proibição dos enterros nas igrejas, que não deixou de ser enunciado na literatura através de Camilo Castelo Branco, na música por Midosi e Frondoni “Hino da Maria da Fonte”, nas artes plásticas por José Augusto Távora que pintou Maria da Fonte na parede de uma sala do clube Povoense.

A rainha D. Maria Il, assustada com esta insurreição verdadeiramente popular, viu-se obrigada a demitir o ministério cabralista, chamando ao poder o duque de Palmela e Mousinho de Albuquerque, mas os confrontos continuavam ainda em Dezembro de 1846, como comprova a batalha em que foi morto o general Mousinho de Albuquerque; Celestino era destroçado em Viana do Castelo pelo general Schwalbach, o barão de Casal tomara Braga, os marinheiros de Soares Franco tomaram Valença e Viana do Castelo. A insurreição era tão forte, que, para se lhe pôr termo, foi precisa a intervenção estrangeira.

Recordemos que, no Minho, "o Barão Casal dava combate aos Miguelistas de MacDonnell que tinham entrado em Braga. A 21 de Dezembro, as forças governamentais tomaram Braga, obrigando o general escocês a fugir, e fuzilando mais de uma centena de miguelistas" (cf. VENTURA, António, Nova História Militar de Portugal, Volume 3, Ed. Círculo de Leitores, Lisboa, 2004).

A. Ménici Malheiro descreve a sociedade minhota de forma eloquente, em "Braga Contemporânea" quando diz: "não havia um canto que não cheirasse a sacristia, a cacete miguelista, a ódio de cónego, de padre, de frade, de jesuíta, de casaca ou sem ela, em todo o caso ódio de imbecis, todos formando um conjunto de miseráveis, muito devotos e tementes a Deus, mas da pior espécie, todos pensando no ventre... como bons próximos parentes dos porcos de Epicuro".

A Patuleia levou à queda do Governo de Costa Cabral e sua expulsão do país, pondo fim a uma agitada e violenta guerra civil, com batalhas cruéis em Braga, Porto, Valpaços e Lisboa, entre muitas escaramuças. Tudo termina com a assinatura da paz do Gramido, em 1847, mas a verdadeira paz apenas se faz sentir em 1850.

Fontes Pereira de Melo, em 1856, dava alguns exemplos deste tempo de paz, com a abertura de 36 quilómetros de caminho-de-ferro, "noventa e duas léguas de excelente estrada", além de "dezassete pontes" e da "montagem do telégrafo eléctrico" e da criação de escolas de instrução primária.

O investigador bracarense Victor de Sá cita o historiador Henriques Nogueira afirmando que "o mais antigo alicerce ideológico do republicanismo data precisamente de 1851, ou seja, do início da política regeneradora".

Afinal, é isto mesmo que temos vindo a tentar mostrar aos nossos leitores, quando escrevemos no início desta série de crónicas que os ideais republicanos nasceram entre nós com as invasões francesas e foram adiados devido à manipulação e miguelismo do clero rural, dos quais apresentamos provas suficientes ao longo das últimas crónicas.

Na próxima, abordaremos os acontecimentos de 1852 e a preciosa herança política deixada aos portugueses por D. Maria II.