Tuesday, March 29, 2011

Matemática e segurança: é muito mais o que as une...


É muito mais o que une a Matemática e a Segurança pública do que aquilo que as separa: eis a principal conclusão do debate realizado sexta-feira à noite no grande auditório do Colégio D. Diogo de Sousa.

No debate organizado pelo Departamento da Matemática e Sociedade Portuguesa participaram o Intendente Pedro Teles (PSP do Porto) e o prof. Nélson Martins (da Universidade Nova de Lisboa).

Pedro Teles começou por dar uma noção rápida das competências e valências da PSP para depois dar alguns exemplos da colaboração que a matemática pode dar para melhorar a eficácia da Polícia, especialmente na prevenção da criminalidade e na gestão dos recursos humanos e equipamentos.

A matemática está presente especialmente na estatística da criminalidade e “era impossível trabalhar na PSP sem ela”.
Depois há a área da balística que assenta toda em fórmulas matemáticas para determinar a posição de tiro e a velocidade dos projécteis.

A mesma presença da Matemática se verifica na investigação criminal e é “graças aos matemáticos que muitas operações complexas são bem sucedidas na investigação criminal”.

O mesmo se diga dos algorítmos utilizados na decifração das impressões digitais, na elaboração de retratos robots e ADN das pessoas. O que levou o Intendente Pedro Teles a concluir que “se não fosse a ajuda da matemática, nós vivíamos, em termos policiais na idade da pedra”.

Por sua vez, Nélson Martins apresentou o seu trabalho de doutoramento que teve como base um projecto matemático para organizar e gerir os giros da PSP em Lisboa.

Especialista na área da Investigação Operacional, Nélson Martins usou modelos estatísticos para simplificar a acção da PSP.
A Investigação Operacional (IO) é uma área multidisciplinar que se desenvolveu a partir da II Grande Guerra Mundial e contribuiu decisivamente para a Inglaterra resistir aos bombardeamentos e bloqueios alemães.

Depois da Guerra, a IO foi aplicada a outros sectores de actividade humana, como a indústria, a logística, rotas de camiões, gestão e planeamento e o seu desenvolvimento foi vertiginoso com, o aparecimento dos computadores.

Com o recurso a algorítmos, a estatística da criminalidade (local, hora e dia da semana), Nélson Martins, socorrendo-se de milhões de variáveis apresentou uma solução para o policiamento (giros) da cidade de Lisboa.

A solução permite poupar meios humanos e equipamentos, definir critérios de patrulha para as ruas com mais crime, através de um grafo constituído por uma rede de ruas.

Criminalidade
está a baixar



Há qualquer coisa que não funciona. O crime desce e as pessoas sentem-se mais inseguras” — lamentou o Intendente Pedro Teles, no final da intervenção no Colégio D. Diogo de Sousa.

Socorrendo-se dos “mais dos números do Porto”, o Intendente argumentou que as cifras negras sempre existiram, mas estatisticamente o crime tem descido.

A explicação pode estar na preocupação de “alguns jornais nacionais com várias páginas só dedicadas ao crime. Se não há inventa-se para vender jornais”.

Depois há o novo fenômeno de divulgar boato na Net, criando-se a sensação de um fenómeno que não corresponde à realidade.

No crime, acrescentou, há variáveis imprevisíveis. Por isso, concluiu, “a matemática ajuda muito mas não resolve todos os problemas da segurança”.

Friday, March 25, 2011

Os rostos da República de A a Z: Afonso Costa (02)

Para Afonso Costa, a República era o “caminho que se abre a todos os povos sem excepção” para sua transformação profunda contra uma Igreja Católica “propagadora de superstição e destruidora da dignidade humana” através da “ascensão das classes trabalhadoras à vida política” (cf. Obras de Afonso Costa, Discurso Parlamentares 1900-1910, Europa-América, 1973, pp. 134-476).

No entanto, a obra republicana só era possível todos os obstáculos ao bom uso da razão, em particular o poder espiritual da Igreja católica, propagadora da superstição, destruidora da dignidade da Humanidade.

No entender de Afonso Costa, a República só tinha sucesso se Portugal se visse livre dessa “desastrada força de retrocesso social, o partido da treva, em que as ideias vivem soturnamente imobilizadas” (cf. idem, ibidem, p.421 e ss.)

Com esta ideia fixa, Afonso Costa via na República um instrumento de mudança social através da ascensão das classes trabalhadoras à vida politica, como acontecia já na Espanha, Itália, Inglaterra e Alemanha. A escola do socialismo integral e o socialismo de Afonso Costa foram devidamente escalpelizados em “A Igreja e a Questão Social” que defendia a nacionalização da riqueza pública “sem abalos nem violências”.

O socialismo de Costa, semelhante a que mais tarde se há-de chamar Social-democracia, só podia resultar do envolvimento de toda a sociedade e não apenas dos trabalhadores.

No entanto, estas ideias socialistas foram minimizadas nos últimos anos da monarquia porque Afonso Costa tinha prioridades e a primeira era a instauração da República, único regime capaz de assegurar as liberdades fundamentais, o poder civil acima de qualquer outro, o sufrágio universal e a justiça social.

Mas os portugueses não estavam preparados para isto, exceptuando a elite lisboeta e Afonso Costa há-de ver-se obrigado a “pôr na gaveta a democracia” para evitar o suicídio politico dos republicanos divididos em vários partidos (1913).

Para salvar alguma coisa, começa com a Lei da Separação da Igreja do Estado que levaria Guerra Junqueiro a proclamar que “a lei é estúpida, dignifica o padre e vai ferir o sentimento religioso do povo português”. Era a luta pela sobrevivência politica de Afonso Costa, encontrando um adversário forte que lhe desse luta e plateia.

A sobrevivência foi aliás a sua primeira luta ao nascer, em Seia, em 1871, “fraco, com escrófulas e achacado” filho de um casal que apenas se formalizou quando Afonso Costa estava criado (1885).

Afonso Costa foi abandonado à nascença e colocado na roda de expostos de Seia porque seu pai, Sebastião da Costa, não quis assumir os filhos à nascença, numa relação nebulosa com Ana, filha de uma tecedeira cega de Gouveia.

Naquele dia 6 de Março surge um tal “Afonso Maria de Ligório, exposto na roda (ou seja, abandonado), o qual foi encontrado por Maria da Assunção, à porta de sua casa” mas Afonso Costa escondeu sempre (enquanto pôde) a sua origem: “não só nasceu de pais incógnitos como também foi exposto”. Foi perfilhado por Sebastião Costa quando tinha dez anos mas o documento já não lhe chama Ligório e a madrinha é uma tal Cândida Lebre, a mesma que recolheu Afonso da roda dos expostos" (cf. Guimarães, Alberto, in A verdade sobre Afonso Costa, Lisboa, 1935, p.24, cit por Barros, Júlia Leitão, in Afonso Costa, Círculo de Leitores, Lisboa, 2002, p. 17).

Estará aqui a justificação para a violenta guerra pela retirada do Registo Civil à esfera do Igreja Católica?

O Afonso Costa, encontrado por Maria da Assunção, à porta de sua casa, teve uma infância “muito religiosa” apesar de ter a “singular mania de dar a comer aos porcos” as Cartilhas de Vintém (das primeiras letras).

A vida de Afonso muda aos nove anos, quando vai viver com os avós maternos, onde é educado pelo padre Ferrão, grande amigo do pai, fazendo dele “grande estudioso”, até aos 12 anos, altura em que vai para a Guarda, vivendo na casa de um amigo do pai, o Veiga, um farmacêutico que animava uma tertúlia crítica dos jesuítas e clericais.

O estudos iam de vento em popa mas acumulava provas de uma rebeldia difícil de domar que o levam para um colégio portuense mas nem aí porque o director do Colégio da Senhora da Glória escreve ao pai: “esgotei todos os meios brandos ao meu alcance sem obter que ele se habituasse à disciplina colegial. De vez em quando esquece-se de tudo e faz disparates” (c.f. A. H . de Oliveira Marques, op. cit. p.79).

Mas faltava pouco tempo para entrar na Universidade de Coimbra onde descobre a politica com o colega António José de Almeida, um quintanista de medicina, na sequencia do ultimatum britânico que obrigava os portugueses a abandonarem as suas pretensões em África.

A cedência do rei D. Carlos era tudo o que os universitários republicanos necessitavam para vir para a rua, com apoio de uma imprensa combativa. O radicalismo varria a academia coimbrã, em 1890, e no ano seguinte falha a primeira tentativa de instauração d regime republicano.



A aventura custou muito caro, pois o movimento apaga-se durante seis anos, interregno aproveitado por Afonso Costa se casar e ser pai. Prepara uma tese de doutoramento sobre “A Igreja e a questão social” que termina em 1895, desmascarando as intenções da encíclica Rerum Novarum que apenas servia para “o papado viver um pouco mais ainda”, impedindo a “marcha da civilização e da ciência combinadas para, pelo socialismo, transformarem melhoradamente a sociedade”, como escreve na sua tese.

No seu entender, a encíclica Rerum Novarum contem “inúteis, inoportunas e perigosas — as doutrinas; egoístas e muito retrógrados — os motivos; incorrecta — a forma; não científica — a ideia”.

Para ele, não havia outro caminho se não “o socialismo, cada vez mais revigorado e grandioso, aí está, brilhante e forte, prometendo salvar a sociedade, do mal do industrialismo”. Esta tese de doutoramento era um projecto politico.

Aos 28 anos é nomeado professor catedrático, consumando uma ascensão fulgurante na academia e uma notável promoção social que os alunos começaram a detestar por ser rigoroso: em 123 alunos apenas 73 foram aprovados, com observação cuidado ao ponto de escrever... fulano “coça no no...”.

É em Coimbra que “exposto de Seis em 1871”, Afonso descobre a política, com uma visão optimista sobre a humanidade apesar de sempre negar que “fosse filho natural, ilegítimo ou de pais incógnitos”.

A sua actividade politica — “comecei a guinchar”, com escreve numa carta à mãe — ressuscita no Parlamento, em 1900, antes de uma vitória dos republicanos nas urnas no mês de Fevereiro.

No Parlamento, Costa, eleito pelo Porto, onde instala consultório, inicia uma intensa actividade — entre derrotas e vitórias — de modo a reanimar o ideal republicano, durante vários meses, à frente do qual acaba por se alcandorar, perante o desânimo e demissão de figuras emblemáticas do PRP que sofre várias derrotas entre 1901 e 1905 que alimentam o seu anticlericalismo.

Em Abril de 1907, João Franco instala a ditadura que dá novo fôlego aos republicanos, numa altura em que Afonso Costa está doente “depois de tantas asneiras, doenças, operações, melhores, enfim me chapei” (cf. Correspondência política...p. 210).

Os rostos da República de A a Z: Afonso Costa (01)



Deixamos uma série de crónicas sobre a implantação da República e iniciamos hoje uma nova série de textos sobre as grandes figuras da República, desde os seus cabouqueiros aos seus presidentes (*).

António Maria Azevedo Machado Santos (1875-1921), oficial da Marinha de Guerra, que liderou os revoltosos em Lisboa com a sublevação, no dia 4 de Outubro de 1910, do quartel de Infantaria 16 e, após a morte de Cândido dos Reis, foi a ponta de um iceberg que começara a emergir na sociedade portuguesa vinte anos antes.

O oficial que comandou das forças na Rotunda, no dia 5 de outubro, coroou um esforço de muitos intelectuais que durante décadas criaram a convicção urbana de que a Monarquia estava a destruir-se por dentro. Para esse movimento contribuí-ram homens como Afonso Costa, o reformador intransigente.

A alcunha de "mata-frades" dada a Afonso Costa pelos seus opositores reflecte bem a intensidade com que este político levou a peito a tarefa de desmontar o poderio da Igreja após o 5 de outubro. Porquê? Há factos biográficos que explicam determinadas ideias políticas e Afonso Costa é paradigmático. Daí que, conhecer os traços biográficos desses expoentes da República se afigure importante para compreendermos estas ou aquelas posições ideológicas ou políticas.

É verdade que a subjugação do país aos interesses coloniais britânicos, os gastos da família real, o poder da igreja, a instabilidade política e social, o sistema de alternância de dois partidos no poder (os progressistas e os regeneradores), a ditadura de João Franco, a incapacidade de acompanhar a evolução dos tempos e se adaptar à modernidade contribuíram para um imparável processo de erosão da monarquia portuguesa do qual os defensores da república, particularmente o Partido Republicano, souberam tirar o melhor proveito (cf. COUTO, Célia Pinto do, ROSAS, Maria Antónia Monterroso, O tempo da história, 3.ª parte, Porto, Porto Editora, 2004, p.124).

Mal assumiu a pasta de ministro da Justiça e Cultos no governo provisório saído da revolução, chefiado por Teófilo Braga, Afonso Costa decidiu-se a concretizar, com uma determinação pessoal que gerou amplo anedotário, um combate sem quartel aos poderes religiosos na política, sociedade, cultura e mentalidade portuguesas.

As ordens religiosas, principalmente os jesuítas, foram encerradas e o ministro em pessoa notabilizou-se pela sua participação nos interrogatórios dos religiosos condenados por não obedecerem às novas regras.

O ensino religioso foi retirado das escolas, o Estado torna-se laico, o juramento de funcionários públicos e militares deixou de ter alusões a Deus, o divórcio foi instituído, o casamento passou a obedecer a registo civil... a sequência de medidas tomadas pelo Governo nos primeiros meses da República é galopante e Afonso Costa foi um dos seus principais construtores.

A convicção anti-clerical deste advogado nascido em Seia em 1871 vinha de longe e já em 1895 atacava violentamente as políticas sociais da Igreja na sua dissertação de doutoramento.

Para trás ficava uma juventude bem sucedida, entre Seia e Coimbra, onde se deixa apaixonar pela actividade política, de tal forma que, a 19 Junho de 1900, quando faz o primeiro discurso no Parlamento marcado por veementes ataques à monarquia, não consegue travar a sua vaidade pessoal e escreve à mulher: “já comecei a guinchar”. Estreava-se o “mais amado e odiado dos políticos republicanos”.

Partimos do princípio de que a vida (biografia) de uma pessoa ajuda a perceber algumas das ideias que as timbram para toda a vida e são a marca de água da história de um país. Melhora prova desta tese – que não tem a ousadia de um doutoramento – é Afonso Augusto da Costa, para além de outros.

O mais amado e odiado dos políticos republicanos possuía tanto de idealismo hegeliano como de patriota camoniano, tudo bem embrulhado em democracia ideal e pragmatismo ditatorial.

Os seus adversários chegaram a dizer que “ele batia na mãe” (cf. RAMOS, JÚLIA LEITÃO, in Afonso Costa, ed. Círculo de Leitores, Lisboa, 2002, p.9). Se esta insinuação é desprovida, ajuda a perceber a radical Lei da Separação da Igreja do Estado que fez vergar a instituição milenar ao poder civil em idade de amamentação.

Menos polémico é conceder que Afonso Costa era um homem de acção dinâmica, apesar de ser tudo o que menos se esperava de um professor catedrático de Direito tão jovem que soube gerir como ninguém os ciclos favoráveis em plena monarquia e na I República, radicalizando os seus ideais ao ponto de justificar a entrada de Portugal na I Guerra Mundial.

Ele possuía a habilidade (de advogado) para a intriga, a táctica suficiente para manipular os bastidores da política e mentir quando era necessário. Para ele ser “popular era ser impotente” e a sua arte era a da persuasão.

Para isso, contava com os seus dotes de oratória. Eram notáveis o seu entusiasmo, o teatralismo e a clareza com que expunha o seu raciocínio sempre com fundamento legal e fervor militante. Acreditava no que dizia e deixava os adversários sentados na dúvida das suas certezas e buscava compromissos a toda a hora, ao ponto de Guerra Junqueira o definir como “um ciclone e um cronómetro” que tinha tanto de perigoso (ciclone) como de admirável (cronómetro) na frieza matemática da decisão tomada.

Era um chefe e está tudo dito... com um sorriso perverso usado como uma arma contra os adversários, como descreveu José Jobim: um “plebeu arrogante”.

Se as cartas para a mãe transpiram alguma sinceridade, deve reter-se que ele tinha orgulho “em sentir que os meus actos hão-de ser aprovados e louvados pelo povo português, agora e na história, mas tudo eu trocaria pela certeza de que Portugal era feliz. Quer dizer – escreve ele à mãe, em 1910, - para ser feliz o meu país, eu condenar-me-ia, de bom grado à perpétua mediocridade, ao silêncio profundo dos contemporâneos e dos vindouros” (cf. Correspondência Política de Afonso Costa, reunida por A. H. Oliveira Marques).

Para Afonso, a República era um dogma. Uma prisão para um optimista inveterado ou não tivesse ele uma cultura académica bebida no positivismo de Auguste Comte que profetizou o fim inevitável de todos os regimes absolutistas (católicos).

A República era o “caminho que se abre a todos os povos sem excepção” para sua transformação profunda contra uma Igreja Católica “propagadora de superstição e destruidora da dignidade humana” através da “ascensão das classes trabalhadoras à vida política” (cf. Obras de Afonso Costa, Discurso Parlamentares 1900-1910, Europa-América, 1973, pp. 134-476). E deixamos aqui um bom mote para a próxima: o rosto socialista da República.

*Nota: imagem extraída de Ventura, António, Os postais da Primeira República, Edições Tinta da China, 2010, p. 101.